IndieLisboa. Cinco filmes a não perder (mesmo)
A sala de cinema é o refúgio perfeito para fugir do calor dos próximos dias. Este é o roteiro da Máxima para aproveitar a 18ª edição do festival que arranca este sábado, 21, em Lisboa.
Pela primeira vez, duas mulheres estão nomeadas para Melhor Realização. As realizadoras Chloé Zhao (Nomadland) e Emerald Fennell (Promising Young Woman), ambas estreantes nas nomeações, concorrem aos Óscares, cuja cerimónia acontece este domingo à noite, 25, em Los Angeles. Se Zhao vencer será a segunda mulher a ganhar este prémio (depois de Kathryn Bigelow em 2010), e a primeira mulher não-branca a consegui-lo. Mas há mais nomeações históricas nestes Óscares que já estão a ser apelidados como os mais diversos de sempre.
Há vários atores negros nomeados, em contraste com o último ano em que apenas Cynthia Erivo (Harriet) foi distinguida. Viola Davis é agora a atriz negra mais nomeada de sempre, com quatro indicações na carreira. Steven Yeun torna-se o primeiro ator asiático-americano nomeado ao prémio de Melhor Ator, pelo seu desempenho em Minari. É também a primeira vez que a Academia indica um ator muçulmano nesta categoria. Trata-se de Riz Ahmed, que interpreta um homem que perde a audição em The Sound of Metal.
Estas nomeações surgem depois das críticas ferozes à falta de diversidade nos prémios atribuídos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Em 2016, o tom subiu com o movimento de boicote à cerimónia através da partilha nas redes sociais da hashtag #OscarsSoWhite ("Óscares tão brancos"), após a Academia não ter reconhecido nas nomeações qualquer ator que não fosse branco. Seguiram-se os movimentos #MeToo e #TimesUp, colocando em cheque a indústria cinematográfica, exigindo igualdade de género e diversidade em todos os setores do Cinema.
"O facto de os Óscares, a Academia, se ter sentido pressionada, quer pela sociedade, quer pela indústria do Cinema, a melhorar os seus processos, acho que isso já tem aqui uma resposta quando vemos realizadoras que não são brancos a serem nomeados", diz Ana David, programadora de Cinema, que aponta também para o espaço dado a "realizadores e realizadoras, histórias que não são histórias únicas, que apontam para muito mais além do que aquilo que estamos habituados a receber da indústria de Hollywood". Para a programadora portuguesa, "isso só pode ter sido possível porque houve uma pressão e um escrutínio quer do movimento #MeToo, quer do movimento #TimesUp e #OscarsSoWhite". Apesar de achar que é cedo para "aferir causalidades que estejam para ficar, que sejam permanentes ou a longo termo", admite que já se sente uma mudança.
"Finalmente aos programadores e aos festivais é-lhes pedido pelo próprio público e pela indústria que passem este Cinema feito por pessoas não-brancas, por todos os outros que não os brancos, homens cisgénero. Temos de dar essa oportunidade a artistas para poderem contar estas histórias mais diversas do que aquilo que tem sido a história única, a single story. Quanto mais é mostrado, mais apoio existe", defende.
Rui Pedro Tendinha, crítico de Cinema e autor do blogue Cinetendinha, acompanha os Óscares atentamente. Acha "óbvio" o impacto destes movimentos nas escolhas da Academia. "Isto mostra-nos como é bom quando todos nós, quando vemos uma injustiça, nos aliamos e criamos estes movimentos, esses hashtags, essas partilhas de contestação. Se aqui há uns tempos não tivéssemos esses movimentos, #MeToo, #TimesUp e o #OscarsSoWhite não teria acontecido isto. Os Baftas este ano também foram ainda mais diversos e isso é de salutar e é uma mudança de mentalidade que já fazia falta. Ainda bem que está a acontecer", diz à Máxima.
Já sobre os novos requisitos para a elegibilidade ao Óscar de Melhor Filme, pensados para aumentar a diversidade cultural nos prémios, mostra-se crítico. Os critérios foram anunciados em setembro e entram em vigor em 2024. Passa a ser obrigatório que haja representantes de minorias étnicas nas equipas ou que os filmes abordem temas afetos a estas comunidades. Tendinha considera "um disparate total". "É levar demasiado a peito esta necessidade de haver uma consciência mais aberta e de olharmos para o mérito próprio e procurar uma diversidade. Outra coisa é impô-la com quotas, como esta proposta. Percebo o porquê de os ecos não terem sido bem aceites. Desqualificar um filme por não ter as quotas de minorias é absolutamente ridículo. Entramos nos exageros do politicamente correto que eu acho que não ajudam ninguém. Estamos a preparar um filme que é uma obra artística e está-se a pensar noutro tipo de coisas, sobretudo na composição de um casting ou de uma equipa artística. A arte não se compadece com questões de quota de trabalho e de mercado. Acho que entramos em exageros. Quando isso acontecer e grandes filmes ficarem de fora por faltarem só duas pessoas de uma cor ou de uma etnia, isto vai ser ridículo. Creio que a partir daí para os Óscares pode ser o princípio do fim.".
Opinião distinta tem a programadora Ana David. "Acho que faz muito sentido porque é mais do que visível o resultado de não haver quotas. É ser sempre o mesmo tipo de história e de produtores e de realizadores que são apoiados", afirma. "O facto de haver quotas obriga, de uma maneira muito positiva, a que as pessoas saiam da sua zona de conforto e da memória imediata de quem é para eles o cânone, as histórias a que mais se sentem pessoalmente ligados. Obriga-nos a sair dessa bolha, uma bolha que é dominante porque é a que tem mais foco nos media. Isso vê-se não só nos Óscares, mas noutras instituições culturais. A partir do momento em que existe um escrutínio público que exige da parte da sociedade uma maior diversidade, então também ou a instituição se sente na responsabilidade de o fazer e o faz por iniciativa já própria, ou então ajuda-se a si própria e põe em prática mecanismos de que isso vai acontecer. As quotas são um mecanismo absolutamente essencial do meu ponto de vista", termina.
O impacto da pandemia
Numa temporada atípica, os filmes foram vistos entre parcas sessões de Cinema e muitos visionamentos no espaço doméstico, graças a plataformas como Netflix, HBO, Amazon Prime, Disney + ou Apple TV. Se recentemente pairava a dúvida sobre a legitimidade da nomeação de obras produzidas por plataformas de streaming, esse tópico já não merece discussão. Pode até jogar a favor da diversidade, como explica o crítico Rui Tendinha: "As plataformas estão a ganhar uma liberdade e possibilita que filmes como o Ma Rainey, um filme afro-americano, ou o White Tiger, um filme indiano [entrem na corrida]. Estão a ir às minorias, aos setores mais específicos".
O jornal britânico The Guardian levanta a poeira: será a diversidade destes Óscares uma "anomalia da covid-19"? Em março de 2020 o mundo parou perante a crise pandémica - e a indústria cinematográfica também. Enquanto salas de Cinema fecharam em todo o mundo, filmagens foram interrompidas e adiadas. Grandes estúdios viram-se perante a decisão de parar as obras que seriam as suas grandes apostas para esta temporada de prémios. Poderá isso ter dado espaço para que outros filmes brilhassem? Tendinha explica que "tem tudo a ver com uma abertura de mentalidade e de repente ter soado o alarme na grande produção de Hollywood e começado a dar-se luz verde a filmes com mais mulheres, a realizadores de ambos os sexos, a uma abertura para temas de minorias e etnias. Isso é um fator positivo. Agora, quando voltarmos à normalidade vamos perceber se os estúdios vão nesta onda e a continuar a dar luz verde a estes filmes ou se será apenas a liberdade que as Netflixes da vida dão a esses produtos. Nesta altura [o resultado das nomeações] foi um bocado as duas coisas: foi por um lado as campanhas que fizeram efeito, mas também foi o facto de os grandes filmes que supostamente poderiam estar agora a concorrer aos Óscares não terem estreado. E esses filmes eram muito mais white, digamos assim".
007, West Side Story, Dune são apenas algumas das produções que acabaram por ficar para trás à conta da pandemia. "É provável que os grandes majors que não saíram, como o 007, e outros títulos bastante comerciais e standard na forma como são feitos e vistos até, como foram empurradas para datas mais tardias não chegaram a estrear então também não tiveram oportunidade de se poderem candidatar. Mas ainda assim vejo títulos nos nomeados como o Mank, do David Fincher, que não entra em nenhuma questão de diversidade. Não quero com isto dizer que todos os filmes têm de ser diversos, tem é de haver na totalidade da lista de filmes que são nomeados uma textura que represente a sociedade", diz Ana David. Em 2021, "estamos mais perto" disso, acredita. A programadora portuguesa que tem no currículo festivais como a Berlinale, o IndieLisboa ou o QueerLisboa, congratula não só as questões de diversidade étnica e racial, mas também artística. "Vemos o documentário Collective, um documentário romeno, nomeado para Melhor Filme Internacional, além de Melhor Documentário. E outras longas-metragens de ficção não americanas. Acho que isto vem de uma diversidade e uma maior qualidade na constituição dos membros da Academia, que recentemente incluíram mais pessoas do [mundo do] documentário, profissionais da indústria", garante.
Se a diversidade é um fenómeno momentâneo nos Óscares ou se está para ficar só as futuras edições permitirão confirmar. "Vamos perceber se num futuro próximo, neste caso para o ano, com a saída destes filmes [de grandes estúdios], se vai manter esta diversidade. Creio que sim, e muitas vezes, e isso é o melhor que pode acontecer, é ser inconsciente, é os filmes destacarem-se por mérito próprio e não por destacarem este ou aquele tema", prevê o crítico.
Enquanto isso, a mudança poderá – deverá – acontecer fora da Academia, com mais filmes, mais histórias e mais oportunidades. A programadora Ana David alerta que "é essencial que exista dentro das estruturas programáticas, institucionais e culturais pessoas com diferentes pontos de vista e experiências de vida e interesses. Isso faz-se não só pela questão étnica, mas [de uma forma] completamente interseccional, género, classe social, financeira, ser ou não ser uma pessoa com deficiência motora, todas essas questões". E aponta um caminho: "É necessário que existam pessoas que as saibam incorporar dentro de uma instituição. E para isso ajudam critérios de contratação transparentes e públicos. As pessoas só se podem candidatar se souberem que há um lugar. Infelizmente existe uma espécie de concentração de poder. É mais rápido e conveniente do ponto de vista logístico contratar uma pessoa em dois dias ou três do que abrir um concurso."