Faltam poucos dias para o fecho deste número especial da Máxima, que há vários meses preparamos ao pormenor, e este texto tem precisamente quatro linhas. Domingo como é do conhecimento universal, é o melhor dia da semana para uma maratona de escrita alimentada a café e ansiedade – a sensação de contagem decrescente torna-se uma droga natural para chegar à meta. Quem nunca fez um trabalho no fio da navalha? Basta ter uma conta de Instagram ou no TikTok para que já se tenha cruzado com conteúdos sobre PHDA (Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção), a "doença" que parece estar a infiltrar-se na cultura popular, mas que, na realidade, apresenta camadas que vão muito para além do feed estimulado pelo algoritmo. A própria definição de PHDA é um mil-folhas de possibilidades. Uma perturbação do neurodesenvolvimento com uma forte componente genética, e que, consoante os casos, pode pender mais para a desatenção, para a hiperatividade ou para a junção de ambos. Na verdade, diz a psiquiatra Inês Homem de Melo, deveria falar-se de uma "desregulação da atenção" uma vez que alguém com PHDA pode ter momentos de enorme foco, tanto no exterior como no interior.
Durante toda a infância e adolescência, ouvi frases como "andas sempre na lua", "só não perdes a cabeça porque está agarrada ao corpo" e "se continuas assim nunca vais ter uma vida normal". A dificuldade em gerir o tempo tornou-me cronicamente desorganizada. Desde a infância que fui repreendida por pais que valorizavam a pontualidade, o método e a arrumação, qualidades que nunca tive. Por muito que tentasse melhorar, o ciclo repetia-se dia após dia, semana após semana. Dificilmente ouvia uma ordem à primeira ou conseguia executar tarefas seguindo a lógica esperada. Preferia encontrar outras fórmulas. Ainda na escola, desenvolvi estratégias eficazes para lidar com a situação. Era boa aluna, mas só me concentrava em cima da hora, estudava pela noite dentro, bebia café às escondidas. Nenhum professor alguma vez deu por isso e, como confirma a psiquiatra Inês Homem de Melo, o facto de ser rapariga é uma das razões.
Para a médica e fundadora da Clínica do Quinto Andar, no Porto, existem justificações históricas que explicam estas discrepâncias de género. "A PHDA foi descrita pela primeira vez à luz de grupos de pacientes 100% do sexo masculino. Portanto, é obvio que, se as descrições foram feitas à luz do homem, as mulheres vão estar sempre ao lado." O fenómeno não é novo em medicina, o que torna as mulheres uma espécie de asterisco nas conclusões a que se chega nos homens. "Assume-se que a apresentação da doença vá ser igual no homem e na mulher, mas a questão é que não é! São quadros diferentes." Hoje, existem centros de PHDA espalhados pelo mundo que procuram reparar essa injustiça e que fazem entrevistas de diagnóstico específicas para o sexo feminino. Ainda assim, continua Inês, não existem dúvidas de que "as mulheres são menos diagnosticadas e menos referenciadas para a avaliação de PHDA. E mesmo quando são diagnosticadas, é-lhes menos vezes oferecido tratamento específico." Na realidade, as grandes diferenças começam logo na escola. A PHDA nas raparigas "uma uma apresentação mais vezes desatenta do que hiperativa e, mesmo quando é hiperativa, é também um certo tipo de hiperatividade. É muito mais mental do que física. Nos meninos. há muito mais esse efeito hiperativo, o que faz com que qualquer pessoa olhe para eles e perceba". No meu caso, passei por anos de consultas, diagnósticos e muita pesquisa até chegar à PHDA. De repente, tudo fez sentido.
Depois, existem os desequilíbrios de género que acompanham as mulheres ao longo da vida. As raparigas "são socializadas desde pequenas para serem cuidadoras, estarem emocionalmente disponíveis para toda a gente, para os filhos, para os maridos, para as amigas", explica Inês.
Em teoria, as mulheres são as organizadas, são as que ficam com o planeamento em casa, o famoso mental load, ou carga cognitiva, continua. O homem que aparece com a camisa ao contrário tem um certo charme, a mulher é só desleixada. "Um pai que se esqueça dos filhos na escola é infinitamente menos penalizado do que uma mulher que faça o mesmo", reforça a psiquiatra. Nas consultas, essa diferença é evidente. "Quando uma mulher com PHDA tem um marido que tem uma visão dos papéis de género muito conservadora, muito tradicional, a vivência nela vai ser muito mais penosa do que quando tem um marido que flexibiliza os papéis de género." A investigação que existe confirma isso mesmo: "Quando é a mulher que tem PHDA, a taxa de divórcio é maior do que quando é o homem."
As diferenças entre homens e mulheres não ficam por aqui. Tal como Inês Homem de Melo, também a psicóloga Rita Gama Ferreira, que dirige a clínica RGF, se tem debruçado sobre o tema. Ambas desmistificam a perturbação através da partilha de informação online. Ao telefone com a Máxima, explica que a parte hormonal tem enorme influência nesta perturbação. "Há uma relação muito grande entre o estrogénio e a dopamina, um neurotransmissor que fica comprometido quando existe PHDA e que explica a desregulação da atenção." Na semana que antecede a menstruação, "existe uma queda muito grande de estrogénio, o que faz com que a dopamina esteja menos disponível". As oscilações de humor tornam-se, por isso, inevitáveis, tal como o cansaço, muitas vezes difícil de explicar. Se o ciclo menstrual tem impacto, imagine-se a gravidez, o pós-parto, a menopausa.
Outras características da PHDA é a impulsividade, que vem baralhar ainda mais o caldeirão de emoções. "Uma das funções executivas, que é das mais importantes, é o controlo inibitório. É eu saber se me apetece um chocolate, mas ter a capacidade de controlar o meu comportamento", explica Rita Gama Ferreira. Ou seja, alguém que tem esta dificuldade apresenta uma impulsividade que remete para a compulsão, e por isso, apresenta uma maior probabilidade de ter comportamentos relacionados. Falamos de comida, mas também de "álcool, cigarros, consumo de substâncias, comportamentos de risco, gravidez não planeada, etc.". É também terreno fértil para burnouts. As consequências desses hábitos são fáceis de prever e são uma das explicações para que, segundo estudos recentes, os homens com PHDA morram, em média, sete anos mais cedo e as mulheres nove.
Numa das visitas que a minha mãe me fez quando eu estudava fora do país, já na faculdade, ficou horrorizada ao perceber que a minha mesa de cabeceira era feita de caixas de cartão e que a mala de roupa que tinha trazido de Lisboa permanecia no mesmo canto, com todas as peças por pendurar, coberta de livros de estudo e outro objectos. Há um ano que vivia naquela apartamento. Já a trabalhar, o meu desktop desorganizado, com ícones sobrepostos por outros ícones, levou um colega a comentar que o meu computador "nem parecia de uma menina". Uma mente com PHDA não é uma mente distraída, mas antes uma mente que não pára – que quer tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo. Mais tarde, quando comecei a trabalhar em jornalismo de moda, encontrei redações que validaram o meu comportamento, eram ambientes criativos, sem horários e com personalidades larger than life. Para quê perder tempo a seguir regras quando o caos é tão mais interessante? Podia responder, mas esta edição da Máxima fecha em 3, 2, 1...
Texto originalmente publicado na revista anual da Máxima, de novembro de 2025.