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Julien Dossena, a Moda como símbolo da liberdade de expressão

A celebrar 10 anos como diretor criativo da renovada Rabanne, Julien Dossena é o criador discreto, mas cool, que voltou a colocar a revolucionária maison no exigente mapa da Moda. A sua mais recente colaboração com a H&M pode ser a bandeira que lhe faltava.

Foto: Getty Images
16 de novembro de 2023 Rosário Mello e Castro

O nome Julien Dossena pode não ser tão imediatamente reconhecível quanto o de outros designers de Moda responsáveis por rejuvenescer marcas icónicas, mas isso está prestes a mudar. Tinha apenas 31 anos (quatro passados a trabalhar para a Balenciaga de Nicolas Ghesquière) quando recebeu a difícil missão de repensar a Paco Rabanne para os tempos modernos e bastou-lhe uma coleção para chamar a atenção da indústria, logo a começar pelo facto de ter ignorado a malha metálica que se tornou um símbolo da maison. Uma década mais tarde, Dossena continua tão misterioso quanto revolucionário, um sonhador que vem ocasionalmente à terra tanto nos designs que cria para a Rabanne ("quero desenhar peças que ajudem as pessoas a serem elas próprias", diz), como nesta colaboração com a H&M, uma oportunidade para democratizar um pouco da história da Moda. E, de preferência, chegar a mais identidades, corpos e formas de pensar.

H&M X Rabanne
H&M X Rabanne Foto: DR

A colaboração da Rabanne com a H&M foca-se em algumas das peças mais icónicas da maison. Sendo o Julien um designer tão virado para o futuro, foi um desafio mergulhar nos arquivos?

Trabalho na Rabanne há 10 anos, mas, mesmo antes de começar a desenhar, sempre adorei a Rabanne como marca e admirei o espírito subversivo da casa. É raro em Paris encontrar uma etiqueta que tenha esta combinação de juventude, modernidade e radicalismo. Durante os meus primeiros cinco anos como diretor criativo, passei muito tempo a explorar o arquivo. Estudei o trabalho da malha metálica, que era uma assinatura do fundador Paco Rabanne – ele era obcecado por fazer coisas em metal – e pensei muito em como torná-la contemporânea. Nos últimos cinco anos, tenho apresentado algo mais pessoal e talvez mais prático. Quero que as pessoas usem as nossas peças todos os dias, não apenas em festas. Ao pensar esta coleção, percebi desde o início que queria ser generoso com os nossos designs icónicos e fazer com que chegassem a mais pessoas a um preço mais acessível. Trabalhei com a equipa para desenvolver peças das nossas coleções anteriores de uma forma muito direta ao assunto, leves, livres e fáceis de usar. A coleção tem o mesmo equilíbrio de simplicidade e radicalidade que tento ter em todos os meus desenhos.

O que o entusiasmou nesta colaboração e qual foi o seu papel ao longo do processo?

Pensei cuidadosamente na proposta da H&M e encontrámo-nos com eles há 18 meses, em Paris, para discutir aquilo de que gostavam na marca e o que queriam alcançar com a parceria. Para mim, uma colaboração é como uma aliança, um casamento – tem de haver uma razão para o fazer. Estava entusiasmado por poder partilhar peças icónicas da maison com mais pessoas, democratizar os nossos designs. Já a marca queria oferecer peças únicas aos clientes. Criei o conceito da coleção a partir do estilo de vida da Rabanne. Inspirei-me na ideia de uma festa na piscina dos anos 70, como uma fotografia de Helmut Newton, pessoas a beber cocktails, pessoas na piscina, pessoas a jogar às cartas num canto. Queria que a coleção fosse livre, leve, inclusiva e fácil de compreender e vestir. Apresentámos a ideia à H&M e eles gostaram, e depois desenvolvemos as peças com provas e amostras durante cerca de um ano. Também fizemos um filme para acompanhar a coleção realizado por Xavier Dolan, o que me entusiasmou imenso – ele é um dos meus realizadores favoritos e foi ótimo trabalhar com ele.

H&M X Rabanne
H&M X Rabanne Foto: DR

Nos anos 60, Paco Rabanne disse que não havia nada de novo para desenhar e que a Moda do futuro passaria por encontrar novos materiais. Como encara essa afirmação hoje?

No meu processo criativo enquanto designer, parto sempre da exploração constante. Encontrar ideias com uma certa radicalidade, não ser demasiado literal, acrescentar um twist às coleções – adoro fazer tudo isso e tenho muita sorte por poder fazê-lo na Rabanne. A nossa equipa faz muita pesquisa para cada coleção de forma a criar materiais inovadores. Quando Paco Rabanne usou a malha metálica para criar peças de Moda nos anos 60, foi inovador. Atualmente, talvez não seja tão chocante. Interesso-me pela ciência e pelos materiais técnicos que ultrapassaram os limites do vestuário desportivo, por exemplo, e adoro fazer experiências – numa estação, por exemplo, pegámos em sedas japonesas e lacámo-las. Para esta coleção, o maior desafio foi pensar a malha icónica, que queríamos produzir de uma forma mais sustentável. A H&M trabalhou em estreita colaboração com o fornecedor para criar uma mistura de metal reciclado e convencional, algo que tentamos fazer internamente há muitos anos sem comprometer o brilho e a durabilidade, mas que nunca conseguimos alcançar. É uma grande lição que podemos levar para o futuro na Rabanne.

As últimas coleções Rabanne, para o outono 2023 e o verão 2024, recuperam a ideia da Moda enquanto sonho, bem como as suas infinitas possibilidades. Como é que a Moda o fez sonhar pela primeira vez?

Cresci numa pequena aldeia piscatória onde não se falava de Moda, e ninguém da minha família está neste mundo. Em criança, passava muito tempo a desenhar enquanto os outros estavam a jogar futebol. Quando comecei, pensei que talvez quisesse ser curador de arte, por isso estudei História da Arte, mas depois apercebi-me que sentia falta de desenhar. Ao mesmo tempo, estava a descobrir a fotografia e depois cheguei à Moda. A Moda foi interessante para mim porque é preciso desenhar peças de roupa, mas também pensar em branding, fotografia, cenografia, negócio... Há muitos elementos diferentes. É claro que a Moda tem a ver com sonho, mas também acho que a ideia de contexto aliada ao estilo de vida é muito importante. Quero que as minhas roupas sejam entendidas pelas pessoas e fáceis de vestir, para além de serem bonitas.

Rabanne primavera/verão 2024
Rabanne primavera/verão 2024 Foto: Getty Images

Este ano marca o 10º aniversário da sua nomeação como diretor criativo da Rabanne. Tem sido um percurso de evolução passo a passo – muito contra a rapidez habitual da Moda hoje…

O tempo passa tão depressa! Quando comecei a trabalhar na Rabanne, há 10 anos, era uma marca que já não existia em termos de Moda e talvez as expectativas fossem limitadas em relação ao que poderíamos alcançar. O meu desafio era estabelecer um novo vocabulário para a maison, levando-a para o futuro, mas respeitando o seu ADN. Tem sido um processo muito interessante construir as equipas, desenvolver as coleções, trazer um novo espírito. Agora estamos a lançar-nos em novas categorias e a levar a marca ainda mais longe com uma nova identidade gráfica e um nome simplificado. É um momento realmente emocionante. 

Sendo alguém que celebra o corpo feminino através da Moda, como o próprio Paco Rabanne, como é que a diversidade na Beleza e na Moda influenciam as suas criações?

As pessoas perguntam-me frequentemente: "Quem é a mulher Rabanne?" Mas eu não tenho uma pessoa em mente quando estou a desenhar coleções. Inspiro-me nas pessoas que me rodeiam, nas mulheres do ateliê, nos meus amigos, e gosto de tomar um café e observar as pessoas na rua em Paris. Mas estou a pensar principalmente em termos de autoexpressão – quero desenhar peças que ajudem as pessoas a serem elas próprias. Alguns dos meus primeiros clientes na boutique eram da comunidade queer e tenho orgulho de desenhar peças que agradam a tantas pessoas. A liberdade de expressão é muito bonita para mim. 

Rabanne primavera/verão 2024
Rabanne primavera/verão 2024 Foto: Getty Images

Colaborou recentemente com Jean-Paul Gaultier, que também é entrevistado nesta edição especial da Máxima, para criar a coleção de alta-costura da marca para este inverno. Como foi juntar o trabalho deste designer icónico com a Rabanne e a sua própria visão?

É um exercício novo para mim. Esta ideia de ser ser convidado a trabalhar um património vivo, eu quis de facto encontrar o equilíbrio certo. Gaultier tem um estilo muito forte – nota-se logo quando estamos perante um Gaultier. O outro aspeto foi trazer um toque de Paco Rabanne para as peças, pensar como é que esse diálogo pode acontecer entre os dois designers... E depois há o meu trabalho, que pode ser muito instintivo, que trata um certo tipo de feminilidade, uma certa fluidez... Para mim, era importante ser claro e nobre, e espero ter prestado homenagem ao virtuosismo de Jean Paul, sem perder um certo twist, que nos faça pensar na personagem que representa esta coleção, de onde vem e para onde vai.

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