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Recordar a história de Madonna. Da ascensão às causas, à ligação a Portugal

Recordamos este texto de Tiago Manaia, escrito em 2021 para a Máxima, no dia em que Madonna faz 66 anos: "Madonna acorda Nova Iorque para o Pride com a cumplicidade do português Ricardo Gomes".

Madonna, 2021
Madonna, 2021 Foto: Ricardo Gomes
16 de agosto de 2024 às 17:00 Tiago Manaia

Madonna regressou ao ponto onde tudo começou. Na história da sua carreira, as batalhas em prol dos direitos LGBTQ+ anunciam-se sem fim. E assim, na noite de 24 de junho [de 2021], ocupou os ecrãs de Times Square, em Nova Iorque, com uma mensagem de esperança. "Coragem, sem medo, resistam". Acordava a cidade para os festejos da Gay Pride, que deverão durar todo o fim de semana.

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Durante décadas, a cantora contou em entrevistas ter chegado do Michigan, onde cresceu, àquelas ruas, vestida com um casaco de inverno demasiado quente para os dias de julho de 1978. Tinha poucos dólares no bolso, apanhou um táxi e pediu ao motorista para a deixar no meio de tudo. O mito nasce nesse relato – Madonna ficaria a vaguear em Times Square até um desconhecido lhe oferecer um local para pernoitar. Era bailarina, a música só chegaria anos mais tarde à sua vida. Em 1983, os clubes já só passavam Everybody, o seu primeiro single, onde pedia para nos deixarmos levar pela música.

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Ao telefone, a Máxima falou com o fotógrafo madeirense Ricardo Gomes, que segue a cantora desde 2019, documenta a sua vida para o mundo digital e na imprensa, e fez também a direção criativa deste happening para o Pride. "Nos vídeos que ocuparam os ecrãs [durante a performance] quisemos reforçar esta mensagem presente na carreira de Madonna. Esta ideia de lutares para ser aquilo que queres, e defenderes a tua liberdade de expressão sem tomar nada como garantido, especialmente no momento que vivemos agora." Ricardo está no alto do The Standard Hotel, que foi ocupado na mesma noite por uma festa, na discoteca  Boom Boom Room, com vista para os arranha-céus de Manhattan. 

A mítica Honey Dijon, figura incontornável das pistas de dança mundiais, deu música ao público que aguardava as aparições de Madonna nessa noite. "Foi eu que as apresentei em Chicago, nos bastidores dos concertos da digressão Madame X. Nessa noite, Madonna pediu à Honey para fazer o tradicional discurso em modo reza, antes entrar em palco com bailarinos e músicos", conta Ricardo. A festa de Madonna, junta-se aos acontecimentos que têm agitado Nova Iorque nas últimas semanas, a população já vacinada quebra o silêncio causado pela pandemia. 

Enquanto as imagens da cantora desfilaram nos ecrãs de Times Square, polaroids foram divulgadas na revista fundada por Andy Warhol, a Interview. Vendidas em leilão, as fotografias contribuíram para apoiar e chamar à atenção de abrigos LGBTQ+, cruciais nestes meses em que muitas pessoas da comunidade se depararam com violência ao serem forçadas a ficar em casa, sem poder pedir ajuda, ou por ficarem sem ela.

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Nos GLAAD Awards, em 2019, Madonna viu a sua luta reconhecida com uma distinção. "O primeiro gay que conheci chamava-se Christopher Flynn, era o meu professor de ballet no liceu, e foi a primeira pessoa que acreditou em mim, ele fez-me sentir especial, como artista e enquanto ser humano. Fui com ele, pela primeira vez, a uma discoteca gay em Detroit, e essa noite mudou a minha vida (…) Vi uma liberdade e felicidade que nunca tinha testemunhado, senti que não estava sozinha, aquela noite deu-me esperança", disse Madonna comovida no seu discurso. Terá sido este professor que a empurrou para o voo que a levou até Nova Iorque.

Já em 1987, quando a epidemia da sida atacava sobretudo a comunidade gay, Madonna começou uma batalha de activista – diz nunca ter sido em vão. O mundo cantava em coro Who’s That Girl, hit melancólico que ocupava o número 1 das tabelas de venda, "ilumina-me a vida, estou cega, quase não consigo ver", dizia a letra. O caminho seria realmente solitário, durante décadas, esteve sozinha no mainstream a elevar a mensagem de prevenção na luta contra a sida. Ronald Regan, à frente do governo norte-americano, recusava abordar o tema. Hollywood não tinha representatividade, a comunidade gay tentava arranjar terapias alternativas de tratamentos no México, a ciência não avançava com a rapidez necessária. 

Quando em 1987, Madonna visitou uma ala do Hospital St. Vincent em Nova Iorque e abraçou doentes sem preconceito, os rumores espalharam-se. Estava também doente. "No fear", não era importante o que se dizia sobre ela, sempre foi essa a sua atitude, pouco importavam os rumores. 

Em 1989, o álbum Like a Prayer, trazia campanhas de prevenção ao lado das letras das canções. Madonna educava os jovens que queriam ser como ela, falava de sexo protegido, fazia o trabalho que o governo evitava. A canção Vogue, de 1990, homenageava a comunidade gay de Nova Iorque, o Voguing era um estilo de dança onde se tentava contornar a realidade que se tinha tornado demasiado dura. Os voguers sonhavam nos momentos em que dançavam. 

No ano seguinte, a MTV proibiu-lhe o vídeo Justify My Love, realizado pelo francês Jean-Baptiste Mondino, as cenas de sexo multiplicavam-se, os corpos eram andróginos e Madonna aparecia a beijar na boca uma mulher. Era essa a razão real da proibição. 

O filme Na Cama com Madonna (1991) marcou uma geração na forma como abordava temáticas LGBTQ+. Contava como eram os bastidores da Blond Ambition Tour, mostrava a vida dos seus bailarinos gay, dando-lhes voz. A cantora estava no auge, mostrava-se impiedosa nos assuntos que abordava, a opinião pública reagia chocada, os seus concertos chegaram a ser considerados satânicos pelo Papa João Paulo II. 

Foto: Getty Images

No livro Sex, onde as suas fantasias sexuais foram fotografadas por Steven Meisel, a supermodelo Naomi Campbell e a atriz Isabella Rossellini aparecem ao seu lado. E no meio de tanta atividade artística, a sida levava os seus colaboradores mais próximos, como Keith Haring ou Herb Ritts. Dedicou-lhes canções e concertos.

Já na década de 2000, o beijo que Madonna deu nas bocas de Britney Spears e Christina Aguilera nos MTV Awards, parecia ser uma passagem de testemunho, mas estariam estas jovens cantoras dispostas à mesma provocação? Madonna beijava-as para que a sua mensagem continuasse a espalhar-se entre públicos mais jovens. 

Foto: Getty Images

Em 2012, a Rússia fixou uma lei parecida com a promulgada por estes dias na Hungria pelo primeiro-ministro Viktor Orbán. Proibiam aquilo que consideram ser propaganda homossexual em público, dizem ser nociva à educação dos jovens. Nos seus concertos em Moscovo e São Petersburgo nesse ano, Madonna gritou liberdade e igualdade de direitos para todos. O governo de Moscovo pede-lhe desde então um milhão de dólares de multa por ter feito propaganda gay.

"É preciso continuar a espalhar a mensagem", diz-nos em português Ricardo Gomes. Evoca a sua maneira de trabalhar com a cantora, "a maior parte das coisas que fazemos ganha vida no improviso, tudo acontece de forma muito orgânica com ela." É essa naturalidade orgânica que sentimos em Madonna no que toca os direitos LGBTQ+, é preciso dançar, seguir-lhe os passos, não parar. O mundo será o nosso palco.

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