"Duas pessoas conheceram-se, conversaram, riram-se; possivelmente, apaixonaram-se, mas tudo acabou ali."
“Demos dois beijos, como amigos. Beijos nas faces. Mas segurou-me o braço como se sermos amigos fosse pouco. E eu segurei-a pela cintura.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

Quando ela usava aqueles vestidos de verão, eu não conseguia parar de ver - as fotografias, os vídeos, tudo. Conheci a Magda ainda antes de a conhecer. Ela era só uma figura do Instagram que alguns amigos meus - três ou quatro - seguiam porque a conheciam, ou porque acompanhavam as intervenções dela. Mas eles punham-se a ver aqueles vídeos, ela a falar do comunismo e do marxismo e das lutas de classes e do feminismo e do interclassismo intrínseco e necessário ao debate - e eu vou ser sincero: só dava atenção àqueles vestidos de alças, alguns com laços de atar atrás do pescoço, e toda aquela pele à mostra nas costas, no decote, debaixo dos braços, tudo num elegante festim de pele e curvas. Eu parava - mas parava mesmo - a olhar para os contornos empinados que lhe saíam do peito. E a Magda a falar, no seu brasileiro nordestino, uma voz aguda e desengonçada, que nem batia certo com toda aquela beleza, mas que lhe emprestava uma estranha graça, por ser inesperadamente descabida sem estar errada.
"Vem ter a minha casa, hoje vais conhecer a Magda." O Ricardo mandou-me esta mensagem no verão passado. O Ricardo e eu somos amigos desde há muito. Desde há tanto tempo que nos damos ao luxo de discordar em praticamente tudo o que importa na vida, desde o clube do coração até à cerveja preferida, do ananás na pizza à orientação ideológica - o resto importa pouco para o caso, mas, quanto às ideologias, ele é marxista-leninista, já eu acredito na social-democracia e num certo tipo de liberalismo, que ele abomina e odeia de modo visceral, e cujos frutos eu assinalo em todos os gestos e objetos que lhe compõem e enriquecem o quotidiano. "Podes renegá-lo, mas não lhe podes escapar", digo-lhe. Ele ri-se, mas não gosta.
O Ricardo é um dos meus amigos que seguiam a Magda nas redes sociais. Ele gostava mesmo de ouvir os discursos e as ideias dela, os debates que ela lançava, os desafios, e as ideias que ia buscar a pensadores modernos que faziam do marxismo o seu ponto de partida. Não sei dizer o nome de nenhum.
Foi quando me passou, por mensagem, um desses discursos - este era acerca do desequilíbrio do mercado liberal por supostamente camuflar as desigualdades no ponto de partida, ou qualquer coisa do género - que vi a Magda pela primeira vez. Comecei a segui-la e mandei mensagem ao Ricardo a dizer "finalmente, mandas-me uma sugestão de jeito". Intrigado, perguntou-me se concordava com o que ela dizia. Respondi-lhe com um smiley dizendo que não dei muita atenção.

Acedi ao convite do Ricardo e fui a casa dele. Finalmente, iria conhecer a Magda. Era um jantar informal, claro. Pessoal da esquerda mista, ora progressista nos assuntos fraturantes, ora conservadora nos princípios orientadores, tudo de t-shirt, nem um pólo à vista, nem uma camisa. Classe operária a ser classe operária. Ou, melhor dizendo, a nova burguesia urbana vestindo-se de classe operária. Adiante. A indumentária do grupo fez com que me destacasse: vesti uma camisa lisa, cinzento-escuro, mangas arregaçadas. Não sendo nada de especial, transformou-me subitamente num homem bem vestido.
Entrei, cumprimentei o Ricardo e a namorada, a Clarinha, a quem ofereci a garrafa de vinho da praxe - "uau, Carlos! Não era preciso tanto", reagiu a Clarinha, mesmo tratando-se de um vinho que não custava nem dez euros - e entrei. Cada um com seu copo ou sua cerveja na mão, todos - talvez dez ou doze pessoas - conversavam animadamente enquanto comiam acepipes de vários tipos, dos tremoços aos torresmos, das castanhas de caju às fatias de paio e de queijo de cabra fresco. Ao fundo, uma figura exuberante exclamava numa voz esganiçada e perfurante "meu Deus, isso aqui é tudo maravilhoso!" Era a Magda e eu acho que me apaixonei por ela nesse instante - não por ser tão atraente e sexy como eu imaginava a partir dos vídeos e fotografias no Instagram, mas antes por ser desajeitada, mas desajeitada a um ponto quase infantil, como se alguém a tivesse acabado de chamar para casa depois de ela ter andado a esgravatar na terra e a jogar ao berlinde.
A Magda reparou em mim. É natural, eu tinha uma camisa vestida, ao contrário dos seus camaradas revolucionários todos. Eu servia-me de queijo fresco usando um garfo e sem recorrer aos dedos. Eu usava guardanapo. Além disso, eu olhava para ela fixamente. Aproximou-se de mim e disse "ah, você que deve ser o Carlos… o liberal, né? Ahah". Não abri a boca. Toquei com o meu copo no dela como se brindasse. Então, falei: "saúde", disse eu, "tchin-tchin", disse ela, o que me surpreendeu, porque estava à espera que dissesse "hasta la victoria!" ou um outro cliché qualquer desses que eles dizem lá entre eles.
Falámos muito, eu e a Magda. Deixámos de parte a política e as ideologias. Eu não queria evangelizar ninguém, e também não estava disposto a ser reeducado. Foi preferível assim. Falámos da vida comum, dos percursos, das amizades. Inevitavelmente, das diferenças e semelhanças entre Portugal e Brasil, entre Lisboa e Salvador, a comida, as maneiras de estar, as expressões curiosas, o clima. Magda contou-me que vivia em Itália há já alguns anos. Terminara o curso na Bahia e fizera doutoramento em Portugal. Por cá, viveu e estudou em Coimbra. Não correu bem. Teve por lá um namorado de famílias abastadas e aristocráticas - "todo o mundo votava CDS e gostava de tourada", contou-me, rindo-se. Houve amor, mas não havia tudo o resto. Fizeram-lhe a vida negra na academia, segundo conta.

Falámos de relações. Eu, solteiro desde sempre, saltitando de namoro em namoro, sem amarras nem compromisso; ela vivendo a vida de mulher emancipada, mas com um casamento pelo meio. Com um italiano de quem tem uma filha. Tudo aconteceu quando se mudou para Roma - conheceu-o, envolveram-se, foi tudo rápido, ela engravidou, casaram. Divorciaram-se dois anos mais tarde. Desde então, tenta manter-se clarividente e independente, não quer correr riscos, não quer passar pelo mesmo, "uma separação duríssima com uma criança no meio, num país distante do meu".
Para que a conversa não se tornasse ainda mais densa e pesada, perguntei-lhe sobre Itália, país que mal conheço. Falou-me de Roma, onde vive e trabalha, e de Pisa e de Florença, onde regressa sempre que pode - tem mesmo um pequeno apartamento em Florença, que ora aluga como alojamento local, ora usa como refúgio para escapadinhas. Contou-me que vai de Roma a Florença em menos de hora e meia, "é um pulinho". Gracejei, "se fosse num comboio português, demorava muito mais". Gozou comigo, "se fosse num comboio português, não dava para andar na Itália, né Carlos? Os trens só andam nos carris". Touché. Rimo-nos. Fomos cúmplices. E o telefone dela tocou. Atendeu, levou o seu tempo. Parecia preocupada, a tentar resolver alguma situação.
Quando desligou, pegou nas suas coisas e veio ao pé de mim, mas só para se despedir. "Desculpa, vou ter de sair." Demos dois beijos, como amigos. Beijos nas faces. Mas segurou-me o braço como se sermos amigos fosse pouco. E eu segurei-a pela cintura, tentando mostrar-lhe que a amizade não era nada, comparando com tudo o que eu estava a sentir ali, naquele momento. "Quando é que eu te vejo?", perguntei. "Vem me ver lá em Roma", disse ela. "Fico esperando você." E saiu, com pressa.
Desde então, não soube muito bem como lidar com o que aconteceu - porque, na verdade, nada aconteceu: duas pessoas conheceram-se, conversaram, riram-se, entenderam-se; possivelmente, apaixonaram-se, mas tudo acabou ali, como um fogo que se extingue ao fim de dois minutos, ainda mesmo antes de ter ardido e de ter feito estragos. Continuei a seguir a Magda nas redes e ela passou a seguir-me também. De vez em quando, lá púnhamos um coração nas publicações um do outro. Pontualmente, uma mensagem breve, um "como estás?", um "que bela vida ahah", coisas infantis desse género. Mas nunca prolongámos nem aprofundámos conversas. Não fazia sentido - não faz sentido pegar numa mão cheia de nada e soprar para ela, para a insuflar. Insuflar o quê?

Há duas semanas, o meu diretor chamou-me para uma reunião informal. Mandou-me sentar e perguntou-me "tens compromissos para daqui a duas semanas?" Disse-lhe que, assim, de repente, não me lembrava de nada. "Queres ir a Roma? Tenho lá um cliente que nos quer conhecer, mas eu não posso ir, vou estar no Dubai." Trabalho num atelier de arquitetura, os projetos do Médio Oriente não só abundam como são altamente apetecíveis. "Roma? Acho que sim", disse eu. "Quanto tempo dura a viagem?" "Três dias devem chegar. Se for preciso, prolonga-se. De qualquer modo, não somos nós que pagamos ahah." Aceitei. E assim que saí da sala, mandei DM para a Magda. "Vou a Roma daqui a duas semanas. Vais estar na cidade?" Não me respondeu logo. Demorou e demorou e demorou. Já estava a ficar demasiado nervoso, ansioso mesmo, quando recebi a notificação. Abri. "Vem logo! Já pensava que você nunca mais vinha. Continuo à tua espera." Estou na porta de embarque, Magda. Até já.
* Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.

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