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Paco Rabanne (1934-2023). O legado de um visionário da moda

Ainda não se falava em empoderamento das mulheres e já o basco Paco Rabanne envolvia as suas modelos em cotas de malha à maneira dos guerreiros medievais. Conquistou o mundo da Alta Costura com as suas ideias arrojadas e um sentido empresarial único. Morreu esta 6ª feira, aos 88 anos.

Foto: Getty Images
03 de fevereiro de 2023 Maria João Martins

Bastaria ter criado o guarda-roupa vestido pela atriz Jane Fonda, no filme Barbarella, de Roger Vadim, para ser lembrado como um visionário. Mas fez muito mais do que isso. Paco Rabanne, que morreu a 3 de fevereiro, quase a completar 89 anos, na sua casa de Portsall, na costa da Bretanha, revolucionou a Alta Costura feminina na década de 1960, transformando as suas modelos em mulheres tão sensuais como poderosas. Vestiu-lhes cotas de malha como as dos guerreiros da Idade Média, sem que o metal lhes retirasse sensualidade, e mostrou-lhes que, se a conquista do espaço sideral fosse em frente (como tudo indicava na época), era possível ser bela em ambiente de gravidade zero.

Rabanne fez o guarda-roupa da atriz Jane Fonda, no filme Barbarella, de Roger Vadim, de 1968.
Rabanne fez o guarda-roupa da atriz Jane Fonda, no filme Barbarella, de Roger Vadim, de 1968. Foto: Getty Images

Nascido em fevereiro de 1934 em Pasaia, no país basco espanhol, Francisco Rabaneda y Cuervo (seu verdadeiro nome) era filho de uma costureira tão dotada que veio a trabalhar com Cristobal Balenciaga, também ele basco. Mas a Guerra Civil de Espanha atingiria da forma mais cruel esta família, quando o pai, coronel do exército republicano, foi fuzilado pelos franquistas. Francisco tinha 5 anos e não lhe restou senão acompanhar a mãe e os três irmãos mais velhos no exílio em França - primeiro na Bretanha e depois, já na juventude, em Paris.

Na capital, o jovem Paco estuda Arquitetura na Escola de Belas Artes e começa a encarar a Moda como um modo de se sustentar numa cidade cara, ao mesmo tempo que financiava os estudos. Começa a fazer croquis de sapatos para Charles Jourdan e, em breve, ver-se-á a conceber acessórios para marcas tão sonantes como Balenciaga (uma vez mais), Nina Ricci e Pierre Cardin. Cada vez mais interessado por Moda, lançará, em 1965, uma coleção de acessórios em acetato, a que deu o nome de "Pacotilles".

Com a atriz Corinne Piccoli, 1968.
Com a atriz Corinne Piccoli, 1968. Foto: Getty Images

Era o preâmbulo de uma grande carreira. Um ano depois, apresentaria a sua primeira coleção de vestuário, com uma ousadia que irritaria muitos dos seus pares (a começar por Coco Chanel, que, com a sua habitual crueldade, o apelidou de metalúrgico): "Manifesto, 12 vestidos impossíveis de usar em materiais contemporâneos". A evidente ironia contida neste título não o impediu de seduzir o público e jornalistas de Moda com a sua proposta futurista, inesperada, que em nada se parecia com qualquer outra - dir-se-ia que a sua mente estava mais na conquista do espaço do que nas ruas ou nos salões de qualquer grande capital europeia. Apesar das aparentes dificuldades colocadas por vestir materiais como o alumínio, o plástico ou o acetato, grandes figuras do espetáculo aparecem publicamente com roupas by Paco Rabanne. Entre elas, a cantora Françoise Hardy, Jane Birkin e Brigitte Bardot.

Apesar das aparentes dificuldades colocadas por vestir materiais como o alumínio, o plástico ou o acetato, grandes figuras do espetáculo aparecem publicamente com roupas by Paco Rabanne. Entre elas, a cantora Françoise Hardy, Jane Birkin e Brigitte Bardot.
Apesar das aparentes dificuldades colocadas por vestir materiais como o alumínio, o plástico ou o acetato, grandes figuras do espetáculo aparecem publicamente com roupas by Paco Rabanne. Entre elas, a cantora Françoise Hardy, Jane Birkin e Brigitte Bardot. Foto: Getty Images

O sucesso é tal que, em breve, o veremos a assinar os guarda-roupas de alguns dos filmes mais marcantes deste período, como o já referido Barbarella ou Duas ou Três Coisas que eu sei dela, de Jean-Luc Godard, em que veste a bela atriz Marina Vlady. A sua influência cresce ainda mais, mas, senhor de um sentido de negócio talvez raro em criadores, Paco Rabanne começa a diversificar o negócio. Um pouco como o seu companheiro de geração, Pierre Cardin, aposta, em simultâneo, no prêt-à-porter para homem e mulher. Em breve, aventurar-se-á também nas fragrâncias, com o lançamento de "Calandre".  Em ambos os casos, o sucesso volta a tocá-lo.

Calandre, perfume de Paco Rabanne
Calandre, perfume de Paco Rabanne Foto: Getty Images

Será justamente através dos perfumes que Rabanne se aproximará da companhia de cosméticos espanhola, Puig, e estabelecerá uma parceria, de que resultarão algumas fragrâncias best seller como a Paco Rabanne pour Homme, One Million, Invictus ou, mais recentemente, Fame. A partir de 1999, Paco Rabanne, cuja empresa já fora adquirida pela Puig em 1986, foi-se afastando progressivamente da indústria,  mostrando outras facetas da sua personalidade, como a ligação à espiritualidade (que dizia ter herdado de uma avó xamã). Fez exposições de pintura e publicou livros, em que comentava as profecias de Nostradamus ou falava da sua crença na reencarnação.

Um desfile do designer, 2004.
Um desfile do designer, 2004. Foto: Getty Images

A casa de moda que tem o seu nome é, desde 2013, dirigida por Julien Dossena, que a voltou a pôr na rota das marcas de luxo mais inovadoras da atualidade. Vindo de trabalhar na Balenciaga com ­Nicolas Ghesquière, Dossena soube conciliar a sua visão própria da moda com a homenagem ao génio do fundador. Numa entrevista à edição francesa Grazia, em 2019, Dossena dizia: "Paco Rabanne foi o primeiro diretor artístico a fazer desfilar mulheres negras, mais por amor à beleza dos corpos destas mulheres do que por militância. A reflexão sobre  a sexualidade e a liberdade da mulher estiveram sempre no centro da sua criação, como o demonstra a metáfora dos corsets metálicos, que, ao mesmo tempo, vestem, protegem e desenham a silhueta." E conclui: "Em certo sentido, ele deu-lhes armas de sedução para usar como lhes convém e não em função do olhar masculino."  

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