Dating em Lisboa. "Quando terminou comigo reagi como uma louca. Na manhã seguinte, acordei a sentir-me incrível"

"O teu problema é que és boazinha", começava por explicar a minha psicóloga. "Se fosses daquelas pessoas loucas que atiram roupa pela janela quando as relações acabam não estarias assim". Estávamos em mais uma sessão de terapia e eu falava sobre outro desgosto amoroso qualquer. Recordo-me de ela explicar que parte do meu sofrimento com o fim das relações advinha do facto de ser equilibrada e bondosa. Controlava as emoções. Não extravasava. De cada vez que levava uma "tampa" respondia algo como: "Ok, compreendo. Espero que fiques bem, beijinhos". Curta, educada, não ressentida. Verdade, verdade, mentira! Ficava no lodo, porque quem não fica quando é descartado? Mas ai de mim demonstrá-lo! Saí dessa sessão a pensar que, se calhar, poderia ser demasiado controlada e ponderada em algumas das minhas reações, mas isso não era necessariamente mau. Antes isso do que dar parte fraca.
O Frederico deverá ter sido o meu quarto ou quinto date do Tinder. Quando mostrei a fotografia dele à minha colega de casa, depois de fazermos match, ela suspirou e disse: "Bolas, tens mesmo um padrão, é que nunca sai ao lado". E, de facto, não. O Frederico era muito moreno, de cabelo castanho, bem constituído. Usava óculos Fora, camisas de linho, alpercatas. Só deixava a desejar nos olhos, que eram castanhos e não os verdes que tanto venero, mas tudo bem. O mais importante para mim é que ele não era só bonito, parecia ser muito culto. Trabalhava numa multinacional, lia o Expresso ao fim de semana, falava sobre política e o estado do país. Por causa dele li a primeira parte da autobiografia do Barack Obama no espaço de um mês – deixo a ressalva: é um calhamaço com mais de 800 páginas -, e ouvi todos os episódios do podcast que este lançou com o Bruce Springsteen – tive de me esforçar muito para dar a impressão de que entendia alguma coisa porque, caramba, o sotaque do Bruce é tramado.
Se ele era culto, eu tinha de parecer mais! Passei a comprar o jornal à sexta-feira também, lia-o antes dele. Apontava-lhe artigos e fundamentava as minhas opiniões. Comecei a ouvir mais podcasts sobre atualidade. Anotava os livros de que ele me falava. Via os vídeos que partilhava comigo. Acho que nunca fiz tantas pesquisas no Google, porque queria estar ao seu nível. Ao domingo à noite, assistíamos em conjunto ao programa do Ricardo Araújo Pereira e ficávamos a trocar mensagens e a rir para os respetivos telemóveis. O único problema é que o Frederico era muito ocupado, por isso, praticamente só trocávamos mensagens aos fins de semana e a impaciência começou a apoderar-se de mim. Esperava a semana inteira por uma mensagem. A cada fim de semana começava a pensar que, se calhar, estaria prestes a convidar-me para algo, mas nada. A cada sábado, a cada domingo, mais uma ronda intelectual de troca de mensagens e nada. Estava mais culta, era certo, mas (mais) entediada também. Queria lá saber das conversas do Obama com o Springsteen, eu queria era uma queca e, bom, um jantar antes seria simpático.
Um dia regressei do trabalho, irritada, cansada. Abri uma garrafa de vinho e bebi metade. Enchi-me de coragem, ou seja, embebei-me sozinha e cometi uma loucura. Peguei no telemóvel e mandei-lhe uma mensagem. "Posso perguntar-te algo? Por que razão só falamos aos fins de semana?", e até aqui tudo bem, mas eu decidi continuar e arriscar possibilidades. "És muito ocupado? Tens alguma namorada que deva saber? Ou tens dias para falar com os teus engates?". E tive a audácia de carregar em enviar. Aucht! Quem é que é controlada agora, psicóloga? Quem é? Eu não fui, mas devia ter sido. O Frederico ficou ofendido, amedrontado com este desvario inesperado, e esteve dias sem falar comigo. Felizmente, era verão e fartei-me de partilhar fotografias nas redes sociais em biquíni na certeza de que iria ver e sentir-se tentado a responder. De cada vez que me apercebia que não vira era uma desilusão. Obrigava-me a ser mais criativa nas fotografias seguintes, afinal, tinha de agradar a todos os meus seguidores e parecer sempre casual e orgânica.

Depois de alguns dias em silêncio, o Frederico deu sinal de vida e decidiu ser logo direto. "Quando é que bebemos um copo de vinho?", perguntou. "Tenho uma garrafa de branco no frio", respondi. Não tinha, tive de sair à pressa para ir à loja de conveniência na esquina e comprar, mas fiquei tão feliz que não quis perder a oportunidade. Ele chegou passado sensivelmente uma hora, cheiroso e airoso, numa camisa de linho verde-água aberta que deixava ver um crucifixo de prata pendurado ao peito. Ao vivo, percebi que tinha as orelhas como o Topo Gigio, mas achei-o querido. Ficámos na minha varanda a beber o vinho e conversámos muito. Ele era exatamente como pensei, mas mais cordial. Falou-me muito sobre a família, os pais divorciados, a mãe que se mudara para o interior, a casa que estavam a recuperar na aldeia. Ficou surpreso relativamente aos meus conhecimentos sobre construção. Nomeadamente, por saber fazer cimento: "um balde de cimento para três de areia e três de água". Aposto que ergui a sobrancelha enquanto lhe dizia isto. Não sou apenas bonita, baby, também sei meter as mãos na massa! Contei-lhe como costumava ajudar o meu pai com as obras em casa quando era criança e todas as peripécias envolvidas.
Com o vinho e a minha cama a escassos metros da varanda, acabámos por ter sexo. Foi o final perfeito para as horas que passámos sentados a conversar lá fora, até o sol se pôr. Foi intenso e apaixonado. No domingo seguinte, foi a minha vez de ir ter a sua casa. Fiquei a dormir lá e, de manhã, levou-me ao trabalho. Estava confiante de que nos veríamos mais vezes. A meio da semana, tive um jantar com amigos em Monsanto. Estava uma noite muito quente. Usei um vestido de seda azul-escuro com rendas pretas. Sentia-me sensual e estava ansiosa por voltar a estar com o Frederico. Peguei no telemóvel e escrevi-lhe: "O que me dizes de sábado irmos à praia? Eu, tu, sol, água salgada e os nossos bronzeados incríveis?". Recebi a resposta já no fim do jantar. "Maria, agradeço muito o convite, mas não vai dar. Desculpa, preciso de ficar sozinho agora. Falamos depois. Beijinhos".
Li a mensagem e não queria acreditar. Ele estava a dar-me uma "tampa", mas, ao mesmo tempo, deixava-me em banho-maria. Liguei-lhe de imediato, não atendeu. Liguei novamente e, desta vez, atendeu. "Que conversa é esta?", perguntei surpreendida. Ele balbuciou algumas frases sobre como me achava porreira, mas estava a passar por muita coisa e precisava de estar sozinho. Enquanto falava deixei de o ouvir. A minha mente levou-me até um episódio de O Sexo e a Cidade em que a Samantha tem uma das suas saídas geniais e diz uma frase que nunca achei ser capaz de replicar na vida, mas fui. "Olha, Frederico, vai-te foder, porque eu não o faço mais!" e desliguei. Fiquei sentada no passeio a chorar. Atirei o telemóvel a um amigo e pedi-lhe que "desamigasse" o Frederico de todas as redes sociais. "Tens a certeza?", questionou-me. "Sim, isto não se volta a repetir". Na manhã seguinte, acordei com uma ressaca enorme, mas assim que abri os olhos esbocei um sorriso. Abanei a cabeça, porque sabia que tinha agido como uma pessoa tresloucada, mas senti-me incrível. Algumas semanas depois, apercebi-me de que o Frederico andava a stalkar o meu Instagram através de uma página que partilhava com os amigos. "Afinal, não fui assim tão louca", pensei. Às vezes, a dose certa de insanidade é tudo o que precisamos para recuperar a nossa lucidez.

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