Mallu Magalhães sem filtros. Música, maternidade e o amor com Marcelo
A melodia de Mallu, Maria Luiza, seu nome verdadeiro, contagia-nos como um dia de sol de inverno. À Máxima, conta a infância, a ascensão na carreira, o amor com Marcelo Camelo, a maternidade e, claro, o novo disco: Esperança. Oiça-a cantar.
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18 de novembro de 2021 às 07:00 Rita Silva Avelar
Ri-se enquanto canta, de um jeito doce e leve, e as suas gargalhadas, durante esta entrevista, são tão delicadas como o seu timbre musical. Mallu Magalhães, 29 anos, e natural de São Paulo, tinha apenas 16 anos quando fez o famoso dueto de "Janta" com Marcelo Camelo, com quem entretanto teve uma filha, Luísa, virando uma estrela em ascensão meteórica – quase sem querer. Voz de êxitos como Você Não Presta, Sambinha Bom ou Encontro, pelo meio juntou-se a sua voz à de Marcelo, para o projeto Banda do Mar, cujo disco, lançado em 2014, já foi gravado em Portugal.
Vive em Lisboa, cidade a que chama casa, e onde tem um estúdio, na Estrela. É, aliás, lá que grava os seus discos, inclusive onde gravou o novíssimo Esperança, uma espécie de refúgio musical que tem tanto de bonito como de calmo. Canta-nos Quero, Quero, depois desta prazerosa conversa, um dos singles do novo disco.
Cresceu rodeada de música. Recorda-se de existir sem ela?
Eu sempre tive a presença da música muito viva. Eu via o que a música era para o meu pai (que não é músico, mas sim engenheiro de som) que é um lugar de tranquilidade, de calma, de felicidade. Sentia que era muito importante para ele. E para a minha mãe também, embora não toque violão, adora música. Escuta muita música dançante, ela tem uma relação com a música de admiração. Assim, tinha referências de duas relações com a música diferentes. Os meus avós tinham todos muitos discos, o meu avô paterno gostava muito de música clássica, e o meu avô materno ouvia mais jazz e música brasileira. Ninguém queria os vinis, e eu fiquei com os discos todos. O facto de o meu pai tocar violão em casa sempre me deu abertura para saber que era possível fazer música em casa.
Em que momento passou de ouvir, para compor e fazer música?
Eu lembro-me de começar em casa. Ainda antes de saber tocar violão já compunha músicas na minha cabeça, tentava por as ideias em prática. Lembro-me de comprar gravadores. Tive depois aulas de violão e ia explorando outros instrumentos, como o piano, banjo ou ukulele, e fui aprendendo outros instrumentos sozinha. Com o dinheiro que fiz nos primeiros trabalhos comprei um computador, e foi aí que consegui fazer novos testes e experiências. Na verdade, foi sempre tudo muito natural. A minha professora de violão sempre ajudou muito, puxava por mim.
O meu encanto maior não era pela voz, mas sim pela composição. Eu gostava muito de escrever, gostava das palavras, gostava de ouvir Bob Dylan. Ficava estudando as suas letras durante semanas. Encantava-me aquela musicalidade. Cantar, cantava porque alguém tinha que cantar (risos) mas não foi a primeira coisa. Assobiava muito bem (risos). A minha mãe pedia-me muito que cantasse, pedia-me músicas específicas.
Como a do Titanic! Ela chorava…Eu fazia estes números que emocionavam os adultos, mas também eram oportunidades para explorar a voz. Hoje em dia tenho uma relação mais íntima com a voz. Aos poucos fui vendo na voz um espaço para conseguir mandar os sentimentos para fora. Tem sido muito interessante. Com a experiência da maternidade, por exemplo, tenho passado a guardar mais os sentimentos. O que acaba acontecendo é que hoje em dia eu valorizo muito mais o poder da voz, e sinto que tem muito mais para por para fora quando eu canto, sabe?
Em 2008 foi um ano boom na sua carreira. Também foi quando conheceu [o músico] Marcelo Camelo. Sentiu o tabu por parte das pessoas, pela vossa diferença de idades?
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Na altura eu percebi que era falado, mas depois passou. Desde que nos conhecemos até começarmos a ter um relacionamento passou algum tempo. Sempre foi muito natural, saudável e feliz. Para nós não teve problema nenhum.
Nessa altura veio também a fama. Como foi lidar com ela, com apenas 16 anos?
Foi um desafio e ainda é. Já me perguntaram se eu preferia que tivesse sido mais tarde. Sei lá, olho para a minha vida hoje em dia e sou tão agradecida por ter chegado aqui, ter tido a Luisa, que se tivesse que mudar um segundo poderia ter sido diferente. Eu aceito todo o meu passado porque eu cheguei até ela. Olhando para trás teria ficado mais atenta ao que aquilo me estava causando. Eu não tive a noção de que era um desafio tão grande, emocionalmente. Eu não tinha o sonho de ser famosa nem coisa nenhuma. Mas aos 14 anos já tinha montes de músicas, queria gravá-las, mas era como se fosse alguém a querer pintar um quadro. Quando eu via na TV, eu não queria ser quem estava ali na frente. Não me via ali. Mas ao mesmo tempo as coisas e as oportunidades foram aparecendo, e eu fui aproveitando, tentando desfrutar de tudo aquilo.
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E acabou por ser natural…
Gente, era uma demanda muito intensa, era tudo "muito." As campanhas, as parcerias, os concertos. Senti dificuldade em manter amizades, manter o contacto com a minha família porque viajava muito, não consegui manter a escola… de uma hora para a outra, eu perdi os três fundamentos da minha vida. E tive que abrir mão de muita coisa por outra que eu não entendia ainda bem direito o que era. Foi duro. Ao mesmo tempo, eu sinto que foi uma bênção, foi um presente. Mas teve um outro lado que foi bem desafiador, mas depois me recuperei e hoje em dia eu sou mais ou menos "okay"! (risos).
É, um pouco. Eu gosto muito de trabalhar, nem tem a ver com remuneração, mas o processo e a dedicação são coisas para um propósito maior. É muito importante para mim, eu sinto prazer em trabalhar. As minhas rotinas, as minhas brincadeiras com amigos, andavam sempre à volta de projetos. A gente gostava de produzir, de fazer, de criar. Claro que gostava de sair e ter um namorado, mas produzir o que quer que fosse sempre foi a minha coisa preferida. Eu estava feliz, e sim, optei. Os meus pais sempre me falaram para estar atenta, que era duro, sempre martelando para tomar cuidado com o que era real e o que não era. Porque é uma ilusão muito grande.
Foto: Rita Silva Avelar
Eram protetores? Ou cautelosos?
Na época eu até achava que não me apoiavam, que não queriam que fizesse isso da vida, dizia que ninguém me entendia. Mas não era nada disso. Estavam apenas me protegendo, que a vida é muito longa. Profissões de natureza itinerante, elas cobram um preço diferente. É um perfil de pessoa. Eles queriam saber se era isso mesmo o que eu queria...se eu falar para eles e disser que vou ser veterinária, eles vão falar, ‘total! Está tudo bem!’ Nunca me cobraram sucesso, dinheiro, sempre me disseram para ser feliz (e me sustentar minimamente, claro). Hoje em dia eu acho isso bom, mas na época pensava: "todo o mundo acha que eu sou incrível, só vocês acham que eu sou uma furada" (risos).
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Ao longo dos anos, como se desenrolam os novos discos? De onde vêm eles?
É sempre diferente, e isso é muito legal. Cada disco é uma proposta, é uma fase. Sabe quando você está na fase de morar numa casa de campo, gostar de roupas de linho, e comer quinoa? Eu pelo menos faço isso, vou mudando de ‘pessoa’, para variar, e aí o disco é uma fase, é uma proposta. Um conceito que se aplica a você. É sempre uma viagem interessante. Eu só sinto vontade de gravar um disco quando sinto que tenho uma coisa nova para mostrar. Essas fases refletem novas conclusões, aprendizagens, desafios… E eu acho que é isso que é interessante dividir com as pessoas. A produção cultural é isso: você entregar coisas, pensar, ‘olha que bonito que eu descobri isso’. Cada disco é uma fase e um presente diferente. O disco da Banda do Mar veio um pouco desse lugar, agente tinha acabado de chegar, todo mundo a tocar junto, eu e o Marcelo compondo cada um em uma sala, e depois gravar.
E este novo disco, Esperança? Como foi?
Esse eu fui fazendo nos pedacinhos da vida. O Marcelo viajou, eu também, entre a minha tourné de voz e violão, na presença da Luisa, com a rotina da criança… esse álbum teve essas referências. Mas todos eles têm etapas comuns, a composição, a pré-produção (brincadeiras em casa com o repertório), acertamos a letra e o mapa, a gravação, a pós-produção, o disco, a capa. Só muda depois o grupo com quem se decide trabalhar junto. Eu, por exemplo, gosto de gravar num só lugar e fazer daquele momento em estúdio uma coisa prazerosa. Isso depois imprime-se.
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Que histórias "esconde" este novo disco?
Ficou um retrato bem completo e interessante de um conjunto de experiências que eu tive até ao momento das gravações. Eu escuto o álbum e eu gosto. É um disco gostoso de se ouvir. E eu conduzi tudo desde o início para fazer só o que me fizesse sentir feliz e confortável. É difícil, para mim, às vezes, entender o que é só um medo que eu deveria enfrentar e o que é realmente uma coisa que eu não quero. Dessa vez, eu tentei fazer a segunda. ‘Se eu estranho, não vou enfrentar grandes medos dessa vez’.
É um álbum que carrega o momento da maternidade, o lado solar de uma criança pequena, uma delícia, dos 2 anos até agora tem sido divertidíssimo; é um disco que carrega viagens, referências de outras cidades, tem o Brasil de um jeito feliz e festivo, mas também tem Portugal de um jeito calmo e apurado. Aqui eu aprendi a trabalhar melhor as ideias. Há um trabalho diferente da palavra, tanto no dia a dia como nas canções.
A maternidade foi sempre uma experiência solar? Gostou da gravidez, de estar em palco?
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No MusicBox tinha um barrigão. Foi só meio chato com as viagens, porque se enjoa muito. Era o tempo inteiro viajando. A minha gravidez e a maternidade foram totalmente pensadas, mas demorou mais do que eu previ. Demorou tanto que pensei: quando for a hora vai ser. Isto porque acabei ficando grávida no meio da tourné e levei até ao fim. Quando tocava guitarra, tinha que a por de lado para não machucar, não ficar batendo na barriga, mas dava muitas dores nas costas. E o som da caixa fazia ela mexer-se muito. A minha médica disse que era algo que podia induzir o parto, então o palco passou a ser mais silencioso, sem caixa. Nos últimos shows eu já estava… pensava que o bebé ia nascer no avião. Pensava: ‘se nascer no avião que nacionalidade que fica?!’ (risos).
Mudou como pessoa? Tem sido uma experiência transformadora?
Sem dúvida que foi a melhor coisa que me aconteceu. Adorei e continuo adorando. É-se mãe de várias maneiras, a cada hora você tem que ser uma mãe diferente, com a demanda da criança. Gostei muito da gravidez, mas no fim não conseguia dormir nem fazer exercício à minha intensidade (a louca que sai correndo montes de quilómetros). Achei desafiador, sobretudo os primeiros meses, não esperava que fosse tão intenso. Lindo, maravilhoso, uma dádiva, mas difícil. Eu não me preparei para aquilo! É um cansaço tão grande que faz coisas como congelar meias. É verdade, uma vez congelei a meia dela (risos). Nesse momento eu falei, ‘gente eu estou precisando de ajuda’. São esses meses e depois acalma.
A Luísa também tem o bichinho da música?
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Tem, mas é da dança. Ela toca piano desde pequena, ficava escutando as músicas e estudando. Aprendeu sozinha, eu ensinei o nome das notas e colei no piano umas cores. Mas ela gosta de ficar ouvindo e tocando. Eu tento ensinar para ela que a música é uma santa companhia, que agente tem que tratar com amor e carinho, e não com frustração. A música é uma força da Natureza.
Tem novas ideias pensadas para 2022?
Ainda tenho vídeos que comecei a fazer e ainda não terminei. Tenho que terminar a tourné, que está a ser linda. Divulgar o LP. Também comecei a fazer umas experiências com roupa, se tudo der certo, entre o final do ano e o ano que vem vou lançar uma marca, que começa com peças baseadas no álbum – primeiro roupa e acessórios – e futuramente decoração.
A Moda sempre esteve na sua vida?
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Junto com a música, é uma grande paixão. O que me encanta na Moda é o que também me encanta nas Artes. É você poder se manifestar, colocar para fora o sentimento, vestir uma personagem, transformar. É um recurso transformador. E isso é muito interessante! Esse recurso pode ser sentido, vivido. É uma outra forma de expressão. A Moda transforma agente, e agente transforma a Moda. O que me encanta na Moda é o que me encanta na música: estamos sempre em contacto, o tempo inteiro.
O que é que Portugal trouxe à sua musicalidade?
Essa questão da palavra. É curioso, nunca tinha pensado, mas esse outro uso do português fez-me ver as expressões e as palavras de outra maneira. Cada lugar está acostumado a usar um tipo de vocabulário, e eu sinto que quando vim para cá eu entrei em contacto com outro tipo de construção de frase, de musicalidade da fala, e que isso me fez voltar a repensar. A coisa cosmopolita de Lisboa é muito interessante, agente ouvir francês, espanhol, brasileiro… É uma ‘troca’ com o mundo muito produtiva. E a calma, a beleza da cidade, o nascer do sol, o por do sol dourado, o prateado do rio, o rosa e laranja do céu… Tem todo um romance. E a vida noturna, que está mais em contacto com novos artistas e DJ’s. Em São Paulo há mais música acústica, rock, e aqui tenho mais contacto com a produção eletrónica. Portugal me trouxe uma série de presentes.
*Mallu Magalhães atua a 20 de novembro, no Cine Teatro Avenida, em Castelo Branco, e a 3 de dezembro, no Campo Pequeno, em Lisboa.