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Núria Cruelles, nariz da Loewe: “A maioria das nossas decisões primárias são tomadas pelo cheiro”

E se conseguíssemos abarcar as maravilhas olfativas do planeta, e as razões porque os nossos sentidos ficam agarrados a elas em memórias de prazer? É o que a Loewe, sempre ambiciosa e fora da caixa, tenta fazer com a colecção 'Botanical Garden'. Fomos a Madrid conhecer o novo e sensorial Earth e entrevistámos Núria Cruelles, a nez das fragrâncias Loewe.

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21 de novembro de 2022 Patrícia Barnabé

Há uns bons anos que a Loewe é muito mais do que uma poderosa marca de Moda assente num antigo negócio de marroquinaria de grande qualidade. Jonathan Anderson não só revolucionou o design da grande Casa madrilena, como os seus desfiles, criando uma imagem transversal e moderna da marca que hoje ecoa em todo o mundo. Como se parecesse pouco, a Loewe é hoje também uma referência nas artes e nos ofícios, a Fundação Loewe tornou-se numa verdadeira e inspiradora mecenas, e uma referência na alta perfumaria – que, como sabemos, também se estende à sua curiosa linha de velas para a casa. 

A Máxima foi a Madrid, ao Bairro de Salamanca, onde a marca cresceu, conhecer o profundo Earth, uma nova derivação do "arco-íris olfactivo" da Loewe, assim descrito pela própria, e a belíssima nova campanha, fotografada por Tyler Mitchell, onde o actor Miguel Herrán, a música Ama Lou e a modelo Jeanne Cadieu se enroscam nos frascos de perfume, despidos de roupa e de artifício, numa sensualidade antiga e primordial. Ecoou logo na nossa memória aquela célebre frase de Marylin Monroe que diz que basta vestirmo-nos com uma gota do nosso perfume preferido.

Fragrância Earth, Botanical Garden
Fragrância Earth, Botanical Garden Foto: Loewe

A apresentação de Earth foi muito informal, numa galeria de arte, que chegou a ser atelier e loja da marca, numa pequena festa cool, jovem e descontraída, muito ao bom gosto de Anderson. Lá experimentámos a bela família olfativa Loewe, com aromas tão ambiciosos que querem captar "o que fica acima e o que vive por abaixo do chão, o visível e o invisível, unificando mundos interiores e exteriores da Natureza." Desta terra emanam muitas sensações, por isso o nosso primeiro encontro com esta nova eau de parfum foi quente e profundo, flores, âmbar e musk, que depois se ligam às notas de trufa, pêra, óleo essencial de elemi, mimosa e violeta, apresentados num frasco malva. Tem qualquer coisa de essencial, de completo e uterino, e percebemos porquê quando, à falta de melhor palavra, a passamos à perfumista das fragrâncias Loewe, Núria Cruelles:

O cheiro foi sempre importante para si, enquanto crescia? E tem algumas memórias olfativas que traga da infância e guarde até hoje?

A vela Tomato lembra-me sempre dos meus verões de criança, quando todos os meus primos e eu passávamos as tardes a ajudar a minha avó a cozinhar. Aquela vela cheira ao seu jardim.

Núria Cruelles, perfumista das fragrâncias Loewe
Núria Cruelles, perfumista das fragrâncias Loewe Foto: Loewe

O que é que os aromas, os odores, o olfato têm de tão especial? A memória, a fantasia, o sonho?

Para mim, o mais especial é que o sentido do olfacto é o último que perdemos, por isso tudo o que esteja relacionado com os odores fica na tua memória toda a tua vida. E quando cheiras algo que já conheces podes ser automaticamente transportada de volta às tuas memórias, ou recordar algumas situações específicas, assim como pessoas que estejam diretamente ligadas a um determinado aroma. É muito curioso e determina as nossas vidas já que a maioria das nossas decisões primárias são tomadas pelo cheiro.

A Natureza inspira sempre um nez, que é o artista maior das fragrâncias. Como é que a inspira pessoalmente?

Eu inspiro-me sempre na Natureza e inspiro-me em momentos da minha vida. Estas duas coisas são a chave de todas as criações. A Natureza está sempre presente nas nossas vidas e é a parte mais viva de um perfume através dos seus ingredientes. Reconheço que a gastronomia também me inspira, de certa forma e a todo o momento, porque, como sou sommelier, este lado ensinou-me o contraste e o complemento entre os ingredientes e, é claro, é uma parte muito importante, e que também vem da Natureza.

Fragância Earth, Botanical Garden
Fragância Earth, Botanical Garden Foto: Tyler Mitchell

Tem algum aroma natural que seja um amor de sempre?

É difícil para mim escolher um aroma favorito. Os aromas, como tudo o resto, dependem do momento em que estás, de como te sentes, da estação do ano... Mas posso dizer que gosto de trabalhar com aromas particularmente estranhos e complicados que não são normalmente usados em perfumaria. Pode encontrá-los na nossa colecção Home Scent, que é composta de velas perfumadas com ingredientes nada comuns no mundo da perfumaria como o tomate, a marijuana ou a beterraba. E o mesmo acontece com os nossos perfumes da Botanical Rainbow Collection. Por exemplo, a nossa novidade na família, o Earth foi criado com a trufa como ingrediente principal, que é um ingrediente muito pouco usual no mundo da perfumaria. Eu adoro trabalhar dessa forma, a brincar com a novidade e com ingredientes disruptivos. 

E nos clássicos da história da perfumaria, tem alguns heróis?

Acredito que todos os perfumistas são artesãos e artistas, à sua maneira. Tem havido grandes perfumistas ao longo da história, com criações relevantes e importantes, e que se tornaram clássicos e ícones no mundo da perfumaria ao longo dos tempos. Todos eles inspiraram os perfumistas que vieram a seguir e, de certa forma, deixaram uma influência no nosso trabalho de hoje. Da mesma forma que nós, os perfumistas de hoje, esperamos deixar um legado para os jovens perfumistas que estarão para vir. Para mim, a chave é inspirarmo-nos no passado, trabalhá-lo para o presente e transformá-lo no contemporâneo.

Coleção Botanical Rainbow
Coleção Botanical Rainbow Foto: Loewe

Os perfumes Loewe apresentam-se como "aromas vibrantes e inovadores penetrados pela emoção humana" - que emoções queria passar quando criou este novo Earth? Teve alguma vontade de continuidade em relação aos lançamentos anteriores? 

O Earth foi uma criação muito importante para mim. Para além de ser inspirada pela Natureza, e pela conexão com a Terra, o Earth também nasceu num momento muito importante para mim porque estava grávida quando o criei. Por isso, devido a este momento vital, fui influenciada a criar uma fragrância quente, acolhedora e confortável, nascida da Natureza e das emoções. Se cheirar o Earth, consegue perceber que é uma fragrância suave e carinhosa, que te abraça.

Que ingredientes são necessários para podermos chamar a um perfume icónico? 

Para mim, a palavra "icónico" é qualquer coisa que se relaciona com a tradição, por isso penso que não tem que ver com ingredientes, mas com a estrutura da fórmula. Podem ser chamadas de icónicas as fórmulas "Fougère" or "Hespérides". Todos estes tipos de formulações, que temos usado ao longo do tempo, são o que considero clássicos ou ícones. Hoje, também nos inspiramos em ingredientes mais exóticos que, com o tempo, talvez se tornem icónicos, mas penso que levará algum tempo até se estabelecerem no mercado, em vez de desaparecerem como uma tendência do momento. Veremos, todos os ícones começam por ser uma tendência.

Fragrância Earth, Botanical Garden
Fragrância Earth, Botanical Garden Foto: Tyler Mitchell

As marcas costumavam lançar uma fragrância muito raramente, era considerado um acontecimento, qualquer coisa de único. Hoje a avidez do tempo, e a rapidez do consumo, tornam a excitação de um novo lançamento mais efémero e descartável. Os vossos perfumes são únicos, mas são vários e pertencem a uma família – foi planeado para ser assim?

Para mim, o que te torna único no mundo da perfumaria é a escolha dos ingredientes. Como disse antes, eu gosto de trabalhar com ingredientes que são um pouco diferentes e disruptivos, para que a fragrância que os contém possa tornar-se única e diferente. Quando quero transmitir qualquer coisa, como por exemplo o projeto Earth, penso sempre numa maneira diferente de fazê-lo. Normalmente, começa-se a construir este aroma pelos ingredientes amadeirados, molhados ou patchouli, mas, no meu caso, quero transmitir a essência da terra de uma perspectiva diferente, por isso é que ingredientes especiais como a trufa entram no jogo. É importante encontrar o que te torna diferente e saber como apresentá-lo. 

Também criam aromas para a casa. Qual é a grande diferença entre um perfume que permanece na pele e um que fica a pairar num espaço?

A diferença entre a criação de um perfume e a criação de um aroma para a casa é a técnica usada. Esta técnica, aplicável a toda a colecção Home Scents (velas, castiçais, ambientadores em vime perfumado e aromas para a casa), tem uma parte específica muito importante e complexa porque, se por um lado tens de criar qualquer coisa muito criativa e diferente – quer em termos de design e de inovação, como em termos olfativos –, por outro, tens de fazer com que cheire bem durante todo o seu processo de desenvolvimento. Integrar os ingredientes com outros elementos como parte da criação, como a cera ou a cerâmica da vela, é um processo meticuloso e demorado até que o aroma desejado seja conseguido.

Fragrância Earth, Botanical Garden
Fragrância Earth, Botanical Garden Foto: Tyler Mitchell

 Li na sua biografia que tem um instinto natural para visualizar os perfumes, em termos de cor e forma, uma espécie de sexto sentido chamado sinestesia. O que é exatamente e como a ajuda no seu trabalho?

Quando falo dessa sinestesia quero dizer que, na minha cabeça, quando cheiro algo, percebo a sua cor, a sua forma, a sua textura. Todo este conceito está por detrás de cada uma das criações da Loewe e está representado através da coleção Botanical Rainbow. Cada fragrância desenvolve uma personalidade própria através da cor ou da textura do seu frasco. Por exemplo, o Earth tem uma cor roxa que transmite o calor e a vibração da terra, o Solo Ella transporta-nos para a luz do pôr-do-sol através da transparência do seu frasco laranja intenso, o Esencia tem um verde opaco que o aproxima das profundezas da Natureza. Todos estão de acordo com a sinestesia de que falo, criando o Botanical Rainbow, mas respeitando a sua personalidade e essência individual dentro deste arco-íris olfativo de possibilidades.

Fragrância Solo Ella, Botanical Garden
Fragrância Solo Ella, Botanical Garden Foto: Tyler Mitchell

Sei que trabalha perto de Jonathan Anderson em cada novo perfume Loewe, ele é um diretor criativo muito abrangente. Entrevistei-o em 2016 e fiquei impressionada com a sua inteligência rápida, muito fresca e culta, ainda mais com a sua sensibilidade e simplicidade, o que parecem ser qualidades de génio. Como é que funciona a vossa parceria?

Trabalhar com o Jonathan é sempre um processo muito enriquecedor. Ele foi muito claro sobre o conceito da coleção, então eu atirei-me ao projeto assim que cheguei à Loewe. Durante o processo, o Jonathan apresentou-me a pessoas incríveis como [o fotógrafo arty] Erwan Frotin, que me inspirou no meu trabalho. Passámos por um processo muito exigente, mas graças a isso temos este ótimo resultado. Trabalhar com o Jonathan é um processo inspirador e ele dá-nos a oportunidade de desenvolver a nossa criatividade e explorar diferentes caminhos para criar algo. É uma forma incrível de trabalhar.

Fragrância Esencia, Botanical Garden
Fragrância Esencia, Botanical Garden Foto: Tyler Mitchell

Donde veio a ideia de escolher imagens monocromáticas de Karl Blossfeldt, que ficam perfeitas nas embalagens dos vossos perfumes?

A escolha de Karl Blossfeldt como o artista que dá vida às nossas embalagens vem de Jonathan Anderson e da sua equipa criativa. Foi uma ideia que nasceu antes da minha chegada à Loewe perfumes, mas surge da vontade de ver cada perfume como uma pequena obra de arte.

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