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Criar e Educar

Hugo Rodrigues: “A função dos pais é mais de supervisionar do que de intervir”

Ser pai é ser paciente, empático e saber dar o espaço necessário aos filhos para que possam florescer à sua maneira. Para o pediatra Hugo Rodrigues, não existe um segredo para descobrir a origem de todas as frustrações das crianças. Há, sim, um conjunto de orientações a aprender em consultório.

Foto: DR
05 de janeiro de 2024 às 07:00 Joana Rodrigues Stumpo

Quando se é pai, a idade dos porquês parece nunca acabar: "Porque é que o meu filho não gosta de ir para a escola? Porque é que o mais velho não quer passar tempo com o irmão bebé? Porque fica tão zangado quando lhe tiramos o tablet?" Desde o nascimento até ao início da idade adulta, educar um ser humano é um processo longo que, muitas vezes, põe em causa o que os cuidadores pensam saber sobre educação. O pediatra Hugo Rodrigues partilha, diariamente, dicas e esclarecimentos para lidar, e muitas vezes descomplicar, as mais variadas situações com bebés, crianças e adolescentes na página Pediatria Para Todos. No seu mais recente livro, Porque é que o meu filho se comporta assim?, compila algumas das principais questões que os pais se colocam todos os dias - relativas ao choro, às birras e ao vício com os ecrãs. À Máxima, diz como ser pai significa adaptar-se às necessidades dos filhos e, acima de tudo, ter a empatia necessária para reconhecer que as suas emoções são válidas.

A transição da dependência à autonomia é um desafio para muitos pais. Como se pode gerir a ansiedade de dar mais liberdade à criança?

O grande objetivo é ter filhos que sejam independentes, autónomos, competentes e felizes. Claro que, para nos tornarmos autónomos, precisamos de falhar algumas vezes, precisamos de arriscar, precisamos de correr alguns riscos e é aí que os pais começam a ter dificuldade. Numa tentativa de lhes ensinar como se faz, muitas vezes os pais decidem pelos filhos, intervêm demasiado e castram esta necessidade que os filhos têm de encontrar eles a própria autonomia. Portanto o maior conselho para os pais é tentarem adaptar-se progressivamente a esta necessidade de deixar os filhos ir cada vez um bocadinho mais longe por si. A função dos pais é mais de supervisionar do que de intervir.

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Um desses desafios é a entrada na creche ou no jardim de infância. Como podem os pais perceber se o processo de adaptação está a correr bem?

O mais importante é nós percebermos que os bebés e as crianças são muito claros nas suas manifestações. Um bebé que vai para uma creche, chora no momento de ficar, mas depois passa o dia bem e noutros contextos está bem, acho que os pais podem ficar tranquilos. Se perceberem que, mesmo fora do contexto escolar, a criança está diferente, ou com informação da escola - que é valiosa - se vê que a criança não está bem durante o dia (por exemplo está mais triste, não interage), aí acho que faz sentido tentar encontrar estratégias para que essa adaptação seja mais facilitada. Estando atentos aos filhos, os pais conseguem perceber claramente se é um processo que está a correr bem ou não.

O que podem os pais fazer para contribuir para uma adaptação tranquila?

O primeiro passo é ser sempre honesto - não estar a inventar, a dizer que não vão a lado nenhum e depois as crianças são apanhadas de surpresa. Acho que tem de haver um equilíbrio entre avisar que vai acontecer com alguma antecedência, mas não demasiada, para não criar uma ansiedade por antecipação. Com toda a segurança que as crianças precisam de sentir - às vezes isto é um problema, porque os próprios pais não estão seguros e estão descontentes com a solução de os deixar na escola -, é preciso explicar que os pais vão trabalhar, mas que depois do lanche ou depois de almoço (tentar dar um ponto de referência) alguém os vai buscar. Isto para dar alguma previsibilidade às crianças. Também encontrar um equilíbrio entre não deixar a frio, mas também não prolongar demasiado a despedida porque o prolongar alimenta a esperança das crianças conseguirem [reverter a situação] e se isso não for possível, é injusto para a criança também.

Quando uma criança é diagnosticada com uma perturbação de neurodesenvolvimento, muitos pais tendem a culpabilizar-se. Mas têm mesmo alguma responsabilidade no desenvolvimento destas condições?

Não. As alterações de neurodesenvolvimento têm a ver com a dificuldade na aquisição de algumas competências. Seja a perturbação de hiperatividade, défice de atenção ou perturbações do espectro do autismo, não se sabe muito bem a causa, só de uma minoria de casos, e pensa-se que na sua origem está um equilíbrio entre fatores genéticos e fatores ambientais que ativam essa predisposição genética. Não acho que se deva apontar o dedo com culpa ou com responsabilidade dos pais para estas situações. Tem de haver uma predisposição na criança. O que os pais podem e devem fazer é sempre que perante uma alteração do neurodesenvolvimento, tentar ajustar as suas opções para ir de encontro à particularidade da criança.

A chegada de um novo bebé é um ponto de tensão para os filhos mais velhos. Como devem os pais gerir a nova dinâmica?

É claramente um ponto de tensão, acho que para todas as famílias e para as crianças mais ainda. Faz sentido trabalhar os irmãos mais velhos por antecipação. Agora, algo que eu próprio fiz enquanto pai, mas que pode não ser a melhor estratégia, é começar a anunciar logo desde o início da gravidez que aquela criança vai ter um irmão para brincar. Esta preparação de que vão ter um irmão para brincar é uma mentira durante muitos meses - os bebés não brincam durante os primeiros tempos. Depois, em termos de conflito, é inevitável que o irmão mais velho perca espaço quando nasce um bebé - perde algum espaço, mas ganha um irmão. É nessa perspetiva familiar que nós devemos tentar atuar sempre, dando tempo de qualidade e até só com os filhos mais velhos, como era antes do nascimento do irmão, e aos poucos o bebé ir entrando nessas rotinas, como parte integrante da família. Sempre que os pais notarem que os mais velhos estão ressentidos, não devem ter problema nenhum em verbalizar isso. Não perguntando, porque se a criança disser que não, das duas uma: ou os pais vão fingir que acreditam ou vão ter de mostrar que não acreditam. Às vezes o afirmar é melhor do que o perguntar nessas situações, porque as crianças se sentem acolhidas, ouvidas e, acima de tudo, valorizadas.

O uso de ecrãs é uma grande questão atualmente. Os pais devem proibir o uso destes dispositivos?

Eu não gosto da palavra proibir, mas talvez limitar. Depende das idades. Os ecrãs fazem parte da nossa vida, não conseguimos lidar com isto de outra forma e se calhar também não é necessário. Temos de perceber que nos primeiros anos da vida, o desenvolvimento cerebral é muito intenso e são períodos de vulnerabilidade e os estímulos dos ecrãs, para além de serem pouco completos, vão limitar outro tipo de estimulação. Os ecrãs são muito atrativos, as crianças prendem-se e deixam de sentir vontade de fazer outras atividades. Por isso mesmo é que há sociedades que dizem que até aos 2 anos não se deve usar ecrãs nenhuns e eu confesso que sou muito dessa onda. Acho que até aos 2 anos não há vantagem nenhuma em utilizar ecrãs. Aos 2 anos o cérebro tem 70% ou 80% do tamanho do cérebro adulto, é uma altura em que precisa de absorver o mais variado tipo de estímulos e os ecrãs boicotam esse processo. A partir dessa idade, com um limite de tempo que nos primeiros anos deve ser uma hora por dia, os ecrãs implicam também o investimento em dois aspetos: a qualidade do que se faz e vê e a presença de um adulto para interagir com a criança enquanto ela interage com o ecrã.

E quando as crianças ficam raivosas com a limitação de uso do ecrã?

O primeiro conselho é [agir] por antecipação. Quando se começa a introduzir os ecrãs, fazê-lo com essas regras todas, com cautela. Se introduzirmos sem regras e depois queremos estabelecer limites vai ser muito mais difícil. As crianças sentem-se injustiçadas quando perdem privilégios. Os pais devem ir dando os privilégios muito lentamente e com cautela, porque andar para trás é sempre mais difícil. Um aspeto a que os pais têm de dar atenção é como a criança se comporta quando não pode ter os ecrãs. As pistas estão lá mais cedo antes dos ataques de raiva - a criança que está impaciente, que quer voltar a casa porque está lá o ecrã. São pistas para que os pais percebam que aquele uso já está a ser abusivo.

O uso destes dispositivos faz com que as crianças brinquem menos?

Isso pode acontecer, mas os pais não devem deixar. Crianças que usam muitos ecrãs podem perder o interesse em brincadeiras, essas sim verdadeiramente importantes para elas - motoras, que estimulem outras áreas cerebrais e que permitam que a criança tenha movimento e interaja.

E quão importante é brincar?

É fundamental, crucial e indispensável. É um direito básico de todas as crianças e eu coloco-o a par com comer e dormir. Acho que são necessidades básicas que todas as crianças têm de ter, estão no direito de passar pelas experiências de brincar para se poderem desenvolver a título pessoal, social, emocional.

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