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“A velocidade pode transformar-se numa fuga aos problemas”

Carl Honoré, uma das vozes mundiais sobre o estilo de vida mais lento esteve em Lisboa e explicou à ‘Máxima’ como mudar o ritmo de vida para melhor.

Foto: Madeleine Alldis
15 de maio de 2019 às 07:00 Aline Fernandez

O escocês Carl Honoré é um escritor premiado, radialista e speaker frequente das emblemáticas séries de conferências TED. É uma das principais vozes mundiais do movimento Slow, através do qual procura provocar o debate na sociedade sobre a necessidade de abrandar nos dias de hoje. Em entrevista à Máxima explicou o que é preciso para que tal aconteça.

Por que há tanta dificuldade em reduzir o ritmo de vida?

Eu acredito que o problema é que temos um tabu muito profundo contra a lentidão. A palavra ‘lento’ tem uma conotação negativa, as pessoas associam-na a chato, estúpido, improdutivo, preguiçoso, infeliz… muitas coisas más. E este tabu torna difícil às pessoas diminuírem o ritmo. Mesmo quando sentimos que pode ser muito bom para nós reduzir, mesmo quando queremos, nós sentimos que não podemos, por causa desse tabu. Faz-nos sentir envergonhados ou culpados e até com medo, o que nos impede de reduzir o ritmo. O tabu está errado. Quando eu estou a falar em lento eu não quero dizer tudo muito, muito devagar. Isto seria pateta, eu não sou um extremista ou fundamentalista, eu adoro velocidade e rapidez também é bom, certo? Mas esta lentidão é fazer as coisas na velocidade certa. Claro, haverá momentos em que será rápido e esta será a forma de ir em frebte, mas há outras coisas que exigem lentidão. Como ler uma história de dormir para o seu filho, não o fará melhor ao fazê-lo rápido. Não faz amor melhor ao acelerar, não degusta uma taça de vinho ao bebê-la muito rápido. Trabalha menos bem quando trabalha muito rápido, comete mais erros, torna-se menos criativo, menos produtivo. Não ouve as pessoas, torna-se mais difícil conectar-se emocionalmente com outras pessoas quando está sempre apressado, sempre distraído, sempre multifunções. Portanto, a lentidão tem que ver com a qualidade. É sobre fazer coisas não o mais rápido possível, mas o melhor possível. E isso afeta tudo, da maneira como faz amor à maneira como trabalha, pensa, anda, come, cria as suas crianças, que se exercita. É sobre fazer as coisas na velocidade correta e, às vezes, a velocidade certa é geralmente menor do que a velocidade que temos hoje.

Falou da forma como educamos as crianças. Foi assim que descobriu que deveria reduzir o seu próprio ritmo de vida...

Sim, naqueles dias eu não conseguia reduzir o ritmo. Eu ia ao quarto do meu filho e eu acelerava a leitura de A Branca de Neve, eu fazia o que chamo de técnica de virar múltiplas páginas, que é quando se tenta virar três ou quatro páginas ao mesmo tempo. A minha versão de A Branca de Neve tinha apenas três anões e era uma situação feia. Eu não gostava, o meu filho não gostava. Chegou ao ponto [em 2002] de eu ouvir falar de um livro One-minute Bedtime Stories [de Shari Lewis, 1982], com A Branca de Neve em 60 segundos. Eu li o título e pensei ‘eu tenho que ter este livro agora!’, eu precisava ler as histórias de dormir ainda mais rápido. Eu entrei no site da Amazon, já a pedir, e comecei a pensar ‘isto é uma loucura! Eu estou mesmo numa tamanha correria que até estou a preparar-se para ler frases de efeito para o meu filho ao invés de uma história? Eu estou a correr com a minha vida em vez de vivê-la’. E isto foi uma chamada de despertar para mim e eu pensei: ‘eu preciso desacelerar e eu preciso perceber o que está a acontecer, por que eu estou tão viciado em ser rápido, em estar ocupado o tempo todo.’ Eu sinto, ao olhar para trás, que eu tive sorte, que o meu 'wake up call' veio com histórias para dormir. O de muitas pessoas vêm com doenças no corpo – o corpo diz-lhe se está a ir demasiado rápido e se está na hora de parar quando se fica doente – ou tem-se um burnout ou algo terrível acontece com a sua saúde. Isto não aconteceu comigo, eu fui sortudo, eu só tive uma história vergonhosa com histórias para dormir, que é uma boa maneira para acordar.

E por que ainda nos sentimos com vergonha?

Eu acho que nos sentimos envergonhados por causa do tabu que mencionei antes, que nos diz que se desacelerarmos somos uns perdedores. O que significa que temos que fazer mais e mais e mais rápido. Contudo não é só o tabu, há obviamente pressões de outras pessoas, outros põe mais pressão em nós para fazermos mais coisas e coisas mais rápido. Algumas vezes a pressão é externa e, eu acho, que a maioria das vezes é interna. Vem de nós, nós pressionamo-nos a nós mesmos a sermos mais rápidos porque engolimos a ideia que mais é mais, que se tivermos mais coisas feitas mais rápido vamos ser mais felizes e mais saudáveis, mas isso é uma mentira. Eu acho também que, de certa forma, velocidade e ocupação tornam-se uma forma de distrair-nos de nós mesmos ou de fugir de nós mesmos, porque quando se desacelera uma coisa o que acontece é ter um encontro consigo mesmo. Você tem que enfrentar as grandes perguntas: ‘quem sou eu?’, ‘qual é o meu propósito e significado nesta vida?’, ‘o que eu estou a fazer aqui?’, ‘que tipo de vida eu preciso viver?’. Estas podem ser perguntas assustadoras para as pessoas e, algumas vezes, é mais fácil ir mais rápido e estar ocupado, assistir outra série na Netflix, ver outra mensagem no Snapchat, ver outro filme no YouTube ou tanto faz, é mais fácil fazer isso do que parar e dizer ‘eu estou bem?’. Faça essas grandes perguntas. De uma forma, a velocidade pode se transformar numa fuga na maneira de negar os problemas que estão a acontecer na nossa vida.

E como podemos fazer esta mudança?

É uma mudança de mentalidade e não vai acontecer da noite para o dia. É um processo. As pessoas são tão impacientes que querem diminuir o ritmo rápido, então eles pensam que amanhã pela manhã eles poderão ter a paz interior do Dalai Lama, mas não funciona assim. Tem que se dar diversos pequenos passos e, algumas vezes terá sucesso e noutras terá que dar um passo atrás. Há coisas que precisam de agenda, precisamos de fazer menos coisas, dar prioridades, deixar coisas que não são tão importantes para lá. É importante com a tecnologia usar o botão desligar para desconectar-se quando se quiser estar presente e ligar quando é preciso estar online e conectado com pessoas noutro lugar e estar um bocado distraído.

Percebo muito isto em restaurantes, nas mesas há casais ou grupos que estão todos ao mesmo tempo no telemóvel.

Eu sei, é uma metáfora terrível para o jeito que vivemos agora. Nós estamos sozinhos juntos. Estamos no mesmo espaço físico, mas na verdade não estamos lá mentalmente. Grande parte de reduzir o ritmo é saber quando ligar o seu telefone e quando desligar e as minhas palavras favoritas estes dias é ‘modo de avião’. A primeira coisa que eu sugeriria para incorporar um estilo de vida mais lento é alguma prática, como meditação, leitura de poesias, pintura, desenho, algo que o vacine contra o vírus da pressa e o ajude a reduzir o ritmo e a construir assim o seu cronograma. Não precisa ser uma hora ou três horas de alguma coisa podem ser cinco ou dez minutos. Uma pequena dose de lentidão pode produzir grandes resultados.

E como é o povo português no que toca a este tema?

Há certas tradições lentas cá, que são muito valiosas e importantes para preservar. Não se vê pessoas a andar por Lisboa muito depressa a beber copos do Starbucks. As pessoas ainda param, sentam-se, tomam um café e têm um momento lento. As pessoas cá levam mais tempo a comerem juntas ou a almoçar no trabalho. Há pessoas em Londres ou noutras cidades a comerem no seu computador. E estas não são coisas das quais se devem envergonhar, são motivos de orgulho. De facto, nos países mais rápidos, alguns do Norte, estão a tentar trazer estas tradições de volta, porque elas são boas para nós. Portugal estava certo o tempo todo nalguma dessas coisas e é importante não estar com vergonha e ter orgulho delas e garantir que as preserve. Por outro lado, é claro, há muito do que eu chamo de ‘mau lento’ em Portugal. Burocracia ineficiente, coisas que levam demasiado tempo e isso torna difícil para as pessoas reduzirem o ritmo, porque estão a perder tempo em coisas que não deveriam. Há coisas que precisam ser aceleradas e serem mais eficientes para que outras diminuam o ritmo. Portanto há uma característica mista em Portugal, eu acho.

 

Carl esteve em Lisboa para a Conversa com Vagar, no Centro Cultural de Belém, esta terça-feira, dia 14 de maio, ao lado do professor da Universidade Católica de Lisboa Ricardo Ferreira Reis e do Dr. José Roquette, Presidente do Conselho de Administração do Esporão.

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