Melania, Michelle, Jill e Kamala: as mensagens por trás do estilo político
A indumentária de figuras de relevo tem uma mensagem deliberada ou é um feliz acaso de moda? Porque tanto na política como na vida, a roupa que se enverga tem um significado.
04 de novembro de 2020 às 07:59 Emily Croin
Em vez das ações, a indumentária pode falar mais alto do que as palavras. A primeira-dama norte-americana, Melania Trump, nunca foi vista a fazer declarações públicas, pelo que, durante a presidência do seu marido, os intérpretes têm explorado o que ele escolhe vestir, à procura de mensagens acerca das suas expetativas, prioridades e opiniões.
Na maioria das vezes, a principal mensagem parece ser: meus caros, não pareço ter um ar dispendioso? Mas por vezes, se bem que raramente, os sinais transmitidos pela senhora Trump parecem ser demasiadamente certeiros para serem uma coincidência. Estou a recordar-me daquela vez em que usou uma camisa da Gucci com laço no pescoço [estilo conhecido como pussy-bow] para um debate presidencial em 2016, pouco depois de o The Washington Post ter divulgado a gravação com um comentário sexista de Donald Trump [em 2005], em que dizia "grab them by the pussy" [para descrever como gosta de lidar com mulheres bonitas: agarrando-as pela ***]. E numa outra ocasião em que Melania envergou um casaco da Zara que dizia "I really don’t care, do u?" [não quero saber; e tu?] para visitar um centro de detenção de crianças imigrantes.
Claro que Melania nunca confirma diretamente a especulação de que é alvo. Quando se pronuncia sobre as suas escolhas em matéria de roupa, é hábito fazê-lo através de um porta-voz que se apressa a negar qualquer intenção mais profunda. (Os seus agentes declararam que a escolha da tal camisa para o debate "não foi intencional" e que "não havia qualquer mensagem oculta" no casaco da Zara).
Acontece que a opinião pública quer que ali haja uma mensagem. Ansiamos por alguma confirmação de que ela está a pensar no assunto com a mesma energia que nós – que ela compreende perfeitamente a piada, ou que há ali "alguma coisa", por assim dizer.
Porque tanto na política como na vida, a roupa que se enverga tem um significado. Aquilo que as figuras políticas vestem é a forma mais direta e menos mediatizada daquilo que têm a comunicar no nosso mundo excessivamente saturado da imagem. Tal como comemos primeiro com os olhos, também pensamos primeiro com os olhos. Um político pode proferir um discurso de 20 minutos sobre as suas origens humildes, que será sempre recordado – mas se o fizer com um fato Savile Row e um corte de cabelo de 300 dólares, será disso que as pessoas irão lembrar-se.
Os políticos e as figuras políticas não podem dar-se ao luxo de transmitir mensagens erradas – especialmente nos Estados Unidos, durante um ciclo eleitoral, quando todas as aparições públicas provocam uma profusãode impressões visuais no subconsciente, por frações de segundo, que se acumulam e moldam a opinião dos eleitores.
O facto de analisarmos tão minuciosamente a indumentária das mulheres do meio político é um resultado direto de Michelle Obama. Se podemos dizer que a ex-primeira-dama não inventou o estilo diplomático (isso coube a Jackie Kennedy, que envergava Givenchy em Paris e que nos Estados Unidos vestia as roupas do criador norte-americano Oleg Cassini), certamente que lhe pode ser creditado um aperfeiçoado domínio dessa matéria. Desde misturar cardigansJ. Crew típicos das mães suburbanas com saias assinadas por criadores de moda, passando pela sua defesa de jovens talentos norte-americanos da área do design, como Jason Wu, Christian Siriano e Brandon Maxwell, Michelle mexeu com os mercados. Literalmente. Um estudo realizado em 2010 pela Harvard Business Review quantificou o efeito Michelle Obama, tendo concluído que a indumentária escolhida pela primeira-dama em 189 aparições em público gerou 2,7 mil milhões de dólares em valor para as 29 empresas cujas roupas envergava.
Michelle Obama percebeu que a moda constituíauma plataforma para promover a sua mensagem de maneira mais eficaz do que qualquer clip de notícias. E que a moda era um mecanismo silencioso de manifestação de respeito. Não foi por acaso que escolheu Atelier Versace para um jantar de Estado italiano, ou um vestido criado pela sino-americana Vera Wang para receber o presidente chinês e a sua esposa. Michelle Obama repetiu este padrão com os dirigentes da Índia, Canadá, Japão, Coreia do Sul e – sim, isso mesmo – Reino Unido (usou roupas de designers londrinos como Christopher Kane, Roksanda, Preen by Thornton Bregazzi, Mary Katrantzou, Alexander McQueen e outros durante viagens oficiais a esse país).
Foto: Getty Images
Após a era Obama, os jornalistas e a opinião pública esperavam a passagem de mensagens semelhantes, através da indumentária, por parte de Melania. Ansiavam por isso. Foram escrutinando até ao mais ínfimo pormenor tudo o que envergava, à procura de um significado mais profundo para o seu vestido, casaco, ou sapatos de salto agulha. Ao fazermos a cobertura pormenorizada dos seus primeiros looks, que foi buscar a casas de moda de luxo da Europa, apercebemo-nos da preferência dada pela primeira-dama a silhuetas que realcem as suas formas, a saltos suficientemente altos para a manterem praticamente "em pontas", e ao círculo cromático de combinação de cores, tudo com preços na ordem dos quatro – ou mesmo cinco – dígitos.
Ouvimos dizer que Donald Trump gosta que Melania vista roupa cara. Será que aquilo que ela tem envergado se destinou apenas a reforçar a reivindicada posição abastada do marido? Estaria a criar uma nova imagem de primeira-dama-troféu, em contraste com o cuidadoso mix de Michelle no sentido de misturar roupas caras e baratas? Ou ela "simplesmente não quer saber (e tu)"?
Melania parece-me ser alguém cujo passatempo favorito é ir às compras. Alguém para quem o simples pensamento de voltar a usar em público uma determinada indumentária que já foi vista por todos pode ser equiparável a uma humilhação pública. Ela dispõe dos meios e plataforma necessários para exibir o que quer que tenha comprado no seu mais recente impulso de aquisições trazidas pela Net-a-porter. (E ela compra tudo sem descontos, pelo que os designers – pelo menos um deles confidenciou-se que ficam intimamente consternados ao verem Melania a envergar as suas roupas – não têm outra escolha se não vesti-la).
Claro que Melania não é o único membro ilustre da falange de mulheres do círculo de Trump. Há também as diversificadas filhas (Ivanka e Tiffany), enteadas, namoradas, conselheiras e agentes que viajam com a família do presidente. Os apoiantes encontram muito por onde admirar o brilho coletivo das mulheres de Trump. Já os críticos escarnecem da feminilidade regressiva que elas personificam e da forma como parecem acatar as sugestões de estilo dadas pela Fox News na era de Roger Ailes. Mas, ainda assim, nos seus vestidos vermelhos, brancos e azuis, colados ao corpo, ao estilo das apresentadoras de notícias (Kimberly Guilfoyle, Lara Trump e Kayleigh McEnany no Instagram, todas elas envergando Chiara Boni), ou – quando querem realmente ser muito claras acerca do assunto – nos seus vestidos vermelhos MAGA [Make America Great Again – um dos motes de Trump, "tornar a América grande de novo"] (Kimberly Guilfoyle de novo), estas senhoras sabem como impressionar.
Foto: Michael Brochstein/Echoes WIre/Barcroft Media via Getty Images
Deve custar um pouco aos designers terem de reconhecer que, apesar de serem grandes apoiantes do Partido Democrata, foram as mulheres republicanas que melhor souberam aproveitar a arte de uma clara e coesa comunicação política baseada na indumentária.
E foi então que surgiu a campanha às presidenciais de 2020 e, com ela, Jill Biden. É uma mulher com uma longa e respeitada carreiracomo educadora, um campo onde as aparições em público são menos importantes do que o conteúdo.
"Ensinar não é aquilo que faço. É aquilo que sou", escreveu Jill Biden num tweet antes de proferir o seu discurso na convenção virtual do Partido Democrata, a partir da sua antiga sala de aula numa escola secundária em Delaware, em agosto.
Para aquele discurso, usou um vestido camiseiro verde-escuro. Era do designer Brandon Maxwell, mas mais importante do que as credenciais do designr foi a sua conotação de estabilidade e tranquilidade. Parecia um vestido que uma professora que quisesse transmitir à turma que cuidaria bem deles – uma mensagem com eco num país repleto de famílias receosas de quando, como ou até mesmo se os seus filhos regressariam às suas próprias salas de aula – usaria no primeiro dia de um novo ano escolar.
Foto: Getty Images
Desde então, em muitas das vezes que apelou aos norte-americanos para que fossem às urnas, usou umas botas de cano alto onde se lia uma gravação em prateado – "VOTE" –, pareceu defender a sustentabilidade ao usar um vestido Gabriela Hearst do seu guarda-roupa para um debate ("que surpresa e honra" ver Biden a "reaproveitar" um vestido com três anos, escreveu a designer no Instagram) e fez os democratas sorrirem quando num outro debate usou um vestido floral Dolce & Gabbana (com a máscara facial a condizer).
Foto: Getty Images
Jill Biden
não é Michelle Obama. Nem tão pouco é Melania Trump. Mas a sua aparente falta de abordagem tática no que veste (Michelle) ou a ausência de um limite de crédito tão elevado como a Trump Tower (Melania) constituem simples diferenças – e não um vazio. O que ela oferece – e as outras não – é uma certa familiaridade ou uma atitude mais descontraída em relação ao que veste. Parece ser uma pessoa que gosta de moda sem ser escrava dela. As peças que escolhe adequam-se às exigênciasda sua agenda e (possivelmente) da sua mentalidade. Qualquer mulher que alguma vez tenha respondido a um elogio a um acessório excêntrico com um "é giro, não é?" compreenderá por que motivo é que Jill Biden usou aquelas botas com a inscrição ‘VOTE’.
Foto: Getty Images
O que esta campanha nos mostrou verdadeiramente é que já seria altura de deixar deolhar para as mulheres dos candidatos como as mais astutas sinalizadoras de estilo. Desta vez, o interveniente mais interessante no jogo do estilo político não é Biden ou Trump, mas sim a potencial vice-presidente dos Estados Unidos.Kamala Harrisé uma séria candidata ao gabinete federal e é uma mulher que gosta de roupa – imagine-se!
Foto: Getty Images
Antes da campanha eleitoral de 2020, a senadora californiana e ex-procuradora geral criou um lookmais moderno e contemporâneo do que a maioria das mulheres na política. Em vez de blazers com cores de jóias e blusas de seda, ela prefere fatos escuros de calça e casaco, usados com t-shirts; ela veste os seus fatos não com saltos baixos mas com a sua extensa coleção de ténis da Converse. É certo que complementa estes looks com acessórios em pérolas, mas estas são sempre uma lufada de ar fresco (como o colar da designer Irene Neuwirth) ou diferentes (pérolas de cor negra).
Foto: Getty Images
É também de sublinhar que o seu cabelo se mexe, que é aquela política invulgar que se mostra à vontade nos seus jeans, e que não tem receio de ser apanhada pelas câmaras a dançar (as pessoas ainda falam de quando apareceu em 2019 na Marcha do Orgulho LGTB de São Francisco envergando um casaco de ganga deslumbrante com lantejoulas das cores do arco-íris da marca – que outra mais poderia ser? – Levi’s, uma insígnia nascida naquela cidade).
Foto: Getty Images
A melhor representação da abordagem do estilo político de nova geração de Kamala Harris está na capa da edição de novembro da revista Elle. Numa foto a preto e branco tirada pela dupla de fotógrafos de moda Inez e Vinoodh, Kamala Harris apresenta-se com um ar prático e credível, num fato calça-casaco cinzento escuro (um blazer com uma grande lapela e calças largas), uma blusa preta de seda e saltos pretos. Ela está aí. Ela está a reivindicar o seu espaço. E ela fala a sério. O que mais poderíamos precisar de saber?