Crónica Dating em Lisboa

Os homens já não vão comprar cigarros, mas continuam a sumir

Assim Nasce uma Estrela (2018).
Assim Nasce uma Estrela (2018). Foto: IMDB
31 de março de 2023 Maria Pestana

"Não te metas nisso. Os músicos são do pior que há", dizia a minha colega de casa enquanto preparava o jantar para o novo namorado, um daqueles engravatados indiferenciados que vemos no metro todos os dias de manhã. Estávamos na cozinha, ela cortava cenouras e eu bebia um copo de vinho encostada à bancada. Uns dias antes tinha começado a trocar mensagens com um músico que conheci no Tinder e a voz da sabedoria, neste caso, assumida por ela, dava-me conta de todos os dissabores de namorar com alguém do mundo artístico. "O ego, a melancolia, parece tudo muito bonito e interessante ao início, dizem-te coisas maravilhosas, mas depois acaba em manipulação e loucura. Ah, e se esse tipo alguma vez te pedir opinião sobre músicas que anda a compor não dês! Porque tu vais ser honesta e ele vai ficar lixado", dizia ela e eu acenava em concordância, mas ambas sabíamos que terminada a nossa conversa eu ia alinhar num date com ele.

A verdade é que estava aborrecida, não saía com ninguém há algum tempo e o Tinder pode ser uma imensidão de nada de onde, por vezes, alguém se destaca. Foi o caso dele que para iniciar conversa, em vez do habitual "Olá!" ou do insultuoso "F*des?", optou por perguntar por que raio eu tinha escolhido nome de participante de reality show para estar numa app de dating. Erro de principiante, mas por lapso fiquei inscrita como "MariaP" e, por preguiça, não alterei. Por isso, o seu comentário fez-me rir. Começámos por beber um café no quiosque perto de minha casa, depois combinámos um copo num sítio novo com vinhos orgânicos. Ele tinha piada, um ar desgrenhado, mas era ao mesmo tempo um pouco tímido, ficava a olhar-me de esguelha e a avaliar a situação com cautela, o que me dava margem para agir com atrevimento e ligeiro mau feitio.

Um dia, confidenciou-me que estava a trabalhar em duas músicas novas. "Posso ir aí mostrar-tas? É que és meio bruta dos queixos, sei que vais ser sincera". "Ora bolas, cá vamos nós", pensei. Algumas horas depois estávamos deitados na minha cama e ele carregava no play. A música começou e permaneci calada durante mais tempo do que seria expectável. "Não gostas?", "Mostra-me a outra, por favor. Opino no fim". Ele colocou a segunda música e, mais ou menos a meio, afirmei: "Isto não és tu. Estás a tentar demasiado. O que te faz tu, és tu e uma guitarra. Esta música tem demasiados arranjos para ti e não tens de fazer este género de música só porque todos andam a fazer". Ele passou a mão pelo rosto, como que para limpar da expressão a dureza do que lhe tinha acabado de dizer. Suspirou e soltou um "pois". Não sei se ficou chateado comigo, mas tenho a certeza de que o seu pénis ficou quando, alguns minutos depois, entre beijos e apalpões percebi que não queria nada comigo.

Algumas semanas mais tarde, o meu apartamento alugado entrou em obras e eu vivia no meio do caos. Querido, ofereceu-se para que eu me mudasse para sua casa durante o tempo que precisasse. Neguei educadamente ao início, mas desesperada com a situação acabei por lhe escrever uma carta que intitulei de "Pedido de Asilo Temporário" que começava mais ou menos assim: "Maria Pestana vem por este meio realizar um pedido de asilo temporário por se encontrar desalojada e expropriada do seu querido quarto até… - bom, dependendo do clima, da motivação dos senhores das obras e do sacana do mercúrio retrógrado, diremos que não faço puto de ideia até quando". E depois incluí alguns fatores a considerar, tais como, ter bom humor matinal, um rabo excelente, cheirar a colónia de bebé e gostar de sexo matinal desde que os dentes sejam lavados. Assim que leu a mensagem que tinha acabado de lhe enviar ligou-me a rir. "Prepara as tuas coisas, vou buscar-te", disse. Concordei, mas ressalvei que iria por uma noite, para experimentar e que não me mudaria para já de forma mais prolongada. "Parece-me bem! É bastante sensato da tua parte, vai que não nos damos bem", concordou. E por "vai que não nos damos bem" ele queria dizer "vai que entro em modo depressivo melodramático e tenho de te ir levar a casa" – sim, neste ponto, eu já estava ligeiramente familiarizada com os conceitos. Mesmo assim, insisti. Peguei numa mochila e lá fui eu.

Nessa noite, jantámos em frente à televisão. Vimos um debate político e, enquanto ele timidamente expunha as suas ideias políticas, eu atiçava-o com as minhas. Acabei por admitir que só o fazia para o provocar e que, no fundo, tínhamos ideais bastante parecidos. Antes de irmos para a cama, tocou-me uma música, mas desinteressada como sou voltei ao velho "ok, já sei que tocas bem, mas o que há para além disso?". Um monte de dúvidas e inquietações parecia ser a resposta de quem procura recuperar a carreira de músico em Portugal depois de ter tido um ligeiro sucesso que sumiu como o vento. Afirmava não ter interesse em viver da música, ia-o fazendo por gosto, mas as suas atitudes demonstravam o contrário. Ainda havia uma réstia de esperança e eu, pespineta e indiscreta, tocava nos pontos sensíveis como ele tocava nas cordas da viola – com mestria e sabedoria, porém, ambos caminhando para o fiasco.

Na cama, o pénis manteve o desinteresse em mim, mas a sua língua demonstrou-se competente o suficiente para ainda hoje o recordar como o melhor sexo oral que alguma vez recebi. E, nesse contexto, acabámos por falar sobre brinquedos sexuais. O Satisfyer 2 estava na berra nessa altura e comentei que tinha curiosidade em experimentar. "Comprei um para a minha ex-namorada. Está ali intacto dentro da caixa. Queres que vá buscar?". E foi assim, depois de confirmar que ela nunca o tivera utilizado dada a caixa estar ainda selada, que tive a minha primeira experiência com um sugador de clítoris. "Overrated", comentei, mas admiti que o facto de estar ali a olhar para mim, à espera de uma reação, podia ter deturpado a experiência. Passámos o dia seguinte em teletrabalho, lado a lado, no sofá. Ao final da tarde, levou-me a casa. "Vou passar pelo supermercado. O que queres que te compre para ficar lá em casa?", perguntou. "Leite de amêndoa", pedi. "Boa, eu também bebo, vou comprar". No dia seguinte, preparei a mala, incluí vários pares de cuecas assumindo que a estadia seria mais longa, mas ele nunca apareceu, nem deu qualquer explicação. É curioso como nesta nova geração os homens já não desaparecem para comprar cigarros, agora, vão comprar bebida vegetal de amêndoa. Seria de esperar que estivessem mais saudáveis, no entanto, nem por isso.
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