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Um perfumista atraído por odores humanos. “Gosto de cheiros que causam rejeição”

Conversámos com Alessandro Gualtieri durante a Pitti Fragranze 2022 - feira de perfumaria em Florença - mestre de perfumaria que usa elementos pouco consensuais nas suas criações. Uma pista: um dos seus perfumes mais célebres chama-se Seminalis.

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19 de setembro de 2022 às 07:00 Rita Silva Avelar

Alessandro Gualtieri é uma dessas pessoas que distinguimos naturalmente e com facilidade numa multidão. Assim sucedeu na Pitti Fragranze 2022, feira de perfumaria que acontece em Florença, mesmo ainda sem o termos conhecido pessoalmente - inquieto, distinto, irreverente; tinha de ser ele. A envergar uma camisa branca, de óculos brancos postos e de chapéu ao estilo aviador enfiado, a barba grisalha e o olhar entre o misterioso e o lunático, toda a gente parece conhecê-lo e admirá-lo e há quem peça para tirar uma fotografia. Com um currículo que se traça entre casas como a Fendi, a Helmut Lang, a Versace ou a Diesel, Alessandro cresceu em Milão, numa família modesta. Tem hoje registados quase 30 perfumes entre as suas duas marcas, Nasomatto e Orto Parisi, ambas de perfumaria de luxo e de nicho, ambas consideradas marcas de culto para quem gosta de fragrâncias improváveis.

Foto: DR

Quando chega a nossa vez de conversar com Alessandro, o seu olhar vagueia pela sala. Talvez não suporte entrevistas, talvez se pergunte o que é que os convidados pensam sobre a experiência-performance que criou para o evento: a "Parede Alquímica". Uma espécie de muro de lamúrias, com palavras escritas (amor, saúde mental, política e amizade são exemplos) contra o qual as pessoas arremessavam pequenos frascos de perfume, após escreverem nos rótulos uma palavra que as esteja a atormentar no momento.

O resultado é uma parede manchada de perfume e um chão repleto de estilhaços. A performance, feita a sós, é como uma catarse: quererá Alessandro passar a ideia de libertação e rebeldia? De rompimento com regras estabelecidas pela sociedade? "Não existiu um momento específico na minha vida", diz, quando lhe perguntamos, em primeira instância, o que fez despertar o seu olfacto. "Está em desenvolvimento, cresce com o tempo, cresce quando faço projetos diferentes, continua a ser muito intrigante e desafiante", esclarece. "Desconheço se tenho algum talento extra para captar cheiros. Dediquei muito tempo à pesquisa, a cheirar materiais crus, isso sim." 

Foto: DR

Cresceu num talho da família, o que poderá explicar a atração por odores fortes e muitas vezes indesejados. "Mais tarde, vieram as memórias [olfativas]: comecei a pensar que talvez isto ou aquilo pertencesse a este ou àquele momento". Não que seja isso a iniciar o processo de criação de um perfume, conta Alessandro. "Eu simplesmente atuo. É surpreendente até para mim, é quase como vomitar, é tudo à base de intenção e de garra, não recorro à lógica. As coisas acontecem e evoluem: é este o meu processo".

A coleção da sua marca Orto Parisi, que dedica ao avô Vicenzo Parisi, é exemplo das mais inusitadas criações: Seminalis, almiscarado e da família olfativa Muschiati, evoca sexualidade e paixão, e Alessandro assume-o como um perfume erótico. "O que leva ao equilíbrio de um perfume? Perguntamos. "É muito importante que não seja equilibrado, caso contrário é aborrecido." Megamare, Viridi, Brutus ou Stercus são outros dos nomes da sua coleção com Orto Parisi. Os frascos podiam vir do cenário do filme O Perfume, parecem vindos de outra era e assemelham-se a pequenos frascos de poções antigas e misteriosas. 

Foto: Orto Parisi

Este encanto, o das embalagens, é partilhado com a marca Nasometto, mas os frascos são mais rectângulares e artísticos: de tão bonitos, podiam ser amuletos de arte e de sorte. Nesta coleção há 11 perfumes, entre eles o Silver Musk, pensado para evocar o "magnetismo de um super-herói", ou o Absinth, que pretende estimular ao "comportamento irresponsável", mas também o Narcotic V, quase uma homenagem à "intensidade aditiva do poder da sexualidade feminina". É preciso admitir que as descrições das fragrâncias deixam uma certa curiosidade no ar.

Foto: Nasometto

Os ingredientes que atraem Alessandro estão longe de ser consensuais, de modo geral. "Não costumo ser atraído por ingredientes que as pessoas considerem agradáveis, gosto de cheiros que causam rejeição, que nos fazem questionar. Pode ser um cheiro animal, um cheiro corporal, erótico, de fungos, de excrementos. É onde a minha imaginação vive."

Foto: DR

Se um perfume é sinal de elegância, Alessandro acredita que é mais um sinal de personalidade, tem a ver com beleza, com a experiência. "É algo que nos faz sentir bem, pode ser visto como uma nova dimensão. Fico muito mais intrigado com maus ou bons cheiros corporais, por exemplo, do que com um perfume poderoso", revela. "Claro que às vezes, seja na rua ou no autocarro, me pergunto: de onde vem este perfume? É aí que começa a fantasia sobre a pessoa. Que perfume recomenda, questionamos, para finalizar: "o da minha pele." Uma resposta que assume com graça a personalidade de Alessandro: desarmante.

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