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Acabar com a ansiedade em definitivo. É possível? Um coach responde

O coach espanhol Gio Zararri discorre sobre uma das maiores inquietações das gerações atuais: a ansiedade. Esclarece o conceito e dá-nos ferramentas para “remediar”, como diz, aquilo que devia ser apenas um mecanismo de defesa e não um transtorno.

'As Vantagens de Ser Invisível' (2012)
'As Vantagens de Ser Invisível' (2012) Foto: IMDB / John Bramley - © 2011 Summit Entertainment, LLC
14 de setembro de 2022 Rita Silva Avelar
Há centenas de livros sobre ansiedade. O que distingue, então, o de Gio Zararri? Em O Fim da Ansiedade o autor, que é um coach espanhol especialista em transtorno de ansiedade – noção que esclarecerá ao longo desta entrevista – dá ferramentas ao leitor, partindo da sua própria experiência, para aprender a lidar com a doença do século. Começamos precisamente por aí. 

A ansiedade é a doença do século. Concorda? Porque decidiu escrever este livro?

Concordo plenamente. A ciência e as estatísticas confirmam-no, uma vez que este distúrbio é a principal causa de problemas de saúde mental a nível mundial, e a principal causa de visitas ao médico de família. É um problema que requer tratamento e terapia emocional.

Tal como eu, milhões de pessoas sofreram, sofrem ou irão sofrer de ansiedade. Não ter encontrado [imediatamente] respostas para me ajudar a tratá-la foi a principal razão pela qual decidi escrever este livro. Para a ultrapassar, não basta tomar um comprimido e voltar a ficar bem, mas muito pelo contrário.

O caminho é longo e complicado, os sintomas voltam repetidamente, não compreendemos o que nos está a acontecer e o medo invade-nos, fatores e razões que nada mais fazem senão causar mais ansiedade e agravar a nossa situação. 

Sendo uma doença tão comum, já devia ser mais fácil de tratar?

Precisamente porque é tão comum, os médicos não têm os recursos ou capacidades para tratar cada pessoa em particular, tantas pessoas não compreendem o que lhes está a acontecer e muito menos como remediar. Esta foi a principal razão pela qual escrevi este livro, porque tudo isto me aconteceu e eu senti-me perdido... Pouco a pouco fui descobrindo do que era feita a ansiedade e como eu próprio tinha o poder de mudar as coisas. Compreendi as razões que tinham desencadeado a desordem em mim e como a própria desordem funcionava.

Continua a perpetuar-se a ideia de que a ansiedade é uma doença menor? Invisível?

Penso que é essencial diferenciar a ansiedade da perturbação da ansiedade. Nos meus livros falo em pormenor sobre tudo isto porque, embora as pessoas geralmente falem sobre a doença da ansiedade, o problema não é a ansiedade mas o distúrbio da ansiedade. A ansiedade é uma boa emoção à disposição de todos os seres humanos. É o mecanismo de alerta que nos mantém a salvo de situações de perigo de vida, tais como (algo muito comum nos nossos antepassados) o ataque de um predador como um tigre ou um leão.

Quando algo assim acontece, o nosso corpo age rapidamente para lidar com a situação. Hiperventilamos respirando mais rapidamente para obter mais oxigénio. Os músculos ficam tensos e o coração acelera a fim de agir mais rapidamente ou com mais força. Estes e outros sintomas vêm até nós para nos deixar em segurança.
Gio Zarrari, coach espanhol.
Gio Zarrari, coach espanhol. Foto: Pergaminho


A nível cerebral, quando isto ocorre, é o lado emocional do cérebro que toma o controlo da situação, bloqueando a razão, uma vez que pensar demais [neste caso] não ajudaria... Desta forma, automaticamente e sem pensar, agimos para nos tornarmos seguros graças à ansiedade. O problema surge quando esta se transforma em distúrbio. Desordem significa mau funcionamento, pelo que a perturbação da ansiedade nada mais é do que ansiedade a funcionar "incorretamente". O nosso corpo ativa a ansiedade de uma forma excessiva e contínua, normalmente durante meses, para enfrentar situações que não representam realmente qualquer perigo real mas que ativaram a desordem em nós.

Esta desordem condicionará a nossa vida, uma vez que sofreremos os sintomas de ansiedade por situações tão pouco perigosas como sair à rua (no caso da agorafobia), situações sociais (no caso da fobia social), situações comuns (no caso da ansiedade generalizada), entre outras. O distúrbio da ansiedade é um problema que condiciona e limita as nossas vidas, um problema que pode e deve ser sempre superado. É isso que explico no livro.

Que ferramentas que dá ao leitor, neste livro, para a apaziguar?

O Fim da Ansiedade é o meu primeiro livro sobre a ansiedade, nele explico a ansiedade a fundo. Como surge, como podemos identificá-la, como conseguimos aceitá-la e descobrir as razões pessoais que desencadearam esta desordem. Desta forma, compreenderemos de que é feito o problema e quais são os passos para o ultrapassar. Um processo de auto-conhecimento que nos ajuda a descobrir como a ansiedade é ativada em nós e as causas que a desencadearam, para que através de ferramentas como exercícios de distração, desporto, meditação ou atenção, possamos gradualmente recuperar o controlo de que tanto precisamos.

Quais são os principais mitos em torno da ansiedade?

Há muitos e são muito prejudiciais quando sofremos de ansiedade. Nocivo porque o principal inimigo quando sofremos de ansiedade é a ignorância. Perante o pânico e sintomas tão estranhos, a coisa mais normal e comum é entrar em pânico e tentar pensar que o que nos está a acontecer é algo fatal ou mesmo mortal. A nossa vida está cheia de preocupações e perguntas que, se não forem respondidas corretamente, só nos mergulharão mais profundamente na desordem...

Os mais comuns e prejudiciais são aqueles que dizem que a ansiedade não pode ser curada ou é para sempre, que somos pessoas defeituosas que sofrem de ansiedade ou que a única cura é a medicação. No livro ajudo a compreender todas estas mentiras muito melhor para que as pessoas acreditem em si próprias e saibam que é possível ultrapassar a ansiedade e que fazê-lo da forma correta pode tornar este processo de superação simples e até agradável. 


O que acontece no nosso cérebro quando entramos neste estado?

Em termos gerais, podemos compreender que existem três camadas cerebrais. O mais comum é a camada racional, uma camada do cérebro que nos ajuda a tomar decisões e a dar o valor certo às situações.

O seguinte é a camada emocional, um cérebro que nos ajuda a mostrar empatia e a aprender. O cérebro emocional é apoiado pela memória emocional conhecida como o hipocampo. Este cérebro avalia as coisas de uma forma binária, como boas e más. Se algo é bom, sentiremos emoções que nos ajudam a abordar estas situações ou elementos mais vezes, para que possamos continuar a sentir estas emoções. Estas situações ou experiências serão registadas na memória emocional como "coisas boas".

Quando, por outro lado, algo gera um impacto emocional negativo sobre nós, isso é registado como algo perigoso a evitar, algo mau, e as emoções vão ajudar-nos a afastar-nos deste tipo de situação ou elemento.

Para além destes dois cérebros, existe também o mais primitivo e antigo de todos, o cérebro reptiliano. Este cérebro tem apenas uma função, para nos ajudar a sobreviver. E o que ele faz é ativar certas mudanças no nosso organismo para nos ajudar a sobreviver a situações perigosas.

Livro 'O Fim da Ansiedade'
Livro 'O Fim da Ansiedade' Foto: DR

As mudanças que este cérebro ativa são conhecidas como sintomas de ansiedade.

Assim, se sentirmos que estamos perante uma situação possivelmente fatal ou muito perigosa, o mecanismo de ansiedade é ativado em nós. Um mecanismo a que temos acesso através da memória emocional. Uma chamada de atenção que para a razão fazendo uso exclusivo do cérebro emocional e reptiliano. O cérebro emocional compreende rapidamente se é uma situação perigosa para a nossa sobrevivência e, em caso afirmativo, ativa o cérebro reptiliano para gerar em nós as mudanças mentais e orgânicas que nos ajudam a enfrentar essa situação.

Pode enumerar alguns sintomas mais específicos?

Toda a gente tem ansiedade (do tipo bom) e, portanto, todos podem também sofrer de um distúrbio de ansiedade. Existem diferentes tipos ou formas em que a ansiedade se apresenta, são estas: fobias; stress pós-traumático; transtorno obsessivo compulsivo, Tag (ansiedade generalizada), agorafobia ou fobia social.

A forma como a ansiedade se apresenta pode ajudar-nos a compreender os nossos motivos particulares. Para além disto, o melhor indicador de que estamos a sofrer de ansiedade e não de outra coisa são os sintomas de ansiedade:

- Física: tais como taquicardia, tensão muscular, hiperventilação, tonturas ou transpiração excessiva.

- Psicológico: a sensação de poder enlouquecer, pensamentos, preocupações excessivas...

- Comportamental: estado de hipervigilância, alarme constante. 

No livro ajudo a compreender em pormenor quais são estes sintomas, a chave para poder aceitar que não estamos a sofrer de outra coisa, a chave para poder relaxar o corpo e a mente e começar a ver melhorias.

É um coach. Quais são os seus métodos? O que encontra mais, no seu dia a dia: casos de extrema ansiedade ou os níveis "normais"?

Os meus métodos são baseados na experiência e no conhecimento. O conhecimento ajuda-me a ser claro e concreto sobre o problema, e a experiência ajuda-me a reconhecer que há sempre uma solução e que quanto mais cedo fizermos "amigos" com a nossa ansiedade e vermos as mudanças positivas nas nossas vidas, mais cedo poderemos voltar ao bom caminho.

O meu trabalho é motivar e sensibilizar para que as pessoas possam dar a volta a esta situação. Entre as pessoas que conheci que sofrem desta desordem, a maioria são pessoas que sofrem deste problema pela primeira vez e precisam de respostas. Pessoas que, como eu na altura, não compreendem o que lhes está a acontecer e precisam de ajuda e respostas. Há também pessoas com doenças mais complicadas e duradouras que normalmente têm de acompanhar este trabalho motivador e informativo com terapia psicológica e farmacológica, pois há tipos e casos de tratamento muito complicados que tornam este acompanhamento necessário.

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