Joana Gentil Martins, psicóloga. “A autoestima não é hereditária, mas sim aprendida.”
Joana Gentil Martins usou os anos de experiência em consultório, ao longo dos quais se foi deparando com cada vez mais carências e problemas diários relacionados com autoestima e confiança, para escrever o livro Torna-te o Amor da tua Vida, editado pela Planeta.

Ao invés de ser um livro pejado de clichés, ensina-nos a perceber emoções, discerni-las, desconstruindo conceitos e desmistificando as noções ligadas ao campo sentimental e ao amor-próprio, que tantas vezes nos baralham, e noutras comprometem a saúde e o bem-estar mentais. Ao longo de 300 páginas, e com mais de 50 exercícios, chegamos ao fim a conhecer-nos melhor e a dar mais valor àquilo que somos.
Quais são os primeiros sinais de que temos uma baixa auto-estima? O que é que nos leva, de certa forma, a ficar nessa situação?
A autoestima, como o nome indica, é a avaliação que cada um faz de si próprio e como se estima (o que pensa sobre si, o que sente em relação a si, como se comporta), o que a/o torna muito individual. Assim, os primeiros sinais podem ser diferentes para cada pessoa. Dificuldade em reconhecer qualidades; depender da aprovação dos outros para agir ou dar opinião; considerar as conquistas uma sorte; ter pensamentos negativos sobre si mesmo (por exemplo "não sou bom o suficiente", "não sou merecedor" "não sou digno de amor"); sentir dificuldade em aceitar elogios; considerar-se incapaz; fazer autocrítica excessiva; ter dificuldade na tomada de decisão; sentir dependência emocional e timidez excessiva. Procrastinação frequente, perfecionismo, fazer comparações excessivamente, ter dificuldade em lidar com críticas e dificuldade em afirmar a opinião. Sentir um medo constante de rejeição e tendência para isolamento social.
Dificuldade em impor limites, sentir insegurança frequente, avaliar-se de forma negativa na maioria das situações, rotular-se (exemplo "sou fraco", "sou feio"), ter uma má relação com o corpo e forma física; dificuldade em dizer que não aos outros; sentir ciúmes excessivos, entre outros.


A autoestima é hereditária?
A autoestima não é hereditária, mas sim aprendida, o que significa que as interações são muito importantes e podem moldar a nossa percepção sobre nós mesmas! A ligação do bebé com a mãe ou com os cuidadores, as primeiras interações com a família, com a escola, com os colegas e professores, experiências que vamos tendo ao longo da vida, a própria sociedade e época em que vivemos têm impacto no desenvolvimento da nossa autoestima. Se tivermos tido experiências negativas ao longo da nossa vida, como por exemplo sofrer de bullying na escola ou no trabalho, ter tido uma educação rígida e fria, ter pais muito autocríticos e que não elogiam, recebermos constantes críticas destrutivas, educação ou trabalhos muito exigentes, relações disfuncionais, traições, traumas, abusos sexuais e/ou emocionais, temos uma maior probabilidade de ter desenvolvido até agora uma autoestima baixa e de ter desenvolvido crenças negativas sobre nós mesmas, sobre os outros e sobre o mundo. Todos estes são fatores comuns em pessoas com baixa autoestima.
Há pessoas que passam pela vida sem se conhecerem, nem se auto-avaliarem. Qual é o ponto de partida para isto?

Penso que as pessoas devem parar e refletir sobre si mesmas. Trabalharem, o que nós chamamos de autoconhecimento. Questionarem-se sobre como se sentem em relação a si mesmas, como é o seu diálogo interno, se tem ajudado ou se prejudicado, como são os comportamentos que têm tido, têm ajudado a viver uma vida com qualidade ou por outro lado uma vida mais angustiada? Começar pelo autoconhecimento é fundamental. E para isso, no meu livro, Torna-te o Amor da tua Vida, têm vários exercícios que são um bom ponto de partida.
Como distinguir aquilo que dizem de nós daquilo que somos, em períodos de menor confiança? Com a era das redes sociais tudo se confunde?
É importante termos o nosso momento de autoreflexão e avaliarmo-nos a nós próprios, conhecendo-nos primeiro. Porque o que os outros dizem sobre nós é com base nas suas lentes, nas suas experiências e crenças. Gosto muito de uma frase, que até cito no livro que diz "é muito mais importante o que pensamos de nós próprios do que aquilo que opinam sobre nós"(Séneca). Quanto às redes sociais é importante que tenhamos um olhar mais atento e saibamos que nem tudo o que está nas redes sociais é exatamente assim ou, pelo menos, que não representa a realidade total das pessoas. Temos a tendência de publicar a melhor foto, a melhor edição e está tudo bem nesse aspeto, devemos mostrar o que nos sentimos confortáveis de mostrar. No entanto, para quem consome, deve lembrar-se que há uma seleção do que é posto online, que não é a realidade completa. Para além disso é importante que se entenda que o número de gostos e seguidores não define o valor de cada pessoa.


Como potenciar a confiança que temos em nós? Que estratégias diárias adotar?
A confiança que temos em nós, ou autoconfiança, diz respeito aos comportamentos, ou seja, diz respeito a ações. Precisamos de fazer por nós. Alguns exemplos são a exposição àquilo que outrora acreditámos não conseguir. Quando nos expomos e conseguimos, entendemos que somos capazes, o que reforça a nossa confiança. (É importante que seja uma exposição gradual e no livro tem o passo a passo de como fazer). Outros comportamentos que devemos ter diariamente é a prática do autocuidado, a prática do autoelogio, da gratidão, das afirmações positivas e até os atos de bondade e gentileza com os outros. Se todos os dias fizermos uma destas coisas por nós, no mínimo, já estamos a dar os passos na direção certa.
Na era das supermodelos magras, comparavam-se os corpos. Agora, funciona tudo nas redes, com as influencers. Quais são os perigos psicológicos e eventualmente físicos desta montra de perfeição?
Penso que, hoje em dia, com as redes sociais e influencers, também se comparam os corpos. Não só os corpos, mas o estilo de vida, o que fazem, as relações, no fundo, comparam-se vidas. Agora claro que podemos analisar e perceber quais são as influencers que seguimos que nos ajudam a sentir-nos bem connosco, que passam uma mensagem positiva sobre nós, que mostram também o processo e não apenas as conquistas, e, por outro lado, quais são as que nos sentimos mal ao seguir, que nos fazem duvidar e comparar excessivamente. Devemos seguir contas que nos fazem sentir bem e deixar de seguir, ou bloquear, as contas que nos fazem sentir mal. Claro que isto é subjetivo e irá depender de pessoa para pessoa quais são os perfis que a ajudam e quais são os perfis que a prejudicam, porque tem a ver com a interpretação que nós fazemos daquilo que vemos. O perigo não está na montra que cada um cria no seu perfil, o perigo está na forma como quem consome acredita naquilo como a realidade toda, está na forma como quem consome tenta igualar e se compara. Precisamos de educar as pessoas no sentido de se focarem no seu próprio caminho, no sentido de saberem que o que está online não é toda a realidade da pessoa. A realidade do outro é diferente da nossa, o caminho do outro é diferente do nosso, e está tudo bem. Cada pessoa tem o seu processo e os seus objetivos a atingir.

Quais são os pilares do autocuidado?
Gosto de explicar o conceito de autocuidado (o cuidado que temos connosco mesmos, ou seja, são as atividades que escolhemos fazer, tendo em conta as necessidades sentidas, que nos ajudam a manter ou a melhorar o nosso bem-estar e saúde.) com 3C’s. O primeiro C corresponde à "Consciência", ou seja, refletirmos sobre aquilo que necessitamos no momento, quais são as nossas necessidades. O segundo C corresponde a "Cuidado", ou seja, aplicarmos o cuidado, isto é, aquilo que necessitamos e identificámos no primeiro C. E por último, o terceiro C, que corresponde a "Consistência", no sentido em que devemos aplicar o autocuidado diariamente. É importante ainda referir que o autocuidado é 100% personalizado, depende de caso para caso e de quais as necessidades de cada um de nós, a cada momento. Deixo alguns exemplos de atividades de autocuidado: manter um diário de gratidão, realizar atividades prazerosas que nos fazem sentir bem, conversar com amigos/familiares, praticar um desporto, fazer uma alimentação de forma saudável, ler um livro, procurar ajuda profissional como terapia, etc.
Como distinguir entre a crítica destrutiva e a construtiva?
É uma distinção bastante importante: poderemos usar a segunda connosco e até com os outros e a primeira nunca devemos usar. Para um melhor entendimento, nem toda a crítica é destruidora ou prejudicial, depende de como é colocada e do equilíbrio que existe. Gosto de explicar as críticas como a que é construtiva, e nos ajuda a crescer - por norma é dita em particular, tem um feedback de como se pode melhorar, e não tem nenhum insulto ou forma de ataque -; e a que é destrutiva, que nada mais faz do que nos bloquear, atacar, e fazer sentir pior, e que por norma não tem qualquer feedback de como melhorar e tem algum tipo de ataque pessoal. No fundo, uma ajuda a evoluir sem pôr em causa o nosso valor como pessoas (construtiva), outra impede-nos de avançar e faz-nos sentir pior (destrutiva).

O medo de falhar está mais presente na geração passada? Estamos perante uma geração mais audaz e destemida?
Acredito que o medo de falhar está ainda bastante presente. Não tenho dados para afirmar que há uma geração mais audaz, na verdade não devemos caracterizar as gerações com estes conceitos uma vez que podemos estar a fazer uma generalização, e cada pessoa é única. E ao caracterizarmos de uma forma ou de outra, podemos estar a fazer com que pessoas que precisem não procurem ajuda, por achar que não se "enquadram" nessa caracterização. Devemos analisar caso a caso. E a verdade é que pessoas com baixa autoestima têm muito medo de falhar, pois associam o erro ao seu próprio valor. O erro, em qualquer geração, deve ser encarado como algo para que devemos olhar, sim, mas também algo com que devemos aprender. Em vez de nos massacrarmos com um erro, devemos pensar "o que é que posso aprender com este erro?" ou "o que é que isto me ensina?"

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