Excerto

Luísa Castel-Branco: "Casei com o meu único namorado e o mistério do sexo e dos sentimentos estava-me vedado"

A jornalista e apresentadora acaba de publicar 'O Amor é uma Invenção dos Pobres', o segundo volume de uma trilogia sobre a sua vida pessoal, entre o crescimento profissional, a maternidade e o amor. A Máxima revela um excerto.

Foto: © Mario O Santos | Contraponto
25 de novembro de 2022 Máxima

"A vida dá muitas voltas, ou pelo menos a minha sempre deu. Talvez porque eu agarrava os desafios bem de frente, sem saber qual o futuro, nem definir uma estratégia para os anos que aí vinham. Eu simplesmente corria e corria sempre. E, desde que eu ganhasse dinheiro, que estava e está sempre em falta, era o que tinha de fazer e nada mais. Enquanto trabalhava e ia fazer cruzeiros, continuei a estudar marketing e a perseguir o meu sonho de jornalismo.

Foi através da saudosa Madalena Fragoso, filha de um grande jornalista amigo do meu pai, que entrei para o Semanário, no tempo em que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa era diretor, e comecei a escrever nas páginas sobre mulheres. Também pela sua mão, entrei no grupo fundador da revista Máxima (cujo nome foi inventado por mim) e integrei os quadros da redação. Escrevia ainda na revista Marketing & Publicidade. O meu marido ficava escandalizado: como é que eu ganhava vinte e dois contos a escrever textos? Coisas que me saíam da máquina sem dificuldade nenhuma. Esta minha facilidade de escrita era desconhecida de toda a gente e nem haveria razão para ser diferente, atendendo a que não tinha importância nenhuma.

Foi numa destas correrias, entre vender cruzeiros (sem receber um tostão), a escrita, os filhos e um casamento que já não existia, que entrei de rompante na minha nova vida.

«Sabe o que faz um assessor de imprensa?»

«Claro que sim.»

Pura mentira. A única coisa que sabia sobre o assunto era o que tinha lido em livros estrangeiros. Mas, e uma vez mais, lá estava eu a mergulhar de cabeça. Decorria então o ano de 1987 e o governo minoritário do Prof. Cavaco Silva. Após uma reunião com o ministro, ali na Praça do Comércio, num gabinete gigante, eu a tremer por dentro mas com um ar absolutamente descontraído, fiquei de receber a resposta passados alguns dias. Nem tempo tive para pensar porque, entretanto, o governo caiu.

"O Amor É Uma Invenção dos Pobres", editado pela Contraponto. Foto: DR

Foi nesse primeiro cruzeiro que o meu corpo foi surpreendido por uma atração sem explicação por um desconhecido. Ou melhor, eu conhecera-o num qualquer momento no paquete e conversávamos sempre que podíamos. De nacionalidade inglesa, viajava com a mãe, uma mulher sisuda, fria, mas cujos olhos se iluminavam quando o via. Era culto, bem-falante e tinha um sentido de humor que me encantou. Quando dei por mim, várias coisas nele me seduziam e conheci pela primeira vez algo parecido com o encantamento de que Alberoni falava. Fizemos passeios sozinhos em cada porto. Quedámo-nos perante o sol da meia-noite numa atmosfera elétrica, em que os dois parecíamos estar prestes a explodir num frenesim de emoções, que para mim eram um poço de surpresas e admiração.

Casei com o meu único namorado e já vos disse o quanto o mistério do sexo ou dos sentimentos me estava vedado. Mas, daquela vez, aconteceu e perdi o norte e descobri uma miríade de sensações e sentimentos, tudo colado com a espuma das águas e o vento forte batido. Despedimo-nos em lágrimas e abraços e, quando cheguei a Lisboa, disse tudo ao meu marido, meu melhor amigo, meu companheiro e pai dos meus filhos. Viria a saber mais tarde que ele há muito tinha procurado e arranjado companhias para compensar a crise palpável no nosso matrimónio.

Mas isso não interessava. A pergunta é porque fiz eu aquilo e o que viria a seguir. Essa pergunta faço-a hoje, não a fiz então. A culpa embrulhou-me de tal forma, que mais parecia uma mortalha. E paguei cara e longamente o meu erro. Passei a sobreviver à conta de ansiolíticos e antidepressivos. Emagreci tanto, que cheguei a ir várias vezes ao hospital, porque os órgãos paravam. Pesava menos de quarenta quilos e não aguentava comida no estômago.

Todos os fantasmas se uniram para dançar à minha volta, num rodopio que me roubava as noites e os dias, e eu continuava como um autómato. Os meus filhos nunca assistiram a uma única discussão. O horror que eu tinha da minha infância impedia-me de lhes dar a mesma vida. Não houve nem gritos, nem discussões, nem violência. A única violência era a que eu exercia sobre o meu corpo, que ia cedendo pouco a pouco. Um dia, cheguei à Cuf Infante Santo com uma enorme dor e vómitos. Na urgência, fizeram os testes e análises necessários e, horas depois, um médico, sem um sorriso no rosto nem ponta de humanidade, com os resultados todos na frente, vira-se para mim, ignorando o meu marido ao meu lado, e diz:

«Porque é que é tão infeliz?»

Mas ninguém nos disse que a vida ia ser fácil. E tudo continuou exatamente na mesma."

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