"Viver de forma 'slow' é encontrar o nosso próprio ritmo"
Todos os dias somos engolidos por um mar de tarefas e afazeres numa esquizofrenia de vida que nos obriga a viver em modo fast-forward. Como se fôssemos autênticos robôs. Com a máquina a mostrar cada vez mais as suas fraquezas, torna-se urgente parar e res-sintonizar. Afinal, tal como a Natureza, somos seres com ritmos internos próprios que devem ser cumpridos. Será desta que vamos desacelerar e aprender a viver como deve ser? Os especialistas indicam que sim.

Ouvimo-lo constantemente. Da boca dos que nos rodeiam. Da nossa própria boca. Do nosso telemóvel quando o colocamos em modo "não incomodar". Dos chats das redes sociais quando vestimos o status busy. Vimo-lo constantemente. Nas movimentadas ruas onde todos correm desenfreadamente. Nos meios de transportes atolados. Nas filas para tudo e mais alguma coisa, seja na estrada, dentro do carro ou seja na caixa do supermercado. Vimo-lo entre ares impacientes e olhares furiosos que se lançam, ora para o relógio, ora para a pessoa da frente que "por amor de Deus, despache-se com isso". Falamos do estado busy, vulgo ocupado, que estranhamente se tornou também uma espécie de status a adotar. Estamos sempre todos muito ocupados e, de repente, isso é sinónimo de sucesso e de eficiência. Ou, pelo menos, aparenta ser. Ainda demasiado escondido por detrás de vidas bem montadas, ótimos cargos profissionais, casas estupendas, férias de sonho e um retrato idílico que nos é esfregado, quer queiramos quer não, todos os dias a todas as horas, por via das redes sociais, o aparato desta vida demasiado-ocupado-logo-bem-sucedida não se tem revelado assim tão encantador.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas vivem com depressão. O número de casos da doença, estimado em 2015, representa um aumento de 18% desde 2005. Segundo o organismo das Nações Unidas, a patologia é considerada a principal causa de problemas de saúde. Estudos à parte, confirma-nos o dia a dia. Olhe ao seu redor e questione-se: quantas das pessoas que fazem parte do seu núcleo nunca tomaram um antidepressivo, um ansiolítico ou um soporífero, vulgo comprimido para dormir? Quantas delas nunca sofreram de ansiedade ou quantas já tiveram, pelo menos, um ataque de pânico? Números, estatísticas e estudos à parte, a situação é alarmante e começa a falar por si. Vivemos de forma contraproducente e se ainda não nos demos conta disso, o nosso corpo fá-lo por nós. "O stress existe e sempre existirá. O stress não é um papão! Pelo contrário, [o stress] é um sinal saudável do organismo. Mostra-nos que alguma coisa está errada. Como lidar com este de forma a minimizar o impacto é essa, sim, a questão que deverá ser feita", elucida Maria do Carmo Stilwell, Facilitadora de Embodiment e Guia, Mentora e Formadora de Forest Therapy (renature.pt). É neste contexto que entramos no maravilhoso - e cada vez mais aclamado - mundo do Slow Living. Desengane-se porque desacelerar não significa propriamente viver em câmara lenta. Viver de acordo com o movimento Slow Living também não simboliza o que, tantas vezes, as redes sociais nos transmitem: casas de visual aconchegante perfeitamente decoradas em tons neutros, postadas no Instagram com os filtros certos e sublinhadas com o famoso tag #slowliving.

"[O Slow Living] tem a ver com o ritmo interno de cada pessoa. E viver de acordo com esse movimento é reencontrar esse ritmo interno", esclarece aquela especialista em Embodiment. E mantém a explicação: "Para algumas pessoas é possível fazer-se as coisas de uma forma rápida, mas com uma consciência que lhes permite estar em modo slow. Há outras que precisam de fazer as coisas mais devagar. E, no entanto, vivem num mundo que lhes exige que se faça tudo de forma acelerada. Mais do que fazer devagar, viver de forma slow é encontrar o nosso próprio ritmo que, inclusive, pode variar consoante os momentos." Maria do Carmo Stilwell traz à tona a natureza. Sim, a natureza. Efetivamente, somos parte dela, mas estamos longe de viver ao seu ritmo. As flores de manhã abrem de manhã e fecham à noite. Nós, humanos, enquanto seres da natureza também temos os nossos ritmos internos. "Isso acontece desde que estamos na barriga das nossas mães: há contração e há expansão. Nós somos contração e expansão… Porém, vivemos num mundo que nos pede expansão sem dar tempo e espaço para contração", clarifica aquela especialista.
Claro, dirá a nossa cara leitora, então se o mundo (sociedade, sistema, chamemos-lhe o que quisermos) não nos dá esse espaço, como poderemos nós desacelerar numa realidade que exige que nos tornemos em verdadeiras Rosas Motas da vida real? Maria do Carmo Stilwell insiste: "É preciso parar, ressintonizar, para depois podermos continuar de uma forma mais sã. Entender o que é saudável [para cada pessoa] no dia a dia. Sentir aquilo que precisamos a cada momento que é sempre diferente de pessoa para pessoa."

Respirar é o melhor remédio
Todos temos as nossas vidas mais ou menos estruturadas de certa forma. A mudança parece algo impossível de alcançar e o lufa-lufa do dia a dia assemelha-se a um labirinto sem saída. A ideia do Slow Living não é tirá-la da cadeira do escritório ou pedir-lhe que abandone o seu lar e familiares para se ir radicar numa montanha enquanto respira o ar fresco e puro da natureza. Ou sequer que se enclausure num Ashram, na Índia, encerrando as portas ao stress e aos problemas da vida. Pode fazê-lo, mas a isso não se chama viver, mas antes fugir dos problemas como o diabo da cruz. É eficaz, mas quando regressar os problemas estarão todos à sua espera. O que sugere o Slow Living é que, de acordo com a sua vida, encontre mecanismos de defesa – em sua defesa e do seu bem-estar –, evitando assim que se deixe afundar na profunda azáfama que é a vida dos dias que correm.

De acordo com Maria do Carmo Stilwell, "respirar conscientemente é a chave de tudo". E prossegue: "Ter consciência do corpo. Ouvir os sinais do corpo (normalmente ele dá sinais). As dores ligam-se ao corpo quando há desconforto, quando há doença." Esta especialista refere a importância de pararmos (realmente) para ouvirmos a linguagem do corpo. E esclarece: "O nosso estado natural é como se tivéssemos perdido o todo do nosso corpo e isto tem muito a ver com o sistema educativo. O que é validado é o conhecimento das coisas em detrimento do sentir. Conheço a função do coração, mas não sei sentir." Além da respiração que nos ajuda a estar no momento presente e da tal consciência do corpo, esta especialista insiste na ligação com o ritmo da natureza – esta é sábia e ajuda-nos a ressintonizar com o nosso ritmo natural interno.
Mas vamos ao que mais interessa: na prática, como aplicar o Slow Living nas nossas vidas? Fala-se de yoga, fala-se de meditação e fala-se bem. Ambas são atividades que nos forçam a respirar conscientemente obrigando-nos a estar no momento presente e não com a cabeça no corpo de verão que tanto algemamos. Hoje em dia todos os telemóveis vêm munidos de aplicações ligadas a estas atividades. É possível parar cinco minutos do seu trabalho para um momento de pura conexão com o seu eu, tudo à distância de um simples clique. Acredite: responder a um e-mail cinco muitos depois não irá prejudicar ninguém. Desacelerar também não significa erradicar-se das redes sociais. Ninguém quer que volte à pré-história. Ter uma relação saudável com a Internet sugere que seja a pessoa a dominar o uso da tecnologia e não a tecnologia a dominar a pessoa que a usa – um dos grandes problemas da atualidade, como tanto se tem falado.
Depois, há a questão daquilo que comemos. Na realidade, o fenómeno Slow Living tem as suas raízes no movimento Slow Food, iniciado por Carlo Petrini, na década de 80, em Itália. Favorecendo a alimentação consciente e a conversação, em vez do que se tornou a norma – engolir alimentos em frente à secretária de trabalho –, o Slow Food quis fornecer um antídoto para o Fast Food. Tal como tudo o que defende o movimento Slow, também aqui a ideia é aproveitar o momento presente. Neste caso, saborear cada alimento e deixar que todas as suas propriedades ajam positivamente nos nossos corpos – claro que se trata de algo que só é possível quando sabemos aquilo que estamos a comer, de preferência quando somos nós que preparamos o que comemos, idealmente oriundo daquilo que plantámos (mas não sejamos tão exigentes, pelo menos numa fase inicial). Contudo, as atividades tais como o yoga e a meditação, a alimentação ou o tal contacto com a natureza – um passeio na relva do jardim público (descalça de preferência) por dia não sabe o bem que lhe pode fazer – são apenas algumas técnicas para adotar o Slow Living. Importa reforçar que cada pessoa tem o seu ritmo, o seu gosto e as suas preferências. A única coisa que tem de fazer, impreterivelmente, é saber qual o método ideal para si. Há ainda outra questão que se deve fazer se realmente o seu desejo é embarcar no universo Slow: o que significa para si ter qualidade de vida? Se é ter um carro xpto, uma casa digna de capa de revista e um closet de sonho… Bem, é difícil dizer que não. Na verdade, se lhe caírem do céu, que maravilha! Mas se essa aparente alegria lhe custa rios de stress, desgaste e horas intermináveis de trabalho, sem tempo para viver de verdade, valerá mesmo a pena? Compensará abdicar daquela hora de yoga que a rejuvenesce por completo só para ter mais e mais? Valerá a pena enfrascar-se em antidepressivos para corresponder às expectativas do mundo contemporâneo?

"O conceito de qualidade de vida está deturpado!", exclama Maria do Carmo Stilwell. Por alguma razão, os países mais ricos são os mais propensos a terem os níveis de stress mais elevados, enquanto os mais pobres são aqueles que mais desconhecem o termo ‘depressão’. Resumindo, parece que o ter não traz felicidade de espécie alguma, criando apenas mais necessidades até nos tornarmos insaciáveis – First World Problem! Mais do que viver em câmara lenta, o Slow Living é um incentivo sem regras e tarefas a serem cumpridas. O seu foco estabelece-se na busca pessoal por mais leveza, equilíbrio e consciência para novos e motivadores caminhos descobertos e vivenciados a seu tempo e inseridos com consistência. No fundo, viver sem pressa. É que tal como dizia o Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry, aquilo que é essencial é invisível aos olhos.

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