Inês Meneses: “Temos de valorizar muito os nossos feelings. Apuram-se com a idade."
Especialista nessa alquimia de transformar uma entrevista numa bolha de segurança e de intimidade, a radialista e comunicadora Inês Meneses foi apurando o seu talento para fazer emergir o melhor das pessoas. E, no processo, revelou-se a ela própria.

No início de cada Fala Com Ela, Inês Meneses faz uma rápida apresentação da pessoa que tem à frente. Sempre elogiosa (porque só convida pessoas que admira), certeira (porque é uma observadora dedicada) e espirituosa (não fosse o humor o seu modus operandi), abre espaço para conversas intimistas em que, como disse em tempos um dos seus entrevistados, "apetece responder que sim a tudo porque as perguntas já trazem muita água no bico". Mais uma prova de uma sensibilidade especial que faz do programa – transmitido primeiro pela Radar, depois pela Antena 1 – um caso sério de longevidade e de sucesso nas rádios nacionais.
Fala com Ela – Conversas marcantes com personalidades que admiramos, livro editado pelo Contraponto, reúne 14 das centenas de conversas que Inês foi tendo ao longo de 18 anos. Foi nessas 14 entrevistas que encontrámos as perguntas que lhe fazemos agora. Questões que Inês formulou e que lhe devolvemos, pedindo-lhe que se coloque na posição de entrevistada. No fundo, baralhámos e voltámos a dar, à procura de confissões e reflexões, espoletadas pelas mesmas palavras que, a dada altura, ela decidiu juntar.

Que criança é que foste? (Conversa com Gregório Duvivier, 2015)
Crescida antes do tempo. Mais triste do que sou agora. Com pena dos pássaros que caíam feridos. A ver a minha mãe alimentar os coelhos recém-nascidos com um conta-gotas quando lhes faltava ninho. A ser muito protegida por ela.
E já tinhas muito cuidado a vestir-te? (Conversa com Rui Reininho, 2022)

Sempre achei que as roupas eram o prolongamento do que não se via. Em adolescente já usava eyeliner e batom. Até hoje. A roupa era uma afirmação. Continua a ser.
Fizeste os disparates todos que devias ter feito na juventude? (Conversa com Carlos Tê, 2021)
Seguramente. Fiz muitos disparates e não me arrependo de nada. Se escrevo crónicas ou conto histórias também a isso se deve. Vivi intensamente.

Irritam-te as regras? (Conversa com Bernado Sassetti, 2010)
Aprendi com o tempo que não podemos viver sem algumas. Não somos punks para sempre. As regras, ainda que por muito tempo rejeitadas, são essenciais para a nossa sanidade mental.
O que te empurra para a observação do outro, é o aborrecimento ou o fascínio pelo que ainda não conheces? (Conversa com Gregório Duvivier, 2015)

O fascínio do que ainda não conheço. Esse é o grande motor: o espanto, a curiosidade. Cada pessoa desenha-se ali à minha frente com tudo o que desconheço. Se isso não é tanto, então nada sei e nada me moveria.
Então, [concordas que] só depois da primeira refeição é que se pode tirar alguma conclusão? (Conversa com Paula Rêgo, 2010)
Eu, na gestão intangível da minha gula, prefiro pensar que preciso de muitas refeições… mas basta uma primeira para tirar uma conclusão. Iremos à segunda por via das dúvidas.

Tu já não te preocupas com esse politicamente correto, isso já não existe na tua vida? Foste-te soltando cada vez mais? (Conversa com Ana Moura, 2016)
Sem dúvida. O politicamente correto pode ser um fato que visto muito de vez em quando. No geral sou livre. Escolho os meus padrões, as minhas cores, os dizeres que me assentam, as pessoas que quero ter na mesa. A liberdade é um luxo que prezo demasiado.

Disseste muitas vezes que não? (Conversa com Pedro Cabrita Reis, 2022)
As vezes que me fizeram sentido. Não devemos temer nem o não nem o sim. Devemos pensar sobre eles. Nada deve ser gratuito quando há uma resposta por dar.
Como é que aceitas a mudança? (Conversa com Adriana Calcanhoto, 2019)
Acho que o mundo é dos que aceitam a mudança. Eu acredito no movimento como evolução. A mudança é movimento. Inicialmente podemos resistir-lhe (por medo) mas devemos seguir com ela.
Tu achas que há uma relação entre a sensibilidade e a insatisfação? (Conversa com Ana Moura, 2016)
Diria que os mais sensíveis são insatisfeitos. Também podemos dizer que os mais insatisfeitos são sensíveis. Tenho mais dúvidas aqui: não confundir insatisfação com frustração. A insatisfação é um motor para avançar. Nessa busca está a tentativa de ser melhor.
Gostas de dizer que amas, amas as pessoas, não é? (Conversa com Carlos do Carmo, 2010)
Amo, pois. Amo pessoas que me trouxeram o amor, outras a quem eu levei o amor. Mas posso amar os momentos, a vida, um filme e uma canção. O verbo amar não se esgota num sujeito.
Não tens muitos erros de casting na sua vida? (Conversa com Herman José, 2008)
Poucos. Realmente poucos. Duas ou três pessoas. A minha intuição já os farejava, mas teimei. Temos de valorizar muito os nossos feelings. Apuram-se com a idade.
Quem é que te faz rir muito? (Conversa com Maria Rueff, 2020)
O Herman foi o primeiro de todos. Ainda é.
O humor é uma espécie de eterna sedução? (Conversa com Gregório Duvivier, 2015)
Claro. Acho que usei essa arma desde sempre. Tento fazer rir os outros para garantir que vamos continuar a estar juntos ali e sempre. O humor é das ferramentas mais eficazes (e árduas) da sedução. Dá trabalho. É generosidade.
O que tens adiado, de relevante, na tua vida? (Conversa com Gregório Duvivier, 2015)
Tirar a carta de condução. Escrever um romance. Concluir as aulas de natação.
Não tens grandes arrependimentos? (Conversa com Carlos Tê, 2021)
Só de não ter tido mais filhos. Não garanto que fosse uma boa mãe, mas eles iam gostar de se rir comigo. Queria tê-los na minha cama a contar histórias a horas impróprias.
O que te aborrece na passagem do tempo? (Conversas com Julião Sarmento, 2018 e 2020)
Perder os que amo. Ficar sem chão como se fosse uma criança sendo já uma mulher de meia-idade.
De que tens medo, então? (Conversa com Paula Rêgo, 2010)
Da morte antes do tempo. A que vem sem que nos deixe ver os filhos crescer.
Escrever é uma forma de chamar a atenção. (Conversa com Miguel Esteves Cardoso, 2020)
Sempre. Junto letras para dizer que estou aqui e que quero fazer parte de um coro.
O que te faz sentires-te maior do que o teu tamanho? (Conversa com Fausto, 2016)
Acreditar no bem. Na teia mágica que se desenha de forma invisível e que nos faz ter momentos breves de felicidade.
O que é um dia bom para ti? (Questão com que encerra – quase - todas as conversas)
Aquele em que me deito e já nada me inquieta.
