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Beleza / Tendências

A Glossier está na sua era flop: como a marca da clean girl quer voltar à ribalta

Em quase 10 anos, a Glossier começou como uma novidade incomparável, tornou-se uma espécie de culto com uma enorme legião de fãs e teve o destino que qualquer marca teme: o cancelamento. Em 2023, parece ter sido posto em prática um plano de rebranding, que passou por trazer a marca a Portugal.

Foto: Glossier
12 de dezembro de 2023 às 16:59 Joana Rodrigues Stumpo

Emily Weiss fez história antes de se aperceber. Em 2010, criou o que podia ter sido só mais um blogue num universo de milhões, mas foi o início de um império multimilionário. Chamou-lhe Into The Gloss. Quatro anos depois, viria a mergulhar ainda mais fundo no mundo da beleza, fundando a marca mundialmente cobiçada Glossier. Chegou ao mercado com apenas quatro produtos: uma bruma facial, um primer hidratante, uma base líquida e um bálsamo labial (o eternamente essencial Balm Dot Com). Para a marca, Weiss quis seguir os mesmos valores com que conquistou os seguidores no site: um espaço de celebração da beleza natural e de aceitação do próprio. Quase uma década depois, percebeu-se que, dentro da empresa, não era tão eficiente a garantir a mensagem que pregava.

Foto: Glossier

A receita para o sucesso (apenas inicial) da marca era simples e eficaz: investir na qualidade e não na quantidade de produtos, apostar num branding neutro (o chamado "sem marca") e centralizar do sistema de comercialização - a Glossier vendia maquilhagem e cuidados de pele apenas nas suas próprias boutiques e lojas pop-up.

Talvez seja um esticão, mas há uma tentação para dizer que Emily Weiss foi uma mulher à frente do seu tempo. Não tanto enquanto empreendedora - porque o historial da marca não é tão linear assim -, mas como adivinha, profetisa, visionária que viu nascer (ou terá sido ela própria uma das origens de) uma tendência que em 2023 finalmente ganhou nome e rótulo: a clean girl. Os produtos da Glossier eram simples, desenhados para realçar em vez de esconder, feitos para um acabamento o mais natural possível. Dito isto, à primeira vista deveria ter tudo para ser um enorme must nos últimos tempos. Então, porque é que a Glossier está na sua era flop?

Por muito contraditório que possa parecer, foi essa mesma simplicidade alvo de críticas dentro e fora da empresa. Embora continuassem a ser lançados novos produtos, a estética natural manteve-se e Weiss foi acusada de ser pouco inovadora. Numa tentativa de provar aos haters que não estava presa a um conceito, em 2019 lançou a Glossier Play: uma submarca mais irreverente, mais moderna e, acima de tudo, mais colorida. Sim, estes produtos eram certamente mais intensos do que os clássicos da marca, mas não tiveram o sucesso necessário e a tentativa de Weiss falhou redondamente. Em 2021 a Glossier Play foi descontinuada e a fundadora, em declarações ao Business of Fashion (BoF), admitiu que, em vez de ter criado toda uma nova linha, "podia só ter lançado mais produtos de maquilhagem".

Assim foi o início do fim da marca que fazia filas infindáveis à porta de qualquer loja. Durante a pandemia, no verão de 2020, começaram os despedimentos coletivos. Pouco depois, a Glossier nunca mais foi o lugar de segurança e aceitação que outrora fora (se é que alguma vez o foi). Uma das principais razões do seu êxito foi associar aos produtos Cloud Paint e Boy Brow uma ideia: comprar um deles não era comprar blush ou gel de sobrancelhas, era tornar-se ainda mais delicada, serena e parte de uma comunidade. Como tantos que nunca tiveram oportunidade de entrar numa boutique da Glossier, o sentimento era só imaginado. Mas algo na decoração cor de rosa suave, nas flores e no espaço amplo suscita uma sensação de aceitação sublime. Em agosto de 2020, soube-se que esse ambiente era plenamente fabricado para os consumidores, a custo do bem-estar e até dignidade dos trabalhadores. O movimento chamou-se Outta The Gloss e revelou aos milhões de fãs a realidade do dia-a-dia de trabalho numa das lojas da Glossier: por causa da redução das equipas, eram obrigados a trabalhar horas extra em espaços sem condições, muitas vezes ainda em construção, numa dinâmica de submissão ao cliente. Nas palavras dos próprios: "Acreditamos firmemente que a ideia de que uma venda se sobrepõe à humanidade e à dignidade de um trabalhador é abominável, independentemente do local de trabalho". Na carta aberta, os trabalhadores partilham situações de discriminação, como uma consumidora chamar aos colaboradores latinos "ilegais", em que a gerência não defende a sua própria força de trabalho. Quem trabalha em atendimento ao cliente sabe que é uma profissão que implica ter de lidar com incidentes mais do que desagradáveis às vezes, mas uma das funções das hierarquias é precisamente a de proteção dos trabalhadores. Como se não fosse suficiente, a carta da Outta The Gloss revelou situações de discriminação racial vindas de membros da própria empresa.

Foto: Glossier

O impacto foi estrondoso: as vendas diminuíram, lojas fecharam e a marca perdeu cerca de 110 mil seguidores no Instagram nos meses seguintes. Seguiram-se mais despedimentos coletivos, que Emily Weiss justificou numa carta à empresa dizendo "precipitámo-nos nas contratações". A internet, como já era de esperar, não gostou nada do cenário. Criou-se uma espécie de movimento anti-Glossier no TikTok (que até recentemente se manteve) que apontou o dedo à marca e à própria criadora pela incapacidade de garantir boas condições de trabalho. Antigos fãs olhavam agora para a marca com outros olhos e viram, por exemplo, a base que só tem 12 tons (quando a Rare Beauty tem 48 e a Fenty uns espantosos 50) e o tédio que surgiu com a falta de inovação ao longo dos anos. Assim foi a era do cancelamento da Glossier.

@hydrationceo I dont usually complain in bed, but when I do its about Glossier #glossier ? original sound - HydrationCEO

O ano de 2021 foi marcado por ainda mais despedimentos coletivos e pelo adiamento do inevitável, que Emily Weiss finalmente aceitou em maio de 2022, mês em que a fundadora da Glossier abandonou o cargo de CEO. Perguntou-se se seria a melhor pessoa para guiar a marca para o futuro e percebeu que não, que era Kyle Leahy quem a levaria de volta à ribalta.

E durante o ano e meio em que esteve encarregue da direção, Leahy conseguiu fazer a Glossier renascer das cinzas? Bom, é um processo longo e certamente não faltaram tentativas. A exclusividade (e inacessibilidade inevitável) da marca acabou: no início deste ano, passou a vender os seus produtos nas lojas da Sephora nos Estados Unidos e no Canadá. Lá se vão os dias das filas nas boutiques Glossier - um cenário planeado ao mais pequeno detalhe para o proveito do consumidor -, em prol de chegar a públicos bem mais amplos. Foi com o mesmo objetivo que anunciou, em outubro, que os produtos no site da marca passam a ser enviados a mais de 180 países, incluindo Portugal. Para além da expansão a outros cantos do mundo, já foram lançados novos produtos - agora há velas, sabonete e até um desodorizante. No início de dezembro, anunciaram a mais recente colaboração com a Starface, da qual nasceu um colorido pack de adesivos de hidrocolóide para borbulhas. Com cada novidade e lançamento, perguntamo-nos se alguma vez assistiremos à redenção da Glossier.

Foto: Starface

Mas já os pais de muitos avisavam: "Cuidado, porque o que publicas na internet fica lá para sempre". Embora não seja totalmente verdade, sabemos que a web tem boa memória e, para já, talvez ainda seja cedo demais para dar os erros da Glossier como apagados do histórico.

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