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Celebridades

Mariza: "Sou muito exigente comigo própria, principalmente se falamos de música"

Marisa dos Reis Nunes. Talvez, à partida, não associe este nome a cara alguma. É, na verdade, o nome de nascença de Mariza, uma das mais aclamadas vozes do fado, aplaudida no mundo. Recordamos esta entrevista de 2019 com a cantora, que assumiu agora sofrer de depressão.

27 de maio de 2022 às 12:08 Rita Silva Avelar

Nascida em 1973, em Maputo, foi ao colo dos pais que chegou a Portugal, com apenas três anos. A terra natal não lhe deixou memórias. Apenas aos 18 anos viria a descobrir as suas origens. Criada no bairro da Mouraria, Mariza começou por cantarolar fados no rés do chão do prédio onde vivia com os pais, como uma brincadeira que nunca julgou vir a tornar-se caminho profissional (como revela numa entrevista à revista Sábado, em março de 2016). Mas caso a vida tivesse tomado outro rumo que não o de uma intérprete do Fado, Mariza poderia ter-se tornado modelo, pois aos 13 anos decidiu tirar o curso na Escola de Manequins de Lisboa. Em 2001, publicou o álbum de estreia, Fado em Mim, ao qual se seguiram oito. Em 2018, lançou o seu oitavo, Mariza, onde canta Oração, um fado escrito pela própria, pela primeira vez. Passou por grandes palcos mundiais, como o The Royal Albert Hall, em Londres, ou o Carnegie Hall, em Nova Iorque, e atuou no programa de David Letterman. Mas nunca deixou de cantar nos locais onde deu os primeiros passos, como o Senhor Vinho, a Tasca do Chico ou o Clube de Fado, em Lisboa. Em 2005, recebeu o Prémio de Melhor Artista da Fundação Amália Rodrigues e foi eleita Embaixadora da Boa Vontade da UNICEF.

Nasceu em Lourenço Marques. Guarda algumas memórias dessa infância, ainda que só tenha lá vivido até aos três anos?

As minhas primeiras memórias são de Portugal, onde vivi durante a minha infância e a adolescência. Eu tenho recordações longínquas de estar com os meus primos e com os meus avós, na quinta deles. Desde os 18 anos que eu vou a Moçambique e que sinto esse país como [se fosse a] minha casa, tal como Portugal. Aliás, se me pedissem para escolher, isso tornar-se-ia muito difícil. Ambos [os países] são importantes: a minha família materna continua a viver em Moçambique. Quando eu tinha 18 anos, o meu pai decidiu que eu deveria regressar à terra que me viu nascer para que decidisse a nacionalidade que queria ter. Escolhi portuguesa porque tudo me liga a Portugal, mas sinto-me muito africana. Pela educação e por tudo o que se vive em minha casa.

Cresceu em plena Mouraria… O restaurante dos seus pais, o Zalala, foi um berço dos primeiros fados?

Sim, toda a gente sabe que tudo começou por aí, eu não tenho recordações [do momento] em que comecei a cantar porque para mim tinha lógica cantar. Toda a gente cantava. Era como se fosse um brinquedo. Eu ouvia gente cantar fado na rua… Hoje em dia na Mouraria não é nada assim…Não tem nada a ver com a Mouraria da minha infância.

O que mudou?

As pessoas que cresceram comigo já lá não vivem e as pessoas da minha adolescência também não. Ficaram as pessoas mais antigas que eram figuras incontornáveis. Não nos podemos esquecer que a freguesia onde está inserida a Mouraria tem quase quarenta nacionalidades diferentes a habitar nela, oriundas de todos os quadrantes do mundo. Eu continuo a ir à Mouraria, onde os meus pais ainda têm a casa, e à procissão de Nossa Senhora da Saúde.

Fado em Mim, o seu primeiro álbum, editado em 2001, mudou tudo. Sente que ascendeu rapidamente a partir desse momento?

Eu sempre cantei, mas não tinha a ambição de fazer discos. O meu primeiro disco surgiu porque eu achei que era engraçado oferecer ao meu pai um disco onde cantava fado. Eu sempre cantei vários géneros… Houve um período em que deixei de cantar fado. Estive no Brasil e depois voltei. Esse primeiro disco foi ouvido pelo presidente de uma editora holandesa que ficou muito interessado. Tudo começou por aí.

Estava destinada ao Fado?

Eu acredito no Destino e acho que já estava programado assim e que não iria acontecer de outra forma.

Em Fado Tradicional (em 2010) reafirmou, de certa forma, o seu amor pelo Fado. Como se sente a cantar outros registos?

Eu não faço discos com o objetivo de me considerarem fadista. Eu sinto-me uma intérprete e gosto muito quando alguém me chama fadista porque é um grande elogio. Eu sinto-me, na realidade, uma intérprete. Na altura em que eu lancei esse disco era, juntamente com o Carlos do Carmo, embaixadora da candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade. Para mim, fazia imenso sentido fazer um disco onde o fado tradicional estava presente como forma de agradecimento a todas as vozes que, inconscientemente, me ensinaram e fizeram com que eu chegasse até ali.

Foi esse o álbum mais desafiante da sua carreira?

Acho que todos eles são desafiantes. Eu imponho-me metas e limites. Sou muito exigente comigo própria, principalmente se falamos de música. Quando faço os discos é um ato egoísta porque não os faço a pensar se vão ser comerciais. Em todos os meus discos eu peço composições a pessoas que conheço e faço imensa pesquisa poética. Utilizo as palavras das outras pessoas para mostrar as minhas emoções e isso tem de ser feito de uma forma verdadeira.

Que música cantada por si a emociona sempre?

Todas. São todas escolhidas a dedo por mim. Eu sei o momento exato em que as escolhi e o porquê de as ter escolhido. Se existe um tema que não posso deixar de cantar? Sim, o Ó Gente da Minha Terra. As pessoas ficam zangadas se eu não o cantar. Ao longo de quase vinte anos, e em 2020 celebro essa data, existem temas que se tornam uma marca.

Que concerto se tornou memorável?

Para ser honesta, o concerto que mais me marcou na vida foi o que dei na Torre de Belém. Eu vinha de uma tournée gigante… Nesse ano penso que cheguei a dar 300 concertos e tinha acabado de fazer o meu disco Transparente [em 2006]. Nesse dia recordo-me que chovia muito e que eu tinha dito que não queria fazer o concerto porque achava que não iria ninguém. Dizia que ia ser um fiasco e que estava tudo maluco! À noite, quando subi ao palco, tínhamos mais de 25 mil pessoas a assistir e foi muito emocionante. Quando cantei o Ó Gente da Minha Terra foi inevitável que eu chorasse. "Afinal gostam de mim em casa", foi o que eu pensei.

No que respeita à Música, há ainda um desequilíbrio no reconhecimento do prestígio das mulheres nesta área?

Neste momento as mulheres têm mais voz, especialmente no Fado.

Que projetos se seguem?

Neste momento eu estou muito virada para o disco que acaba de sair e para as tournées gigantes que se aproximam porque vou apresentar muito este disco nos mercados internacionais. Em março [de 2019] volto a cantá-lo em Portugal. Onde regresso sempre.

Foto: Pedro Ferreira
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