
Há dias, descia o Chiado com os phones nos ouvidos enquanto trauteava uma música de Lucy Dacus que fala sobre como a melhor amiga de infância a ensinou a beijar. I asked her how to win my man and she said, "I know just the thing." / Gave me lipgloss and a hair toss and, after school, a lesson in kissing, diz a melodia. Ocorreu-me que o meu primeiro beijo também foi assim, com uma amiga. Estávamos no segundo ou terceiro ano de escola. Brincávamos às escondidas no quintal de sua casa. Ela puxou-me para trás de um muro, ficámos escondidas de cócoras com as cuecas à mostra por debaixo dos bibes axadrezados e ela beijou-me suavemente. Encostou os lábios aos meus e depois disse: "Não faz mal porque somos amigas. Eu também já beijei a minha prima, ela é mais velha e diz que é assim que aprendemos para depois beijar os rapazes". Encolhi os ombros, consentindo, mas não gostei. Ela tinha os lábios húmidos e achei um bocadinho nojento.
No secundário, Katy Perry pôs-nos a todas a trocar saliva – para regozijo de alguns rapazes. Em 2008, não havia noitada em que não se cantasse em plenos pulmões I kissed a girl and I liked it, num ato que, hoje entendo, mais do que rebeldia foi de pura libertação feminina. Ao contrário dos outros rapazes, o meu namorado da altura odiava, sentia ciúmes, não achava um ato bonito. De cada vez que me dizia que não gostava que eu beijasse a minha melhor amiga, eu repetia-o. Afinal, quem era ele para me dizer o que fazer ou não? Dava-me gozo provocá-lo, mas sobretudo divertia-me a dualidade e a independência sexual.

Na faculdade, perdi uma aposta porque não consegui beijar uma miúda. Estávamos num bar em Santos e um amigo desafiou-me, disse que me dava 20 euros se eu beijasse uma das raparigas que dançavam na pista. Usei todos os meus moves: olhei-a fixamente e sorri de lado, mexi no cabelo e cheguei-me perto dela. Dançámos agarradas durante algum tempo e eu dava-lhe um beijo no pescoço quando olhei para o lado e vi o meu namorado estupefacto, a esbracejar, questionando o que se passava. "Maria, não posso deixar-te por dois segundos!", gritava ele. Expliquei que tentava ganhar uma aposta. Perguntou-me se tinha conseguido. "Não", admiti e perguntei por que raio esteve tanto tempo na casa de banho. "Sei lá, como é que fiquei tão bêbedo? Estava a ter conversas com o espelho, saio e estás a dançar com uma ruiva. Ainda por cima sabes que tenho uma pancada por mulheres ruivas". "Não a vamos levar para casa, lamento, podes esquecer essa ideia", respondi com convicção e rimos os dois, mas sabia que, nessa noite, só não fomos três na cama porque não quis.
Ao longo dos anos, fui tendo alguns episódios onde fui observando e contemplando as mulheres de uma forma especial. Como são bonitas, como quebram preconceitos, se comportam como lhes convém, riem alto ou sorriem timidamente, se exibem ou se acanham. Algumas têm vozes de rádio e outras olhos de estrela de cinema. Nunca são as coisas óbvias que captam a minha atenção. São sempre os pequenos detalhes que me encantam. A forma como fumam, a maneira como prendem o cabelo desgrenhadamente ou o jeito com que pedem uma bebida ao empregado de bar. A paixão com que falam sobre algo ou a forma intensa com que provam um prato. Todos esses detalhes me provocam curiosidade, mas não sei se lhe posso chamar de desejo.
De qualquer forma, ontem, estava sentada num restaurante italiano na Graça com um amigo. Provávamos um daqueles vinhos naturais Orange que estão tanto em voga agora. E provámos e provámos mais uns quantos. Eis quando observo uma espanhola sentar-se ao meu lado no balcão que fica à janela. Falava alegremente. Adoro a desenvoltura com que falam, o sotaque, a fluidez. Pendia-lhe uma madeixa de cabelo apanhado por um gancho. As ondas despenteadas. O sorriso ligeiro. Pediu-me isqueiro, peguei no do meu amigo e acendi-lhe o cigarro. "Já ninguém fuma cigarros normais", pensei. Ela sorriu-me de volta, enquanto expirava o fumo para o lado. Achei-a de uma beleza indescritível, talvez por já ter bebido demais, talvez por sentir que precisava de uma distração, de um desafio, talvez por ela ser mesmo bonita.

Comentei com o meu amigo que ficaria horas a falar com ela, que queria conhecê-la, cortejá-la. "Que coisa é esta que tenho? Quando bebo apetece-me flirtar com mulheres", disse lançando o tema ao mundo. Do outro lado do balcão ele soltou uma gargalhada bem alta. "Maria, tu de facto és das pessoas mais desempoeiradas que conheço. Acredito verdadeiramente que agora, se quisesses, te envolvias com aquela mulher só porque te apetece e essa é só uma das características que te torna tão interessante". Corei um pouco. Achei que tecia demasiados elogios, duvido sempre quando as pessoas são assim exageradas nos enaltecimentos, mas ao mesmo tempo pensei que tinha razão. Por que raio não haveria de lhe falar? De a convidar para beber um copo comigo? De lhe pedir o contacto? "Vou fazê-lo!". E fiz. Afinal, ela estava de férias e tinha namorado em Madrid. Voltei para casa a pensar que talvez seja melhor assim. Existem desejos e vontades que depois de concretizados perdem todo o encanto. Talvez seja esse o meu segredo com as mulheres, hei de adorá-las e admirá-las sempre, mas à distância. Fora da minha cama, onde os homens me preenchem tão bem. Esta acabou por ser uma crónica sobre um date que não aconteceu, mas garanto que no dia em que saia com uma mulher vos conto tudo.

Histórias de Amor Moderno: “Eu nunca fui deste tipo de relacionamentos de uma noite, de conhecer, fazer qualquer coisa e partir, nunca mais pensar nisso”
“Os bares de praia e os seus sunsets de verão são clássicos modernos do verão algarvio. Música mexida, corpos bronzeados, óculos de sol, braços no ar.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.