Atual

Islândia: mulheres voltam à rua 48 anos depois da primeira greve geral

Cerca de 100 mil mulheres, mais de um quarto da população islandesa, manifestaram-se contra a discrepância salarial, a violência de género e o assédio sexual. A greve paralisou o país, recordando a histórica greve geral feminina que decorreu a 24 de outubro de 1975.

Foto: Reuters
25 de outubro de 2023 Madalena Haderer

Em 24 de outubro de 1975, 25 mil mulheres saíram à rua na primeira greve geral feminina, na Islândia, exigindo direitos iguais para homens e mulheres. No mesmo dia, mas em 2023, exatamente 48 anos depois, a segunda greve geral de mulheres juntou uma multidão de 100 mil pessoas, incluindo a primeira-ministra islandesa, Katrín Jakobsdóttir: foi a maior multidão alguma vez vista no país. As manifestantes encheram as ruas de Reiquiavique, exigindo a abolição da discrepância salarial entre homens e mulheres – em 2022, as mulheres receberam, em média, 21% menos do que os homens, de acordo com o Instituto Statistics Iceland –, e o fim da violência de género e violência sexual que afecta 40% das mulheres islandesas em algum momento ao longo das suas vidas.

Ao jornal britânico The Guardian, Katrín Jakobsdóttir disse que o seu sonho é "atingir a total igualdade de género da Islândia até 2030", mas sabe que isso implica "um grande esforço". Tendo em conta que, 48 anos depois, os mesmos temas continuam a ser motivo de luta e que só faltam sete anos para 2030, o objetivo vai, sem dúvida, implicar esforço, determinação e acelerador a fundo.

A luta continua, islandesas para a rua
A luta continua, islandesas para a rua Foto: Reuters

Mas o que significa isto de uma greve geral feminina? Imagine que um dia acorda e não há mulheres em lado nenhum ou, aliás, não há mulheres a trabalhar – nem nas suas casas, nem em empresas, lojas ou serviços públicos – porque elas estão nas ruas, a manifestar-se em favor da igualdade de género. Pense nas tarefas comuns de um dia normal – café, supermercado, transportes públicos, escola, banco, repartição de finanças, hospital, ginásio, cabeleireiro, loja de roupa, estações de televisão e de rádio, etc. Agora imagine que estala os dedos e as mulheres desaparecem desses sítios. O que é que acontece? Alguns funcionam a meio gás, mas a maioria tem mesmo de fechar. Para além disso, os homens ou ficam em casa a tomar conta das crianças ou têm de as levar para o trabalho.

Foi exatamente isto que aconteceu ontem na Islândia, há semelhança do que se passou em 24 de outubro de 1975. Só que, desta vez, juntou 100 mil pessoas, por oposição às 25 mil de há 48 anos. Por todo o país houve lojas, empresas e serviços encerrados, escolas e creches fechadas, atrasos nos transportes públicos, falta de pessoal nos hospitais e os quartos de hotel ficaram por limpar. Tudo anunciado nas televisões e estações de rádio por equipas só de homens, que foram forçadas a reduzir as suas programações. Em toda a Islândia, houve apenas uma sucursal bancária aberta. E Reiquiavique, a capital, foi fechada ao trânsito para albergar as manifestantes, mais de um quarto do total de 376 mil islandeses. Interessa referir que, na Islândia, cerca de 90% dos trabalhadores estão sindicalizados. A primeira-ministra não trabalhou e disse que esperava que as suas ministras fizessem o mesmo.

Esta é a primeira greve geral de mulheres desde 1975. Desde então, tem havido diversas greves, mas apenas parciais – a mais recente em 2018 –, com as mulheres a largarem os seus postos de trabalho mais cedo, simbolizando o momento em que o seu trabalho, em comparação com o dos homens, deixa de ser pago. Uma demonstração de revolta contra o facto de para o mesmo trabalho, os homens receberem mais do que as mulheres.

Greve geral de 24 de outubro de 1975, conhecida como
Greve geral de 24 de outubro de 1975, conhecida como "Women's Day Off" Foto: Women's History Archive

O resultado desse dia histórico de há 48 anos foi que, no ano seguinte, em 1976, a Islândia passou um conjunto de leis que garantia a igualdade de género numa série de direitos. Para além disso, em 1980, Vigdis Finnbogadóttir, uma mãe divorciada, foi eleita presidente do país: a primeira mulher presidente na Europa e a primeira mulher no mundo a ser democraticamente eleita chefe de Estado, posição que manteve durante 16 anos. Finnbogadóttir sempre insistiu que nunca teria chegado a presidente se não fosse a greve de 1975.

Ainda assim, a discrepância salarial – o chamado pay gap – ainda não desapareceu. Numa conversa com jornalistas, a primeira-ministra referiu isso mesmo: "Ainda não atingimos o nosso objetivo de plena igualdade de género e ainda estamos a combater a disparidade salarial baseada no género, o que é inaceitável em 2023."

Resta esperar para ver que resultados políticos e sociais terá a greve de ontem, num futuro próximo, e se é algo que as mulheres portuguesas estão dispostas a importar.

Saiba mais
Mundo, Educação, Islândia, Greve Geral de Mulheres, Feminismo, Pay Gap, Katrín Jakobsdóttir
Leia também

As mulheres (ainda) vão mandar no mundo?

"The future is female". Nos últimos anos, vimos esse slogan por todos os lugares: nas redes sociais, em campanhas publicitárias, em t-shirts, possivelmente até na parede de algum Airbnb. No entanto, agora o statement já não é mais tão certeiro.

Cynthia Nixon em greve de fome por Gaza

A eterna Miranda da série televisiva “O Sexo e a Cidade” faz greve de fome de cinco dias para exigir um cessar-fogo permanente em Gaza. Enquanto mãe de filhos judeus, a atriz sente que tem obrigação de juntar a sua voz a esta causa.

As Mais Lidas