Bia Caboz: "Muita gente hoje ouve flamenco por causa da Rosalía. Sinto que o fado tem de ir mais longe"
Esta fadista começou a sua carreira nos festivais de verão, onde os públicos tendem a não ser grandes apreciadores de fado. Para os atrair, Bia teve de ser imaginativa. Desse exercício nasceu o projeto "É Fado?", com fusões com techno, rap e muito mais. A artista quer por a "malta" a ouvir fado nas discotecas.
Piruka × Bia Caboz - Fala-me A Verdade.mp4
01 de agosto de 2024 às 12:44 Madalena Haderer
Bia Caboz, madeirense, 27 anos, quer ser a cara de uma nova forma de estar no fado. Uma forma mais moderna, mais irreverente, sem amarras. Jovens fadistas como Cuca Roseta, Gisela João ou Teresinha Landeiro têm feito muito para apresentar o fado com uma imagem mais vanguardista e jovial, menos agarrada às tradições. Mas Bia quer fazer mais. Quer ser a voz que leva o fado aos adolescentes, quer levar o fado às discotecas. Fez um fado para um jogo de computador – música e letra de sua autoria –, e depois lançou-se num novo desafio: o fado de fusão. Ganhou fama com a música Sentir Saudade, uma fusão deste género com techno com o DJ Kura, e mais recentemente lançou Fala-me a Verdade, uma fusão de fado com rap, com o rapper Piruka. Pelo caminho, juntou-se à brasileira Roberta Miranda para uma versão da música Cabecinha no Ombro que resultou numa fusão de fado com sertanejo. No futuro há-de lançar um fado-samba, fado-pop e fado-afro. E está a preparar o seu primeiro álbum, Espiral, que deverá sair em 2025.
Aproveitámos este editorial de moda para conversar sobre a sua infância, o seu percurso, como chegou até aqui e o que espera atingir. Simpática, divertida, franca e muito faladora, Bia tem a cabeça cheia de ideias, sonhos e projetos, e talento e dedicação suficientes para os pôr em prática. Vale a pena ficar de olho nela.
Sei que nasceu na Madeira. Como foi a sua infância?
É verdade, nasci na Madeira, numa família gigantesca. A minha avó e o meu avô tiveram 20 filhos. E vivos estão 11 mulheres e 2 homens. Fui educada pela minha mãe, portanto, a família da minha mãe é que é a minha família. O meu avô tinha ouvido para a música, nunca tive a oportunidade de viver isso com ele, mas as minhas tias contam que ele tocava instrumentos sem sequer saber escrever. Quando me perguntam se a música é coisa de família, digo sempre que não. Ninguém me incentivou. Mas depois realmente parece que está nos genes. Aliás, é daí que vem o meu nome artístico. O sobrenome do meu avô é Caboz. E eu não tenho Caboz no nome. A minha mãe não quis pôr porque ela e as minhas tias sofreram bullying por terem esse nome.
A família era muito pobre e quando diziam o sobrenome, as pessoas diziam, "ah, és daquela família". Então, para mim, foi essencial usar o nome para transformar significado.
Com a minha mãe. A minha mãe casou-se com o meu padrasto, que é de cá [do continente]. E fiz a minha escolaridade toda cá, mas com uma ligação muito forte à Madeira porque não me adaptava às pessoas de cá. Aos 18 anos volto para lá e é aí que começa a minha carreira.
Comecei a ouvir Amy Winehouse. Ela estava sempre metida em polémicas, tinha caído dum palco e eu fui ver o vídeo. Só que depois vi tudo o resto. E fiquei fã, como nunca fui fã de ninguém. E comecei a querer cantar por causa dela. A querer fazer aquelas melodias, imitar a sonoridade. É tão impressionante. Tão contagiante. Depois comecei a tocar viola. Eu tocava desde os seis, mas sempre de ouvido. Para mim, as aulas e as partituras eram coisas muito chatas. Mas depois comecei a tocar aos 12 por vontade própria. E comecei a tocar as músicas da Amy. Só que... E já não me lembro por que razão, mas havia sempre duas músicas que eu colocava no meu repertório – de brincadeira, repertório de casa –, que era o Vou Dar de Beber à Dor e o Senhor Vinho, que são dois fados que a Amália cantava. E, quando eu cantava esses fados, as pessoas reagiam de outra maneira. E eu sentia-me uma outra coisa. E percebi que quando imitava a Amy, era uma cantora mediana, mas quando cantava fado, a minha voz ia para um outro lugar. Comecei a explorar esse lugar. E descobri uma identidade que, para mim, era a identidade para a qual fui feita. Acho que a minha carreira começou no momento em que eu disse ao presidente da câmara de Câmara de Lobos que queria atuar nas festas da terra. E ele aceitou. Foi o meu primeiro cachê. E foi um bom cachê. Para primeiro foi muito bom. E montei um espetáculo sozinha que foi para mim a maior escola de sempre..
Depois desse concerto, comecei a acompanhar o trabalho da Ana. Percebi que era uma pessoa com quem eu queria aprender e que tinha de arranjar maneira de a conhecer. Mandei uma mensagem ao Ângelo Freire, que, na altura, tocava guitarra portuguesa para a Ana, e ele disse-me que fosse ter com ele a uma casa de fados, para nos conhecermos. Cheguei lá e ele disse-me para cantar. Cantei três fados. No fim ele disse-me que a Ana Moura ia dar um concerto na Marinha Grande e que, se eu aparecesse mais cedo, ele me apresentaria. E assim foi. Sentei-me com ela no camarim, e expliquei-lhe tudo o que tinha feito até então, o concerto na Madeira, disse-lhe que tinha utilizado três poemas que ela canta e que tinha feito uma mistura. E ainda acabei a fazer um vídeo a cantar Os Búzios com ela. No fim disto tudo, ela disse-me: "Devias começar a cantar aqui em Lisboa, numa casa de fados. Tens de absorver tudo o que o fado tem para te dar. Eu vou falar com a Maria da Fé e vamos ver no que dá." Passado uns meses, comecei a cantar no Senhor Vinho [a casa de fados de Maria da Fé]. E isso foi essencial para hoje estar a fazer o que estou a fazer. Se não tivesse passado pelo fado e absorvido tudo a partir de dentro, não teria a maturidade hoje que tenho para fazer as misturas arriscadas que estou a fazer.
Foi nos primeiros dias do Senhor Vinho que a Ana me amadrinhou. Ela não queria ser minha madrinha, porque não tinha tempo para isso, mas a verdade é que ela já o era. Tinha sido ela a pôr-me ali. E nessa noite ela mandou-me uma mensagem enorme, como uma verdadeira madrinha, a explicar-me inúmeras coisas. Disse-me com o que é que eu devia ter cuidado, que fados é que eu devia cantar, o que é que seria melhor para mim no fado. Foi ela que me explicou a diferença entre o fado tradicional e o fado canção. E depois conheci fadistas incríveis, que me parabenizaram e eu fiquei toda vaidosa, como a Cidália Moreira, a Maria da Fé, que foi uma pessoa importantíssima para mim, a Lenita Gentil, que são fadistas incríveis. E isso tu não vives em casa, sentada no quarto. Por outro lado, também acho que a aprendizagem pode ser passada de uma outra maneira e é importante que o seja. [Antes do fim da conversa retomaremos este tema e a forma como Bia Caboz gostaria que estes conhecimentos fossem passados.]
Foto: João Paulo
Como é que começou a surgir em si esta vontade de fazer fusões com o fado? De fazer o fado techno, o fado sertanejo?
Comecei no palco e, como tal, nunca fiz um concerto como uma fadista faria, numa de casa de fado. Por isso, para mim, o mais importante é cativar o público, principalmente, o público que não gosta de fado. Eu cantava em festivais, na Madeira, e sabia que as pessoas não estavam ali para me ver, mas à espera do concerto de outro cantor. Muitas nem sequer ouviam fado. Por isso, era importante atraí-las com outras sonoridades. E, para mim, o fado é muito importante, mas a sonoridade brasileira também faz muito parte da minha vida. Porque na Madeira temos um Carnaval muito forte, e eu desfilava no Carnaval. E o samba-enredo [melodias e letras criadas a partir dos temas escolhidos, a cada ano, para o desfile de cada escola de samba] esteve muito presente na minha adolescência, portanto, foi tudo muito natural.
O fado com techno foi outra ideia. Os meus amigos ouvem techno e eu não consigo. É uma sonoridade que me irrita, cansativa. Não diz nada, não tem uma mensagem. É só uma batida. E andei a matutar nisso muitos anos, até que escrevi a melodia e a letra do Sentir Saudade – uma letra curta, com uma pergunta que fica em aberto. E achei que essa era a música ideal para misturar com o techno e chamei o Kura. E ficou exatamente como eu imaginei. Tenho muito orgulho.
O que é que quer dizer com esta pergunta que faz na música [Sentir Saudade]: "Será que toda a gente é livre de sentir saudade?"
O que é que significa para si?
Não sei. O único sítio onde ainda somos completamente livres é dentro da cabeça, pelo menos por enquanto. Livres para sentirmos e pensarmos o que quisermos.
O primeiro ponto e o mais importante é que esta música e esta frase, especificamente, fala de liberdade e não de saudade. Acho que às vezes é difícil sermos livres para sentir seja o que for. Há tantas restrições que a sociedade impõe. E a vida é uma viagem tão curta para se viver contrariado e pressionado. Acho que é possível viver de forma livre sem afetar os outros. E acho que temos mesmo de ser livres, principalmente para sentir. Sermos respeitosos com os nossos sentimentos.
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Estava à espera que esta música se tornasse a bandeira portuguesa do techno. Estava à espera que fosse impactante. Mas nunca tinha pensado que pudesse ter um impacto tão grande junto de quem está fora, os emigrantes. Acho que tem a ver com a linguagem, com a melodia também, mas sobretudo a linguagem: "guardo tudo no meu peito e volto para casa" – é exatamente o que eles sentem, não é?
Entretanto, não quer ficar só por esta fusão com o techno. Já tem outras fusões na calha?
Sim, esta é só a primeira. Saiu de uma maneira um pouco espaçada das outras, porque realmente a música teve um crescimento muito grande, tivemos de dar algum tempo. É só o começo do que vem por aí. A próxima é fado com rap. E terá um rapper português que eu acho que ninguém espera mesmo [entretanto, a música já foi lançada, chama-se Fala-me a Verdade e o rapper é Piruka].
Foto: João Paulo
Para cada fusão a Bia vai convidar um artista, é essa a ideia?
Não. No caso do rap, a música é uma conversa entre duas pessoas. E para mim era importante que fosse com uma voz que contrastasse com a minha. E que fosse um rapper de rua, porque o fado também vem da rua. Mas, por exemplo, o fado com samba é uma música que será só minha. O fado com afro também. O fado com sertanejo tem a Roberta Miranda.
Como surgiu essa ligação a Roberta Miranda?
Estive dois anos no Brasil e fiz um vídeo a cantar no Cristo Redentor que se tornou viral. E esse vídeo chegou à Roberta, que me mandou uma mensagem para o Instagram. Começámos a conversar e ela disse que tínhamos de fazer alguma coisa juntas. E foi uma coisa muito especial porque a minha mãe é fã da Roberta e mostrou-me os discos que tem dela. Então, pedi à Roberta para regravar comigo uma música que faz parte da memória de todo o português e brasileiro que é a Cabecinha no Ombro[o videoclip sairá em novembro]. E que, na realidade, é uma música que fazia parte da banda sonora da novela Pedra sobre Pedra – a primeira em que o elenco é uma mistura de atores portugueses e brasileiros. E nós, eu e a Roberta, com esta nova versão fizemos o mesmo. É curioso.
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O fado e o samba, e talvez também o sertanejo, que não conheço tão bem, têm alguns temas semelhantes. Não é tanto a saudade, mas o desejo de querer algo ou alguém e não ter. Não acha?
É verdade, sim. A Amandha [agente da Bia] mostrou-me um samba [A Flor e o Espinho] que é assim: [canta com sotaque brasileiro] "Tira o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor." Isto é um fado! A estrutura é de fado. Esta letra é de fado. A diferença entre os portugueses e os brasileiros é que os portugueses são mais lúcidos. Se estamos a cantar uma tristeza, nós cantamos uma tristeza, tristes. Eles, não. [ri e canta ao mesmo tempo para dar um exemplo improvisado] "Eu estou sem dinheiro. A casa está caindo. Mas eu tomo o meu choupinho." Eu cantei [A Flor e o Espinho] assim: [canta com voz de fado] "Tira o teu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor."E ouvimos logo a canção de outra maneira. Eu sou uma pessoa alegre, e quero escrever coisas que não sejam tão pesadas. Mas também quero cantar de forma lúcida. Se estou feliz, canto feliz. Mas se estou a dizer algo cujo peso eu quero que tu entendas, então, tenho que cantar com o peso que merece.
Foto: João Paulo
Estas fusões também são uma forma inteligente de chegar a novos públicos.
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Quando comecei a fazer misturas, não estava a pensar no público que ia alcançar. Detesto rotina. Preciso de fazer música que eu tenha vontade de ouvir. E é daí que vêm todas estas misturas. Mas há um público a que me interessa chegar, que é o público mais jovem. Tenho uma irmã 10 anos mais nova e quero que os amigos dela tenham vontade de me ouvir. O meu objetivo é levar o fado a esse público. Fui convidada para escrever um fado, para o Valorant, um jogo de computador, e decidi escrever um fado muito tradicional, porque os jogadores ouvem o que estiver a tocar – eu jogava Sims, que tocava bossa nova, e eu também ouvia –, portanto, vi isto como uma oportunidade de educar os ouvidos dos mais novos. Escrevi um fado sobre o jogo, com a linguagem do jogo, mas gravei só com guitarra portuguesa, viola e baixo, de forma tradicional. E a música tornou-se viral naquele mundo. Miúdos a cantar o fado, brasileiros, com o sotaque brasileiro. Isto é que é chegar a este público! Porque os miúdos não vão a casas de fado, não é?
Disse há pouco que esteve dois anos no Brasil. Foi uma espécie de retiro musical? O que é que a levou até lá? O que é que trouxe de lá?
Foi uma imersão musical. Fui para o Brasil durante o confinamento. Senti que tinha de ser naquela altura. Toda a gente me disse que era um perigo ir para o Brasil com a pandemia, que eu era louca. Mas não foi perigo nenhum, foi tranquilo. Era para ficar 15 dias e acabei a ficar muito mais tempo. Foi no Brasil que eu comecei a escrever as minhas músicas. Já tinha escrito algumas coisas que nunca saíram. Mas ainda não estavam como eu queria. Porque é preciso fazer uma mistura entre a linguagem mais purista do fado e uma linguagem mais moderna. É preciso haver um equilíbrio. E foi lá que eu comecei a soltar-me mais. A escrever de forma mais livre. Estive com um produtor de samba, samba de pagode, que é o produtor do Ferrugem, que é um cantor de pagode super conhecido lá, e ele disse assim: "Tens de ser a próxima sambista! Não existe uma mulher com essa voz. Tu vais ser a próxima sambista do Brasil! Vou fazer de ti a próxima sambista! Depois da Clara Nunes, não houve ninguém." E gravei dois sambas com ele, com sotaque do Brasil, que eu imito bem. Mas, apesar daquilo ser uma grande oportunidade, não me consegui entregar. Porque não sou uma sambista, nem sequer sou só uma fadista. Não quero fazer um disco só de fados, tal como não quero fazer um disco só de sambas.
A próxima música que vai sair é a do rap, é essa fusão [já saiu, chama-se Fala-me a Verdade]. Eu sinto uma coisa muito boa em relação a essa música. Não sei o que vai ser, mas sinto que é muito boa. Espero que seja maior porque o Sentir Saudade. Eu sei que a mensagem do Sentir Saudade é uma coisa única. Mas espero que, com esta música, as pessoas percebam até onde é que o fado pode ir.
Há mais alguma coisa que não tenhamos falado e que gostasse de acrescentar?
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Sim, o nome do projeto. Estávamos a estudar opções e a Amandha dizia assim: "Fado… Novo? Fado novo? Novo fado? Fado desconstruído?" Mas nenhum desses nomes era uma opção porque não quero posicionar-me no fado de uma maneira que os puristas venham criticar, apontar defeitos. Então, o nome do projeto é: É Fado? E pronto, tu decides. Os puristas, se quiserem, dizem que não é. Quem não é purista, pode achar que é.
O que é curioso é que quando lancei o Sentir Saudade estava à espera de ser bombardeada [com reclamações dos puristas]. E não houve uma pessoa no fado que não perdesse um bocadinho para me dizer que estava lindo. O videoclip foi gravado no Senhor Vinho e eu estava com medo da reação da Maria da Fé e ela disse: "Filha, isto é fado. Isto é incrível." E eu até estava preparada para más reações. O Brasil preparou-me. Foi o Brasil que me abriu essa "caixa". Porque, quando estamos no meio do fado, ficamos numa caixa. E ficamos reféns, dentro caixa. Começamos a pensar só de uma maneira. Só que essa maneira não é evolutiva.
Quer ser a face de uma nova vertente do fado? De uma versão mais moderna? Mais atraente para as camadas mais jovens?
Quero muito. Se calhar muita gente hoje ouve flamenco por causa da Rosalía. Sinto que o fado ainda tem muita coisa para se fazer. E que ainda há muito público que não o conhece. Temos a sorte de sermos um país tão pequeno e de termos uma coisa tão única no mundo. Que tem de ir mais longe. E quem é que leva as coisas mais longe? Os jovens. Os jovens é que têm a mente aberta. Têm uma visão de futuro. E eu quero ser a responsável por isso. E teria imenso orgulho se isso acontecesse.
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Foto: João Paulo
Uma coisa que contribui muito para isso é a moda…
Sim, exatamente. Foi por isso que quis fazer este editorial. Uma fadista fazer um editorial com disponibilidade para estar vestida de forma mais moderna, é uma coisa super importante para quem é mais jovem, não é? [Amandha: E há um look em que você está igual à Amália Rodrigues.] Sim, há um look que parece que ela entrou em mim. É incrível. É uma versão Amália super jovem. E não foi uma coisa pensada. Eu sou patrocinada por uma loja de óculos, a Jardin des Yeux, e tinha levado alguns óculos com os quais queria ser fotografada e uns eram mesmo daqueles grandes, tipo Amália, mas só reparámos nisso depois. Prenderam-me o cabelo de maneira que parecia curto, puseram-me uma boca vermelha. E, de repente, era a Amália!
Aliás, a imagem é uma coisa super importante. Tenho uma outra marca que está comigo desde o início, a Portugal Jewels [estica as mãos para mostrar os aneis em quase todos os dedos e o pescoço para mostrar os brincos], e que foi a minha salvação, por duas razões. Primeiro, porque é importante desenvolvermos uma imagem. Uma personagem que é a nossa própria personagem. Isso comunica muito. Posso estar de t-shirt e calças de ganga, mas se tiver os meus anéis, é logo outra coisa. Segundo, porque quando estás a começar uma carreira começas a ter muita visibilidade, mas não tens budget para te apresentares sempre com roupa diferente. Com estas joias eu posso vestir uma roupa mais simples, mas a minha identidade está lá. Ou uma roupa mais arrojada, para um evento, uma roupa que eu não vestiria normalmente, mas estas joias transmitem o lado mais tradicional da minha identidade. Isso foi um truque muito importante que aprendi. Há tantas coisas que aprendi… Qualquer dia faço uns vídeos.
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Foto: João Paulo
Vídeos?
Sim, para ajudar pessoas que estão onde eu já estive: sem saber o que fazer, que caminho seguir. Porque existe um caminho, mas ninguém me ensinou. Demorei muitos anos para perceber. Nunca tive uma gravadora. Quem tem gravadora, tem o caminho feito. Sem gravadora, tens de fazer o caminho sozinha. E é preciso anos para isso. Porquê? Porque ainda ninguém perdeu dez minutos para fazer um vídeo e explicar como é que as coisas se fazem. Mesmo depois de explicado, o caminho é longo, mas os erros são desnecessários. E eu senti-me muito perdida no início. E tive sorte porque consegui viver o fado a partir de dentro, nas casas de fado, e aprendi muito. Mas, se calhar, se tivesse ouvido alguém a falar sobre tudo isto, num vídeo ou num documentário, talvez não tivesse precisado de ir. E acho que é importante que estes conhecimentos fiquem materializados para o futuro.
É importantíssimo saber como a indústria funciona. Saber as percentagens. O que é preciso para lançar uma música. Qual é a percentagem de divulgação que os outros vão ganhar com a tua música. Isso é importante. Mesmo. Porque se não souberes, não vai dar certo. E isso é uma coisa que ninguém me explicou. Quando comecei a ter de fazer as minhas escolhas, perguntava e as pessoas não me explicavam. Toda a gente tem de fazer pela vida, não estou aqui a fazer-me de vítima! Mas existem coisas que podem ser explicadas a quem está meio perdido, e que eu gostava de explicar. Gostava muito. Acho que vou ter essa oportunidade, mais tarde. Espero que a indústria não tenha mudado muito até lá. Mas, se mudar, eu mudo também.
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Créditos:
Realização – Filipe Carriço assistido por Tita Mendes
Fotografia – João Paulo
Makeup – Joana Moreira
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Cabelos – Helena Vaz Pereira e Madalena Costa para Griffe Hair Style