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Histórias de amor moderno. "Há 10 anos que não durmo com o meu marido"

"O meu diário diz-me que já passou uma década, 10 anos inteiros, desde que o meu marido se mudou – não da nossa casa –, mas do nosso quarto." Aos sábados, a Máxima publica um testemunho de como se vive o amor no séc. XXI.

Foto: D.R
18 de fevereiro de 2023 Máxima

Ele tem um ressonar estrondoso e partilhar uma cama com ele, naquela altura, não apenas estava a privar-me de dormir, como também estava a pôr-me meia maluca de frustração. As coisas tinham vindo a tornar-se progressivamente piores. Ele é um bom garfo e quanto mais pesado fosse o jantar – e quanto maior a quantidade de vinho tinto com que o regasse –, mais porcinos se tornavam os concertos noturnos.

Para tentar conter-se, ele usava tiras nasais, óleo de lavanda e dormia de lado. Nada funcionava. Quando sugeri que pusesse um almofada sobre o rosto, riu-se.

Portanto, teve de sair. Não consegui descortinar outra alternativa viável – pelo menos, uma que não exigisse a intervenção de advogados –, senão mandá-lo de malas e bagagens para o quarto de hóspedes, lá ao fundo de um misericordiosamente bem longo corredor.

Por esta altura já éramos casados há 9 anos, por isso o período de lua de mel há muito que tinha passado e a nossa nova situação parecia ser-nos conveniente. Ele passou a dormir sem levar pontapés meus e eu ganhei as minhas oito horas ininterruptas de sono. Naqueles primeiros tempos, ele voltava de mansinho para a nossa cama talvez uma vez por semana, depois duas vezes por mês, por, como ele dizia, "motivos de intimidade". Mas depressa começou a ser cada vez menos e depois só muito de vez em quando. E, a seguir, nós dois assim como que passámos a esquecer-nos de o fazer.

Habituámo-nos a viver assim. Ele engordou e eu deixei de fazer a minha rotina noturna de cuidados da pele. Deixei que o meu cabelo ficasse cheio de brancas, a depilação nas pernas passou a ser feita com menos frequência e aceitei de braços abertos a inevitabilidade da meia-idade. A atração física entre nós tinha adormecido por completo.

Não posso falar por ele, mas eu parecia estar a perder o desejo com toda a rapidez e contentamento. Será que ele também? O certo é que nunca mais houve batidinhas hesitantes à minha porta depois da meia-noite, mas também ele nunca estava muito longe do seu laptop, portanto, se calhar… ia-se simplesmente remediando?

Contudo, esta ausência de intimidade, lenta, mas inequivocamente, criou um fosso entre nós. Tornámo-nos entidades distintas. Enquanto a minha vida social passou a girar cada vez mais em torno das minhas amigas, de cavaqueiras e vinho, a dele virou-se para os bares e viagens de golfe com os poucos homens que ele ainda considerava amigos chegados. Passavam longos fins de semana na Escócia e, depois, em sítios como Amesterdão, Barcelona ou, até, Banguecoque certa vez. Para jogar golfe? Eu não perguntei e acho que pouco me importava com isso. Ela continuava a voltar sempre para casa a seguir.

Nunca tivemos filhos, por isso, com o decurso do tempo, os laços que nos uniam foram ficando cada vez mais lassos. Tornámo-nos cada vez menos marido e mulher e mais companheiros de casa sociáveis(-zitos). Continuávamos a tomar as refeições juntos e assistíamos os dois a séries do Netflix à noite, mas depois cada um seguia o seu caminho. Eu lia imensos livros.

Por vezes, pergunto-me se não estarei a perder algo de mais vital: o prodígio de um novo amor; o arrebatamento de ter sexo fantástico. Mas isso requer um esforço tão grande, que eu não tenho a certeza se me quero dar a essa maçada. Além do mais, ainda gosto do meu marido: é um homem correto e amável. Para ser honesta, aprecio o facto de não ter de me esforçar com ele, de poder ser simplesmente eu mesma. Mas é verdade que já deixámos de ter qualquer conexão. Existimos apenas em confortável silêncio.

A seguir ao Natal, comprámos um sofá em pele em saldo. Lado a lado nele sentados, apercebi-me, com um certo temor, de que ele se tinha tornado um estranho para mim, um homem que eu antes havia conhecido intimamente, mas que hoje já não. Presumivelmente, para ele, eu havia-me tornado algo de muito semelhante. Qual de nós, interrogo-me, irá mencionar este receio incipiente e ser o primeiro a traí-lo em voz alta?

Anónimo / Telegraph Media Group Ltd / Atlântico Press

Tradução: Adelaide Cabral
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