"Por mais que as influencers tentem, nunca vão ser uma Kate Moss"

A idade vai ser o último tabu a cair. E quem sofre são as mulheres.

Foto: Getty Images
18 de novembro de 2021 às 07:00 Patrícia Barnabé

Os anos são números bons, mas a sociedade sempre lidou mal com a idade, principalmente com a das mulheres. E não tende a melhorar. Como o machismo e o racismo, nos quais "ninguém" se revê mas há sempre aquela lasquinha que nem parece notar-se, o lastro do tempo de todas as gerações espelhadas na força do hábito, a idade continua a ser uma questão. Não tivesse um grupo de idosos sido recebido em La Línea de la Concépcion, em Cádis, com pedras e explosivos numa transferência de lar durante a fase histérica da pandemia e o Miguel Sousa Tavares nunca teria escrito o seu último livro sobre que mundo é este onde abandonamos os que mais viveram e mais sabem.

Vivemos tão obcecados com a juventude, como já fomos com a maioridade, que nos infantilizámos. É a desvalorização do conhecimento em prol da sociedade do espetáculo? Também, mas as primeiras razões são mais básicas e óbvias: admiramos a beleza e a frescura, e o mundo da Moda e da Beleza construíram-se à sua volta. E se agora a diversidade é bandeira, às vezes até demais, continuamos a não encontrar uma representação da idade, tirando quando uma mulher com uma grande pinta e cabelos grisalhos, ex-modelo, atriz ou socialite surge na passerelle ou numa campanha. Convenhamos, continua a ser um acontecimento. Depois vemos as supermodelos dos anos 90 desfilar na Balmain de Olivier Rousteing entre modelos quase anónimas, ou espreitamos o IG de Vivienne Westwood cheia de pinta, e por mais que as jovens influencers persigam o styling hábil tipo "acordei assim", nunca vão ser uma Kate Moss.

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Este velho preconceito rima muito bem com a aceleração onde entrámos desde que a tecnologia tomou conta das nossas vidas. O site Business of Fashion falava de avatares, metaverse, pele digital, gaming e NFT porque parece que metade dos consumidores americanos da Gen-Z até à Gen-X (só estas designações já dão sono, imaginam-se logo dentaduras impecáveis a dizer isto na televisão) estão interessados em comprar um digital asset no próximo ano. E a obsessão pelas start ups e pelo empreendedorismo? Ei, estamos sintonizados com os jovens! Sempre a renovar como o refresh do computador. Uma pessoa até fica cansada com tanta inovação, enquanto as vidas continuam na mesma e as mentalidades lá atrás.

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A idade vai ser o último tabu a cair.

É verdade que Mark Zuckerberg era miúdo quando criou o Facebook, mas não o mundo melhor que a sua geração vai herdar. Claro que saudamos Greta Thunberg, mas existem partidos verdes há anos, o Greenpeace ou a PETA que seguram o planeta, só nunca se armaram na internet. Agora tudo o que se diz na grande rede parece uma descoberta ou qualquer coisa messiânica, a gabarolice da juventude. É curioso que Joe Biden tivesse convidado a jovem Amanda Gorman para lhe ler um poema na tomada de posse como presidente, até pareceu mais novo. E a revista Time inventou agora o prémio Kid of the Year que entregou a Gitanjali Rao. Precisamos de novos heróis, é um facto. Eles renovam a esperança, são uma possibilidade e uma salvação: os mais velhos acreditam que alguém pode refazer ou continuar o que os próprios não conseguiram melhor. Só que andamos tão acelerados que queremos viver à tona do futuro. Será que alguém se lembra que a maioria do mundo nasceu antes dos anos 80? Parece não interessar se os mais velhos se orientam nas novas tecnologias. Não houve a transição de que se fala, e a pandemia só desajudou. A verdade é que a revolução digital, com todas as suas maravilhas de inclusão, também exclui, e neste caso a maioria.

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Foi preciso chegar perto dos anos 60 do século XX para deixarmos de vestir as crianças como adultos, enchouriçadas desde o berço, sem voz, vontade ou importância. Os jovens não tinham voto na matéria até chegarem as benditas revoluções, do maio de 68 aos hippies, da minissaia ao Warhol. As revoluções precisam de têmpora, músculo e ideais, e só os jovens, e os pouquíssimos corajosos, são feitos para esse salto heróico. Mas agora caímos no ponto oposto e esquecemos os mais velhos quando, ironicamente, a esperança média de vida aumenta, por isso em breve seremos, principalmente na Europa, mais velhos do que novos. Finalmente os jovens têm uma voz, mas é um erro grosseiro ignorar a experiência e a mundividência dos mais velhos. Ou podemos fazê-lo, como quando éramos adolescentes, mas vamos descobrir o erro mais à frente.

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Lobo Antunes avisou numa das suas crónicas que sabemos que somos crescidos quando trocamos os guarda-chuvas de chocolate por bifes tártaros e quando nos tornamos tristes. Não estou certa de que ele tenha razão, até porque não gosto de bifes. Quando cheguei aos 40, que antes era a década das mulheres acabadas porque elas eram só reprodução, encontrei o contrário, um sensação bestial de não querer saber, ainda mais da longevidade. Parece que se ganha tempo porque deixamos de nos pôr em bicos dos pés. Crescer, como envelhecer, é uma grande lição de abandono e de humildade. A longevidade não está na idade, até porque são muitos os adultos infantis e os jovens conservadores. Claro que deixamos de ler os menus dos restaurantes sem óculos, as ressacas duram três dias e passamos a ouvir os nossos ossos, mas como diz o outro: punks are not dead, just go to bed earlier. Se há um caminho no qual caminhamos todos juntos é na idade, se fossemos espertos devíamos era celebrá-la em grande estilo.

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