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O mundo dos encontros e do amor não está fácil (que o digam as Histórias de Amor Moderno) e basta olhar à volta para perceber como é cada vez mais invulgar encontrar quem esteja num relacionamento sério e longo. Fora as amigas sortudas que estão praticamente casadas desde a faculdade - uma espécie em vias de extinção -, os namorados são muitos, vão e vêm com alguma frequência, mas nunca ficam muito tempo. São pouco independentes, independentes demais, mesquinhos, não têm um sentido de humor apurado, usam o perfume errado, gostam demasiado d’A Guerra das Estrelasas razões para acabar as relações são infinitas, qualquer ick vale e chega-se ao ponto de pensar que nunca ninguém vai ser bom o suficiente. Esta é uma luta própria da altura em que estamos, por ser uma consequência dos casamentos por amor. Segundo nos diz o psiquiatra Daniel Sampaio no seu mais recente livro, Para tão curtos amores, tão longa vida, um casal moderno "escolhe-se por amor", tal como João e Luísa, as personagens cuja relação acompanhamos ao longo da obra.

Foto: Mariline Alves @Sábado @Cofina

O "problema" das relações que se estabelecem por paixão é que o sentimento pode desvanecer e, com ele, o propósito do próprio relacionamento. Ainda assim, para o autor, "o amor longo é possível". Em entrevista à Máxima, fala na importância da perseverança, para que se possa criar um laço resistente, mas "muitos casais de hoje separam-se antes que o processo de vinculação se estabeleça". É este processo que pode, em alguns casos, levar à mudança do tipo de vinculação - uma propriedade emocional que pode ajudar a determinar como alguém se comporta numa relação romântica.

O estilo de vinculação é um conjunto de características que define, precisamente, como alguém compreende e vive as suas ligações afetivas. Em Para tão curtos amores, tão longa vida, Daniel Sampaio faz um pequeno resumo dos três principais: ansioso (não tem medo de intimidade, mas receia que o parceiro "não pretenda estar consigo" e está "demasiado atento às mudanças do estado de espírito do companheiro"); evitante (tem dificuldades com proximidade e "defende o seu território ao máximo"); e seguro (não tem problemas com intimidade e "comunica sem medo as suas necessidades"). Este perfil é traçado nos primeiros anos de vida, principalmente através do vínculo formado com os cuidadores primários. Em conversa, o psiquiatra imagina um cenário do que pode levar a uma criança formar um estilo de vinculação inseguro: "se a família tem dificuldades económicas, uma habitação com más condições e um dos pais está no desemprego, é natural que haja menos disponibilidade para os filhos e menor capacidade para os envolver afetivamente", mas também "por depressão da mãe, negligência parental, maus-tratos infantis ou dificuldade psicológica dos progenitores em envolver o filho".

Foto: Marisa Cardoso @Sábado @Cofina

Nem todos pudemos usufruir de uma infância saudável e isso, inevitavelmente, tem um impacto no adulto em que nos tornamos. A grande questão é: temos de lidar com as falhas dos nossos cuidadores para o resto das nossas vidas? Vamos sempre ser parceiros ansiosos, inseguros e evitantes? Bom, há boas e más notícias. As más são que, segundo Daniel Sampaio, "o tipo de vinculação tende a ser estável ao longo da vida". As boas são que há casos e casos: "Por exemplo, [o tipo de vinculação] pode alterar-se na adolescência, porque a nova vinculação ao par romântico pode ter como consequência uma mudança, como é o caso de um evitante que se liga a uma pessoa segura e que, no decurso do relacionamento, se torna mais próximo". E aqui surge a questão com que iniciámos este tema - um dos problemas das relações curtas e fugazes é que não dão tempo suficiente para que se estabeleça um laço forte o suficiente para ter um impacto significativo. Afinal, "para haver alteração do tipo de vinculação é necessário algum tempo, por isso é importante que os casais ponderem e procurem ultrapassar as crises, que são inevitáveis na relação amorosa".

É verdade, vão sempre haver crises, com mais ou menos frequência, e há que saber quando persistir e quando desistir. Para o psiquiatra, "muitos divórcios podem ser evitados" e há problemas que podem ser ultrapassados. A infidelidade, uma circunstância que para tantos é um indicador clarodo fim da relação é, para o autor, resolvível. No caso de João e Luísa, os protagonistas de Para tantos amores, tão curta vida, os casos extraconjugais que existiram de ambos os lados foram, na perspetiva do autor, "uma estratégia para lutar contra a dependência recíproca do casal e fortalecer o sentimento de independência de cada um". Se a lealdade a um sistema monogâmico é um valor que ambos se comprometem a respeitar, então um caso extraconjugal será, à partida, uma violação desse acordo. Ainda assim, isso não tem de significar um fim da relação. O dilema será, de quem trai, contar ou não ao parceiro. No livro, Daniel Sampaio mostra, através das personagens, dois cenários possíveis referentes a cada uma destas opções - um muito mais impactante que outro.

Escreve que "a sociedade apregoa o valor da verdade e condena a mentira desde os bancos da escola, embora cada vez vejamos mentiras e notícias falsas". Quanto à escolha que vem com uma traição, o autor afirma, no livro, que se deve "tentar antecipar a dor que a revelação vai provocar na vítima da traição", assumindo mesmo que "a revelação não é aceitável se quem traiu quer conservar o seu casamento e está disposto a lutar por isso". O psiquiatra diz que "não há uma regra universal" sobre contar ou não ao parceiro de traições passadas. No fundo, vai depender de "como se conta e da capacidade de perdoar a traição."

Foto: Mariline Alves @Sábado @Cofina

Então, como viemos parar a este lugar de relações curtas, muitas vezes destinadas a falhar? Os números que sustentam esta afirmação são assustadores: em 2019, por cada 100 casamentos em Portugal houve 61,4 divórcios. No ano em que começou a pandemia, o valor atingiu uns exorbitantes 91,5. Já em 2021, o número estabilizou nos 59,5. Certo, parece que mais de metade dos casamentos no país acabam em divórcio, mas isso também pode providenciar uma certa motivação para nos tornarmos seres relacionais superiores e conseguirmos o que poucos conseguem nos dias de hoje. Há algo que nos está a faltar: um bocadinho mais de gentileza que, para Daniel Sampaio, significa "afabilidade, amabilidade, cortesia, atenção, reconhecimento do outro" e comunicar com suavidade. Esta empatia, tão necessária em todas as relações que estabelecemos, é especialmente importante quando nos lembra que "existe muita solidão, mas também há solidão no amor". É inevitável que nos sintamos sozinhos, mesmo dormindo encostados a alguém com quem partilhamos a vida, quando nos apercebemos do crescente "individualismo e narcisismo, muito frequente nos dias de hoje". Características que se tornam ainda mais evidentes para o psiquiatra, que nota uma "dificuldade em ponderar e tentar ultrapassar as crises e uma falta de perceção de que a paixão pode acabar, mas é preciso construir o amor". Há alguma vontade de assumir que estamos todos um bocadinho mais dramáticos e geralmente pouco investidos nas responsabilidades que vêm com acarinhar um parceiro e, assim, preservar uma relação longa. Desistir é fácil, mas por vezes temos de nos lembrar da importância de investir um pouco mais de consideração e dedicação no amor - o retorno pode ser incomparavelmente gratificante (e longo).

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