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Dating em Lisboa. “Ainda aguardo pelo amor como aguardo pela aprovação no Tinder dos ricos e famosos"

Foto: Apple TV @Legally Blonde
11 de outubro de 2023 Maria Pestana

Saí da Igreja e ele não estava lá. Já não me esperava mais, como noutros tempos felizes, em que não sendo fã da minha falsa beatice me fazia surpresas depois da missa. Na separação de bens imateriais, além da quota parte de desgosto e tristeza correspondente a cada um – e espero que a dele seja minimamente semelhante à minha, porque de outra forma tudo terá sido em vão -, deixei-lhe também A Brasileira. Imaginem: o horror que seria cruzar-me diariamente com o homem no local onde nos enamorámos, sujeita a ser traída pela saudade? Sujeita a inalar novamente aquele perfume adocicado com notas de tabaco que me fazia suspirar e lançar-me nos seus braços? Sujeita a desejar de novo aqueles lábios que sempre escondiam um sorriso acanhado? Sujeita a vacilar e gritar: "Esquece tudo! Amo-te! Que se lixe o futuro, quero-te agora!". Nem pensar! Ele que fique com a sua bica a três quartos, sem princípio, em chávena escaldada, até porque para escaldada já basto eu. Assim como assim, o café até me faz insónias, por isso, passo bem sem ele. E que coisa irritante é essa de pedir um café a três quartos, sem princípio, em chávena escaldada? Só o amor mesmo para nos fazer adorar estas picuinhices.

Porém, o pior no fim de uma relação não é toda esta gestão emocional e a criação de novas rotinas. A necessidade de nos reinventarmos pode até ser algo bastante estimulante, um novo alento. Podemos voltar ao ginásio com uma rotina séria, investir na nossa aparência com um novo corte de cabelo, comprar umas novas botas que nos custaram mais do que alguma vez iremos admitir pois, com a crise lá fora, quando o contrato de renda acabar sabe Deus para onde iremos viver, inscrever-nos num novo clube de literatura ou aprender a fazer cerâmica. Existe uma parte de nós que morre, é verdade, mas existe a reconstrução. E esse pode ser um processo bonito onde nos voltamos a encontrar, idealmente, com mais maturidade.

O pior aspeto no termo de um relacionamento é, definitivamente, aquilo que não muda nunca: o pequeno-almoço semanal com as "amigas", que se encontram entre aspas porque há muito que deixaram efetivamente de ser amigas, pessoas com as quais nos identificamos e podemos contar, mas são o círculo onde nos inserimos e que, por familiaridade, mantemos. A Maria Inês está de casamento marcado, não fala de outra coisa, mas como não quer ofender ninguém disfarça e pede desculpa atrás de desculpa. Aconselha-se com a Leonor, que casou no mês passado, ainda está em modo lua de mel. Obrigou-nos a todas a usar pilas na cabeça durante a despedida de solteira – acho que estou de ressaca desde então. A Joana está grávida do segundo filho, já só a vemos de tempos a tempos. Resta-me a Mariana, numa relação há quatro anos, e que estou a perder a pouco e pouco para a festa da maioridade segundo as normas coletivas da sociedade.

Seguem-se os discursos de apoio. "Ainda vai chegar a tua vez, vais ver, não desanimes!", "Não estejas triste, era porque não tinha de ser. Ele era um otário!", "O homem certo para ti ainda anda por aí!". Geralmente, aproveito o momento para beber mimosas atrás de mimosas, enquanto elas bebem sumos verdes e coisas saudáveis que não lhes interfiram com a fertilidade. Pergunto-me se existe algum livro cujo título seja "O que não devemos dizer a alguém que terminou uma relação, mas que vamos dizer na mesma", que todas as pessoas tenham lido e eu desconheça. Dou por mim a dar uma gargalhada ao pensar que, se calhar, devia ser eu a escrevê-lo. Livros sobre relações sempre dão bom dinheiro.

E neste momento o meu pensamento regressa à mesa. Alguém, com um rasgo de lucidez, diz algo de sensato: "A verdade é que não sabemos quando vais encontrar alguém e se vais encontrar, mas se é algo que queres, eu acho que vai acontecer. Espero que aconteça". E aperta-me a mão. Senti um aconchego no peito. É carinho isto, não é? Obrigada, Mariana. "Olha, pois é, o João tem um colega novo lá no trabalho. Queres que faça o arranjinho?". Deixa lá, Mariana, estávamos a ir tão bem. "Ah, e a Raya?", alguém diz. "Qual raia?", pergunto. "Tu não conheces a Raya? Com Y? É uma app de dates, mas para ricos.gente chique, famosa, etc. Até tens de ser aceite e tudo! Isso é que era fixe para ti! O Tinder está completamente over". Bebi mais uma mimosa. Uma aplicação de dating com nome de peixe? Depois deste pequeno-almoço, quem se sentia completamente acabada era eu.

Porém, chegada a casa, depois de várias mimosas e de cabeça feita sobre o conceito de "recomeçar", decidi ir pesquisar a dita Raya. Saquei a aplicação e comecei o processo de inscrição. Terminei e fiquei à espera de receber a aprovação. Esperei, esperei mais um pouco, mas nada. Não acontecia nada. Fiz uma pesquisa online e num site de origens duvidosas li que a aprovação pode demorar entre dias a meses. Ri-me. Se as aplicações de dates estão a ficar tão complicadas quanto os homens, porquê ainda pagar para as utilizar? Resignei-me, mas não me dei por vencida. Abri uma garrafa de vinho rosé, deitei-me na cama cujos lençóis tinha trocado mais cedo nesse dia e cheiravam ainda a lavado. Abri a gaveta e decidi que vibrador iria utilizar dessa vez: se um sugador de clitóris, se um estimulador. "Talvez os dois", pensei. Passei o resto do serão a masturbar-me, sozinha, desfrutando do prazer de me conhecer como mais ninguém. Sem pressas, sem quebras no ritmo – uma vez faltou-me a bateria, a tecnologia também tem das suas, mas nesse dia não foi o caso. A Raya haverá de me aceitar, como eu haverei de me voltar a apaixonar. Senão, poderei sempre contar comigo e com um qualquer website de venda de brinquedos sexuais para me ocupar.

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