Paulo Branco assina carta aberta que defende Gérard Depardieu, investigado por violação
Publicado no jornal Le Figaro, o texto descreve o ator como “o último monstro sagrado do Cinema.” O produtor Paulo Branco junta-se a uma longa lista de nomes que inclui a ex-companheira, Carole Bouquet e Carla Bruni.

Com um propósito insólito e assinada por uma longa lista de personalidades de várias áreas, a carta aberta publicada no jornal Le Figaro com o título "Não apaguem Gérard Depardieu" diz não querer fazer parte da polémica que opõe o ator a uma longa lista de alegadas vítimas de agressões sexuais. No entanto, está a ser recebida com estupefação pela opinião pública em França. Escrevem os autores do texto em defesa de Depardieu: "Somos artistas, escritores, produtores de Cinema e é com essa designação que nos exprimimos (...) Gérard Depardieu é certamente o maior dos atores, não podemos continuar a calar-nos perante o linchamento que se abate sobre ele, perante a torrente de ódio que se derrama sobre a sua pessoa, sem nuances, na mais completa amálgama e à revelia de uma presunção de inocência de que ele teria beneficiado, como toda a gente, se não fosse o gigante do Cinema que é."

Assinada por nomes como Carole Bouquet, com quem o ator manteve uma relação durante vários anos, ou pela outrora primeira-dama Carla Bruni, na lista inusitada de assinantes encontra-se também o antigo diretor da revista Cahiers du Cinema, Serge Toubiana, a atriz Emmanuelle Seigner casada com o realizador Roman Polanski, que admitiu ter violado uma jovem de 13 anos em 1977.
Na carta lê-se ainda: "Queremos recordar todo o bem que este homem nos fez ao longo da sua vida. Tanto a nós, artistas, como a tantos espetadores. Fazer um grande filme não é uma tarefa fácil, certo? Fazer com que sejamos capazes de ouvir a língua de Molière, Marcel Aymé, Bernanos, Marguerite Duras ou Peter Handke como nenhuma outra? Ajudar a difundir pelo mundo o Cinema de Truffaut, Pialat, Ferreri, Corneau, Blier ou Bertolucci é qualquer coisa! Para o bem do Cinema e do Teatro, esperamos vê-lo emprestar a sua alma, o seu físico e a sua voz única às obras que ainda o esperam."
O nome do produtor de Cinema Paulo Branco surge ao lado, por exemplo, da cantora e estrela de reality-shows Afida Turner. Paulo Branco, que há décadas exerce o seu trabalho entre Portugal e França, produzindo filmes nos dois países, trabalha com grandes nomes tais como Raúl Ruiz, David Cronenberg, Manoel de Oliveira, numa longa lista de coproduções nacionais e internacionais. Além de produtor, Branco é distribuidor de Cinema e organiza desde 2007 o Lisbon & Estoril Film Festival, trazendo figuras da indústria a Portugal para apresentar as suas obras. A carta publicada no Le Figaro conclui, "Aconteça o que acontecer, ninguém conseguirá apagar o traço indelével da sua obra, que marcou para sempre a nossa época. O resto, todo o resto, é sobre Justiça; apenas Justiça. Em exclusivo."

Os factos e as acusações que envolvem Depardieu
A 27 de agosto de 2018 a jovem atriz Charlotte Arnould apresenta queixa contra Depardieu. Acusa-o de a ter violado duas vezes na sua casa de Paris, com dois dias de intervalo. A atriz tinha 22 anos na altura. Depardieu é ouvido pela polícia, mas não fica sob custódia. Em 2019 a queixa é arquivada. A atriz apresenta nova queixa contra o ator em 2020, abrindo uma investigação. Na altura, um juiz de instrução diz existirem indícios graves contra o ator. Depardieu começa então a ser investigado por violação.
Em abril de 2023 várias mulheres testemunham contra Depardieu. O site Mediapart publica uma investigação com 13 testemunhos que descrevem a forma de operar do ator quando está nas rodagens de um filme – uma das atrizes que foi agredida durante as filmagens diz que "havia tantas testemunhas oculares (...) e ninguém disse nada." O ator nega todas as acusações.

Em setembro de 2023, a atriz Hélène Darras apresenta queixa à justiça por factos relacionados com uma "agressão sexual" que terão acontecido em 2007. Em dezembro de 2023, em Espanha, Ruth Baza, escritora e jornalista descreve uma série de acontecimentos que terão ocorrido em 1995 quando ela tinha 22 anos. Ruth tem atualmente 51. A polícia espanhola qualifica-os como uma violação, mas, como estão prescritos, há poucas chances que esta queixa chegue a algum lado.
Reportagem sobre o ator na Coreia do Norte choca França
A 7 de dezembro deste ano a televisão francesa emite uma reportagem com o nome A Queda de um Ogre num reputado programa televisivo chamado Complément D’Enquête. São divulgadas imagens de uma viagem realizada por Depardieu à Coreia do Norte em 2018. Em francês, o ator fala às pessoas que estão à sua volta, enquanto olha para uma menina de 12 anos que monta a cavalo num clube de equitação. Não hesita em sexualizar o seu corpo, diz que o facto de montar a cavalo a excita. Ao longo da reportagem agride verbalmente várias vezes a intérprete que o acompanha, traduzindo o que se passa à sua volta.

França recebe estas imagens com choque e repúdio. A ex-companheira do ator Carole Bouquet questionou esta semana a seriedade e veracidade da montagem do programa televisivo, enquanto promovia a série de Ruben Alves no programa Quotidien. "Julgava que o Complément D’Enquête era um bom programa, mas é uma merda o que eles fazem." Revelou ter medo pela vida do ator, evocando o ódio que se abateu sobre ele, entretanto.


Quando na semana passada, numa longa entrevista ao programa C à Vous, o presidente francês Emmanuel Macron abordou esta mesma reportagem utilizou o termo "caça ao homem" para defender o ator. Macron estava a ser entrevistado para explicar a sua polémica lei de emigração, mas foi o estranho momento em que se obstinou a defender Depardieu que saltou para as capas dos jornais do dia seguinte. Falou do ator como "um orgulho nacional" e proclamou-se inatacável no que toca à violência contra as mulheres. "Porquê?", perguntaram-lhe. "Porque foi duas vezes erguidas como causa principal no meu mandato de cinco anos." O jornal Libération não tardou a classificar as palavras do presidente num texto com o título "Presunção de Indecência". Macron revelou, assim, ser indiferente ao movimento #MeToo, defendia o artigo.A carta aberta, publicada hoje no Le Figaro, parece esquecer as vítimas de agressão, que não chegam a ser lembradas no texto. Conseguirá o talento do ator aparentemente caído em desgraça apagar tudo?
