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Vilões do 007, escritores, festas polémicas. As melhores histórias do Palácio Estoril Hotel

Com 92 anos de existência, este hotel histórico já viu muitas aventuras protagonizadas por espiões, cabeças coroadas e “estrelas” de Cinema ou do Desporto. Mas não ganhou uma ruga e continua a ser uma referência de elegância e bem servir às portas de Lisboa.

Foto: Palácio Estoril Hotel
20 de abril de 2023 Maria João Martins

A velha ficha emoldurada na parede da galeria não engana: Quando chegamos ao Palácio Estoril Hotel, não estamos simplesmente a entrar em mais um hotel de 5 estrelas, com as comodidades inerentes ao estatuto. Estamos, na verdade, a tornar-nos personagens de uma história de glamour e mistério que inspirou ao mais famoso dos seus hóspedes, Ian Lancaster Fleming, a saga de James Bond, o agente do MI6, 007, com uma queda por Martini Vodka shaken not stirred e mulheres bonitas.

Nascido em Inglaterra, a 28 de maio de 1908, Ian Fleming chegou ao Palácio em maio de 1941, quando a Grã-Bretanha enfrentava sozinha o poderio alemão (a França caíra em junho de 1940 e os Estados Unidos só entrariam na guerra em dezembro de 41). Na ficha de registo, Fleming declarou-se funcionário do Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico), mas, na verdade, estava no Estoril como braço direito do responsável pelos serviços secretos navais, John Godfrey. Na mesma parede do Palácio encontramos outras fichas de hóspedes famosos cujas vidas foram intercetadas pela Segunda Guerra Mundial: o escritor Antoine Saint-Exupéry (que nessa passagem chamou a Lisboa e ao Estoril "paraíso claro e triste") e o agente duplo jugoslavo Dusko Popov. Ao contrário de Fleming, este registou-se primeiro como advogado (em 1941, quando ambos coincidiram e se encontraram no hotel) e, em 1946, já no pós-guerra, como empresário, agora de nacionalidade britânica. A mesa em que ambos discutiam os destinos do mundo ainda está no bar Estoril do Hotel e na carta de cocktails consta naturalmente o 007 Martini, que leva gin, vodka e vermute. Tudo como no tempo em que os interessados em saber notícias frescas da guerra telefonavam para o Palácio a perguntar quem estava a beber champanhe. Às novidades assim obtidas foi dado o nome de champagne news

O Palácio Estoril Hotel tem um histórico de importantes visitantes como estrelas de cinema ou figuras da realeza.
O Palácio Estoril Hotel tem um histórico de importantes visitantes como estrelas de cinema ou figuras da realeza. Foto: Palácio Estoril Hotel

O Palácio não vive, todavia, das glórias passadas. Com uma oferta de 156 quartos, todos decorados num diálogo muito bem conseguido entre tendências contemporâneas e elementos vintage, sem ponta de novo-riquismo, dispõe de uma piscina exterior, dois restaurantes (o Grill Four Seasons e o Boungainvillae Terrace, vocacionado para refeições ligeiras) dirigidos pelo chef Hugo Silva, que veio do Farol Design Hotel, e um spa tailandês, o Banyan Tree. Aqui, para além de um mergulho na piscina termal e no jacuzzi, é possível aceder a um vasto programa de tratamentos de spa, desde os cuidados anti-ageing às consultas de nutrição, sem esquecer várias modalidades de massagem tailandesa. 

Um dos pratos que fazem parte do menu do Grill Four Seasons.
Um dos pratos que fazem parte do menu do Grill Four Seasons. Foto: Palácio Estoril Hotel

A cerca de 1 km está o campo de golfe do Palácio, aberto desde 1945, o que o torna o mais antigo da Europa continental. Com vários pacotes destinados aos amantes desta modalidade, o Palácio é há várias décadas por eles procurado, sobretudo na primavera e outono. A todos, hóspedes e não hóspedes, o Palácio oferece ainda o esplendor do seu bar Estoril e os seus salões tal como o cenógrafo, figurinista e decorador Lucien Donnat os concebeu. 

O campo de golfe do Palácio é um dos sítios mais procurados pelos hóspedes.
O campo de golfe do Palácio é um dos sítios mais procurados pelos hóspedes. Foto: Palácio Estoril Hotel

Hoje como ontem, o Palácio mantém alta a fasquia e demonstra estar ao serviço de sua Majestade, o hóspede e cliente. Inaugurado a 30 de agosto de 1930 por iniciativa do empresário Fausto de Figueiredo, na presença do então Presidente da República, Óscar Carmona, mostrou logo ao que vinha, como se pode ler na notícia que o Diário de Lisboa dedicou ao acontecimento: "Portugal tem desde sábado um palace digno de confronto com os melhores hotéis estrangeiros." O que se confirma até hoje. 

Na galeria de hóspedes notáveis do Palácio constam também muitos membros das famílias reais europeias, alguns deles exilados na zona do Estoril. José Diogo, o histórico concierge do hotel (onde começou a trabalhar em 1964, aos 14 anos, como mandarete) recorda-se das conversas de domingo à noite com o antigo rei de Itália, Umberto, que gostava de ir ali tomar uma bebida e que ali tinha casado a sua filha mais velha, Maria Pia. Mas por aqui passaram também Grace e Rainier do Mónaco (mais tarde, também o filho de ambos, Alberto), o rei Carol da Roménia e, sobretudo, os Condes de Barcelona, pais do Rei Juan Carlos de Espanha. Residentes na vizinha Villa Giralda, escolheram o Palácio para apresentar à sociedade uma das filhas, a infanta Pilar, que ali também casou. No hotel residiam, aliás, a secretária do Conde de Barcelona, Don Juan de Bourbon: "Por causa dos condes aparecia no Hotel muita aristocracia espanhola", recorda-nos o concierge, que se lembra de ver estacionar os carros de luxo conduzidos pelos respetivos chauffeurs. Muitos anos mais tarde, viriam as vedetas do futebol, como a equipa do Celtic, que, em 1967, venceu em Lisboa a Taça dos Clubes Campeões Europeus ou os pilotos de Fórmula 1, como Schumacher, Alan Prost ou Damon Hill. 

Banyan Tree, o spa tailandês.
Banyan Tree, o spa tailandês. Foto: Palácio Estoril Hotel

Nesta vida de glamour, 1968 seria um ano especial para o Palácio, em particular para o seu concierge, José Diogo. No mesmo ano, o jovem contracenaria com George Lazenby em 007- Ao Serviço de Sua Majestade e conduziria à suite 54 a atriz italiana Gina Lollobrigida, convidada para aquela que foi considerada a festa do século, na Quinta Patiño, em Alcoitão. Realizada a 6 de setembro, reuniu mais de 1000 convidados, entre estrelas de Cinema, socialites internacionais e cabeças coroadas: "Lembro-me bem do senhor Antenor Patiño", diz-nos José Diogo. "Vinha todos os dias à tabacaria do hotel comprar os jornais, vinha de Ford branco e vestia todo de branco." Na noite em que o milionário boliviano decidiu dar essa festa badalada em todo o mundo, soube-se também que o ditador António de Oliveira Salazar caíra de uma cadeira no Forte de Santo António, onde estava de férias. "Por causa dessa notícia - conta José Diogo - o Presidente da República, Almirante Américo Thomaz, teve de abandonar a festa muito cedo e rumar à Casa de Saúde da Cruz Vermelha, para onde levaram o sinistrado."

Nesse mesmo ano, os destinos de 007 voltaram a cruzar-se com os do Palácio. Desta vez, em forma cinematográfica, quando a equipa dirigida pelo realizador Peter Hunt rumou a Portugal e filmou parte de 007 - Ao Serviço de Sua Majestade no Guincho, Arrábida, Zambujal e…no Hotel Palácio, onde decorre a cena do casamento entre James Bond (George Lazenby) e a jovem Tracy (Diana Rigg). E é aqui que entra o concierge José Diogo, que participará no filme como bell boy, na flor dos seus 19 anos. Um feito que o enche de orgulho, tanto mais que os muitos fãs da saga continuam a procurar o hotel e a pedir-lhe que conte histórias dessas filmagens que, afinal, aconteceram no lugar onde Ian Fleming terá começado a imaginar o seu herói: "As pessoas vêm, algumas reservam mesmo a suite 007 e pedem que lhes fale da minha experiência. Faço-o com todo o gosto. Dou-lhes fotografias e até me pedem autógrafos". E para o provar, também a repórter ganha uma brochura do hotel devidamente firmada com "José Diogo 007".

O momento alto destas recordações aconteceu em maio de 2019, quando George Lanzeby voltou ao Hotel para uma festa de cinquentenário do filme, em que também estiveram outros elementos do elenco, como Terry Mountain, o vilão que tem uma longa cena de pugilato com o protagonista nos areais de Guincho. Hoje com 87 anos, o ator (que também contracenou com Clint Eastwood e Richard Burton, em Where Eagles Dare, volta frequentemente ao hotel, atraído pelo charme clássico que se mantém intacto, como se o mundo lá fora tivesse apenas mudado de estação. Na noite em que converso com José Diogo, Terry Mountain passa no lobby e, em breve, estamos todos a tirar uma fotografia e a falar animadamente sobre a saga 007. O que prova que quando entramos no Hotel Palácio, devemos seguir, de espírito aberto, preparados para tudo - até para que a vida pareça perfeita. Como nos filmes.

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