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"Pais apressados geram filhos stressados."

Confrontados com um mar de teorias sobre parentalidade e numa sociedade que obriga a um ritmo de vida diária acelerado (e cronometrado), como é que se educa com calma? Sabemos que pais que vivem sem pressa tendem a criar filhos felizes. A equação parece simples…

20 de junho de 2019 às 07:00 Rita Silva Avelar

Mudar fraldas é uma tarefa de tempo limitado. Amamentar também. Tal como escolher o primeiro dia em que se dá a sopa. Mas no que à educação dos filhos diz respeito, essa tarefa que é para sempre e para todos, não há limites para as dúvidas. "Como lidar com adolescentes." "A que idade eu devo deixar o meu filho sair à noite." "Como abordar o tema sexualidade com os meus filhos." "Quanto tempo deve uma criança passar no computador." Quem nunca abriu um separador na Internet para pesquisar sobre estes ou outros temas relacionados com crianças e adolescentes (mesmo que não os seus) que atire a primeira pedra. Se nunca o fez, com certeza ouviu falar em estudos atrás de estudos sobre a infância, cruzou-se com teorias atrás de teorias sobre como educar na adolescência ou acabou em fóruns com debates que nunca acabam sobre o mundo infanto-juvenil, no geral. Numa era em que a discussão se propaga para o digital (quase sempre, exceções à parte) aliada às sabidas "mezinhas das avós", a tendência pode ser para dispersar e esquecer o essencial. Contas feitas entre a vida profissional dos pais, as atividades dos filhos, as horas necessárias de sono e o tempo nas redes sociais – entre tantas outras coisas – afinal, o que resta das 24 horas que um dia tem?

No seu mais recente livro Pais Apressados, Filhos Stressados, o pediatra e professor Mário Cordeiro faz uma promessa no título: "Acalme a sua vida, melhore a dos seus filhos." No livro que fala de slow parenting (movimento sobre ensinar a desacelerar na infância) o pediatra pretende desmistificar algumas dessas teorias, ao mesmo tempo que separa o trigo do joio, como quem diz, isola o mais importante do que é irrelevante nos dias de hoje. "Temos de parar para pensar, refletir, ver se estamos no rumo certo. Esta estratégia, aliás, diz respeito a qualquer aspeto da nossa vida, não apenas aos filhos", começa por escrever, explicando que os erros mais cometidos pelos pais na educação são "o excesso de zelo em quererem ser perfeitos, em contraste com a má utilização do tempo por vitimização, desorganização, falta de método e de espontaneidade e pressa. Stress. Corridas contínuas, muitas vezes sem qualquer razão de ser. Os pais devem parar para pensar." E lança-nos as seguintes perguntas: "O que querem [os pais] da vida que é curta, efémera e com tempo escasso e finito? Quais as prioridades? O que é que é fundamental e o que é secundário? Serão alguns bens materiais tão importantes que obriguem a uma vida de escravatura e a sacrificar o bem-estar? Será que as relações através das redes sociais e da Internet substituem os ‘olhos nos olhos’?"

A era das tecnologias (e das emoções expressadas em emojis)

Com as perguntas levantadas por este pediatra chegamos a um ponto crucial: a importância do tempo de qualidade presencial na vida de qualquer criança. E de qualquer pessoa, na verdade. Igualmente debruçado sobre o tema do tempo na relação entre pais e filhos, o pedopsiquiatra Pedro Strecht abordou-o no seu recente livro Pais Sem Pressa. Stretch explica porque é que evitar o tempo no virtual mundo da tecnologia é cada vez mais urgente. "É claro que as redes sociais e os videojogos fazem parte da realidade das crianças e dos adolescentes de hoje e, sem dúvida alguma, são a forma predominante de relacionamento e ocupação dos seus tempos livres. Para quase todos os pais é imensa a dificuldade em aceitar e regular estas questões, simplesmente porque não a viveram enquanto jovens. Por isso importa ter a ideia de que as crianças e os adolescentes mais jovens terão muita dificuldade em se autorregularem: os pais serão sempre chamados a marcar horas, definindo limites, obviamente variáveis com as idades dos filhos, dias da semana ou períodos do ano." Mário Cordeiro concorda. "As redes sociais e as tecnologias, em geral, fazem parte da nossa vida e ignorá-las seria fundamentalista. Todavia, pode moderar-se o uso, adequarem-se as escolhas e tentar que, para lá da parte lúdica, também haja uma parte de aprendizagem, utilitária e académica (…) o tempo, pois, sempre esse... temos de o ter em consideração."

Segundo um estudo exposto num artigo do site Psychology Today, os videojogos podem levar a depressão, a ansiedade e a fobia social. Mas Pedro Strech alerta, também, para outros problemas. "Não sei se as redes sociais ou os videojogos podem ser considerados a maior fonte de ansiedade dos jovens, mas nos tempos atuais são sinceramente uma das principais fontes de conflito entre pais e filhos e um teste à posição omnipotente de alguns e às dificuldades de gerir a frustração por parte de outros. Vale ainda a pena chamar a atenção para a posição ambivalente de alguns pais que quando lhes é confortável permitem este tipo de excesso para depois o censurarem também de forma radical", conclui.

A importância do sono, a escola e o tempo livre

Para Mário Cordeiro, dormir bem é algo fundamental para tudo fluir durante o dia. "Há um mínimo de repouso necessário para um bom funcionamento neurológico, cerebral, académico, lúdico e pessoal. Não se trata apenas do número de horas de dormir, mas também as condições: chão, ruídos, luz, ecrãs, excitação neurológica antes de dormir, entre outras." Faz sentido que as tecnologias estejam excluídas deste período. Segundo um outro estudo publicado no The Guardian, no início deste ano, realizado à escola da Grã-Bretanha pela Universidade de Glasgow, o tempo passado nas redes sociais à noite, na hora de deitar, prejudica o desempenho escolar e a saúde dos adolescentes – sendo que um quinto dos 12 mil inquiridos (entre os 13 e os 15 anos) passa cerca de cinco horas nessa atividade.

Sobre a escola, ainda que esta seja um dos pilares fundamentais na educação de qualquer criança, o pedopsiquiatra explica que "é exacerbado o tempo passado na escola pela maioria das crianças e adolescentes, tal como o é o exagero de atividades extracurriculares de características letivas, como, por exemplo, explicações ou mais aulas extra de língua estrangeira. Todas as atividades ligadas a desporto (como o futebol ou a dança) ou outras como expressões plásticas são importantes como verdadeiros pontos de fuga à sobre-exigência escolar que hoje em dia se verifica (incluindo excesso de trabalhos de casa). Por último, as crianças precisam ainda de ter tempo livre, ou seja, não necessariamente ocupado com tarefas predefinidas. Até para poderem digerir e integrar tudo o que foi sendo experienciado". Ainda sobre este valioso equilíbrio "escola - atividades extra - tempo livre", Mário Cordeiro salienta que "todas as atividades são boas desde que não interfiram com horários de descanso, não sobrecarreguem as famílias e não se tornem um vício. É bom estar em família, sem saber o que se vai fazer no fim de semana, e, felizmente, cada vez mais escolas a terem atividades, muitas vezes através das associações de pais, durante as horas letivas, deixando assim mais espaço para os tempos livres em família e em vizinhança".

Sobre o tempo de qualidade em família, Pedro Strecht destaca ainda que "o contacto com a natureza é extremamente importante para o equilíbrio emocional de todos, não apenas dos mais novos, embora estes possam ser alvo de uma nova cultura deste tipo, sobretudo os que vivem em espaços físicos como as grandes cidades, onde o dia a dia é passado muitas vezes entre o espaço da casa (sobretudo o quarto) e o território da escola. Hoje é sabido como o contacto com a natureza modula as emoções e o impacto que tem na qualidade de vida da saúde mental de todos os seres humanos".

A felicidade, sempre

É relevante perceber qual o impacto do estilo de vida profissional dos pais (muitas vezes enquadrado num horário bem mais alargado do que das 9 às 17 horas) nos filhos. Ou seja, como é que estes percecionam o conceito de trabalho e o que esperam do seu próprio futuro nessa área. Sobre este ponto de vista, Mário Cordeiro explica que "o trabalho é fonte de rendimento, de realização pessoal e profissional, de exigência social... mas a vida não é apenas trabalhar. Há mais vida para lá do trabalho e que é tão ou mais importante do que ele. E uma dessas componentes são as pessoas, designadamente a parte criativa, a arte, a relação do corpo com a natureza, o falar, tagarelar, conversar, estar. Ser e estar, em contraposição com unicamente fazer e ter". Pedro Strecht concorda ao afirmar que "não pode existir sucesso profissional ou escolar sem um bem-estar próprio, sem uma sensação de gosto e de prazer num certo viver a vida que, obviamente, não é sinónimo de desleixo ou de menosprezo pela área profissional".

A terapeuta holandesa Eline Snel, 65 anos, especialista em mindfulness e autora de vários livros pedagógicos, ensina crianças e adolescentes dos 4 aos 19 anos a usar a "atenção plena" nas suas vidas, em várias esferas. "Na base do mindfulness para crianças começa-se por aprender a prestar atenção ao corpo, aos pensamentos e aos sentimentos", explica. "Eu diria que só se consegue ter sucesso no mundo lá fora quando estamos próximos do nosso mundo interior, conhecendo-o. É preciso gostarmos de nós."

Além de se dedicar a desenvolver programas de meditação e mindfulness para crianças e ser fundadora do Método Eline Snel, esta terapeuta que foi enfermeira sabe que tudo começa nos pais. "A certo momento, são os pais que têm de perceber que o ser humano não está programado para ser um robô e apenas trabalhar. Isso faz parte da ideia de sucesso estabelecida na nossa sociedade – mais, mais e mais êxito. A primeira pergunta que devem fazer é: este estilo de vida faz-me feliz? Porque quase toda a gente vai dizer que não."

Contrariando a ideia de que é preciso abdicar da felicidade para atingir o sucesso, Mário Cordeiro conclui: "O sucesso deve fazer parte da felicidade e para isso tem de ser contido, comedido, frugal e sem stress. As pressas causam stress. Pais apressados geram filhos stressados. A vida é feita para se viver, porque o tempo, não nos iludamos, é escasso, finito e limitado. E nós não somos deuses, imortais e omnipotentes. Felizmente, longe disso! Somos humanos... e ainda bem!" E por serem humanos, os pais também erram: também eles, afinal de contas, estão a aprender o complexo caminho que é o da parentalidade.

3 passos para desacelerar no dia a dia, por Pedro Strecht

  1. Para desacelerar, o melhor é sempre começar pelo mais simples: cada um de nós na sua vivência individual e depois na relação com os outros, incluindo o melhor equilíbrio entre trabalho (escola) e lazer.
  2. As velhas máximas de less is more ou simple is beautiful podem ser tomadas em conta na definição do que realmente é o essencial ou o acessório nas nossas vidas, combatendo uma visão demasiado centrada na referencialidade narcísica das pessoas e no modelo economicista de quase tudo.
  3. Tentar controlar o tempo em vez de ser controlado por ele, como o livro Pais Apressados, Filhos Stressados repete em vários momentos.

Quatro livros sobre educação e tempo de qualidade

Pais Apressados, Filhos Stressados, de Mário Cordeiro (Desassossego), €16,60

Pais sem Pressa, de Pedro Strecht (Contraponto), €15,50

A Magia da Parentalidade, de Hedvig Montgomery, (Editorial Presença), €14,90

Senta-te Quietinho como uma Rã: Mindfulness para crianças dos 5 aos 12 anos (e para os pais), de Eline Snel (Lua de Papel), €14

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Senta-te Quietinho como uma Rã: Mindfulness para crianças dos 5 aos 12 anos (e para os pais), de Eline Snel (Lua de Papel), €14
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