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Atual

Três momentos de 2021. As escolhas da equipa da Máxima

Pedimos aos nossos colaboradores que elegessem três ideias ou momentos que os marcaram ao longo do ano. Da Cultura à Política, passando pela Moda ou pelas Artes, o ano em retrospetiva.

Foto: Helmut Newton
31 de dezembro de 2021 às 20:24 Máxima

Patrícia Barnabé

Amor à casa, ao bairro, à cidade

Este ano, como o anterior, foi mais caseiro, por isso destaco o amor que ganhámos aos nossos espaços pessoais, a importância que passámos a dar ao seu conforto, decoração, luz, temperatura, enchemos as casas de plantas e repensámos a sua organização e propósito. Tornamo-nos mais sensoriais e auto-suficientes emocionalmente e passámos a viver mais os nossos bairros, o que está no ADN e na graça de se ser português. Nunca fui tão bairrista como hoje e ganhei novos amigos na padaria, na peixaria, no mercado e na mercearia, na papelaria, nos restaurantes da zona mesmo ao lado do velhote sapateiro que ainda sobrevive. No tempo da gentrificação nunca foi tão importante resgatar a nossa identidade e o lugar onde pertencemos.

Perdas dolorosas

A perda de algumas pessoas, em particular artistas e pensadores que abriram Portugal ao mundo e ao talento e a novas brisas. É particularmente dura para a Máxima a perda de uma das suas jornalistas e colaboradoras maiores, que ajudou a cimentá-la como um título e uma escola de jornalismo criada por e para mulheres universalistas, viajadas e pensantes. A Leonor Xavier era uma mulher com um grande dom da palavra, falada e escrita, coisa cada vez mais rara, era engraçada e sofisticada como poucas, com tiradas selvagens e humoradas, era uma mulher de grande inteligência, coração, gosto e sentido crítico. Ficávamos horas a radiografar o mundo, dos atoalhados e looks do antigamente, ao atavismo e provincianismo português, escondidos nos mais subtis detalhes que hoje tanto se perdem na rapidez dos dias. A ela não parecia escapar seja o que for. Tocou-me também, pessoal e particularmente, a perda do contrabaixista Pedro Gonçalves, a outra metade dos Dead Combo, que inventou com Tó Trips a banda sonora de uma Lisboa cada vez mais aberta ao mundo. Um músico superlativo como poucos, produtor picuinhas, com um enorme talento em palco, feito de dedos longos, o corpo esguio e muito alto a abraçar o contrabaixo ou curvado num pequeno piano a levar-nos em viagem por todo o tipo de paisagens. Tinha tanto carisma que até a sua sombra identificava a sua singularidade.

Foto: Gonçalo F. Santos

A Máxima, as mulheres, o feminismo

Um certo retorno à qualidade do que é bem feito, bem pensado e executado, com tempo, por mãos sábias ou cabeças pensantes. Apesar da razia superficial da era do entretenimento que tudo atropelou em prol dos números, da industrialização das ideias e das séries que toda a gente vê, volta a haver espaço para a qualidade e para a sofisticação. Que começa na discussão social dos grandes temas adiados - para a Máxima é muito querida a igualdade de género no seu sentido mais lato, seja pensar a violência doméstica ao movimento #metoo, a identidade sexual ou a sua vivência - passando pela forma como alguns de nós escolhem viver cada vez mais: com menos e melhor. E não se pode querer melhor sem normalizar e enraizar os princípios da sustentabilidade e da consciência ambiental e humana. Isto se quisermos que haja futuro.

Maria João Martins

A coragem de Simone Biles

Estava tudo preparado para que a ginasta norte-americana Simone Biles chegasse aos Jogos Olímpicos de Tóquio, conquistasse medalhas, agradecesse os aplausos e saísse em gracioso silêncio, como sempre se espera dos campeões. Mas Simone aproveitou a ocasião tão mediática para denunciar pressões, abusos e sobretudo a negligência de que são objeto os problemas de saúde mental sofridos por muitos atletas. Num statement que ficou para História, a ginasta aconselhou os atletas a colocarem a saúde mental "em primeiro lugar" porque "se não o fizerem, perdem o gosto pelo desporto e e prestação também não é a mesma". Mas a sua coragem não ficaria por aqui. Ouvida no Comité Judicial dos Estados unidos, Simone Biles acusou a Federação norte-americana de Ginástica e mesmo o FBI de desvalorizarem as suas declarações sobre os abusos sexuais cometidos durante anos pelo médico da Federação, Larry Nassar. Chapeau, Miss Biles!

Foto: Getty Images

Mães Paralelas, de Pedro Almodóvar

Um filme novo de Pedro Almodóvar é sempre um acontecimento. Depois da média-metragem protagonizada por Tilda Swinton, A Voz Humana, o cineasta manchego voltou a um tema que lhe é caro, a maternidade. O tom é melancólico (como já fora em Dor e Glória) mas Almodóvar consegue ser tão grande a tratar as sombras como o fora na exuberância das suas grandes comédias nos anos dourados da movida madrilena e da transição para a Democracia.

Acresce que, neste filme, o realizador trata, ainda que em segundo plano, o tema das vítimas silenciadas da Guerra Civil de Espanha, uma ferida nunca sarada em tantas famílias do país vizinho.

Foto: IMDB

Lançamento das obras de Maria Judite de Carvalho

As efemérides permitem lançar uma nova luz sobre figuras que, por qualquer razão, tinham despertado menos atenção do que a merecida. É o caso da escritora Maria Judite de Carvalho, cujo centenário de nascimento está a ser assinalado com o lançamento das suas obras completas. Mulher reservada, ficou muitas vezes na sombra do marido, o também escritor Urbano Tavares Rodrigues, mas, nas suas novelas e contos, Maria Judite faz o retrato irónico e desencantado da vida da pequena burguesia lisboeta sob a ditadura, em particular as frustrações e desistências das mulheres, e de toda uma sociedade lentamente envenenada pela moral hipócrita de Estado e Igreja. Tudo isto servido por uma escrita de grande vigor e perspicácia, sem margem para facilitismos ou lugares-comuns. A não perder obras como Tanta Gente, Mariana; Seta Despedida ou Paisagem sem Barcos.

Tiago Manaïa

A noite lisboeta

Sem febre, atento às alucinações. Passei para o lado da noite.

O segundo confinamento trocou-me as voltas, o silêncio dos dias tornou-se absurdo. Deitei-me às sete da manhã, durante uma grande parte de 2021.

A pandemia não abrandou em nada a gentrifição em Lisboa e no bairro onde vivo as obras multiplicaram-se. Em abril, alguém se esqueceu de um rádio ligado na obra de um prédio. A rua ficou em silêncio, como nos meses anteriores, sem o barulho de carros a deslizar ruidosamente na calçada ou caminhantes capazes de desafiar o recolher obrigatório. Ficou apenas o rádio esquecido a tocar pela noite dentro. Durante horas passaram hits de várias décadas, resumindo a cultura pop mundial, até que a Canção do Engate do António Variações começou a tocar.

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Fiz um vídeo com alguns segundos, postei-o no Instagram. "Tu estás só e eu mais só estou, tu que tens o meu olhar", canta ele na minha rua deserta. Vou dormir. Acordo a olhar para a minha caixa de mensagens cheia. Miúdos de universidades partilharam o vídeo, milhares de vezes.

O Variações morreu em 1984 isolado pelo estigma da Sida, passaram 38 anos e o génio do cantor continua a chegar a gerações de portugueses e estrangeiros como um dos mais belos símbolos da cultura portuguesa.

Conversas literárias e voltar a dançar

Em maio, para a Máxima, entrevisto a escritora marroquina Leïla Slimani a propósito do seu livro O País dos Outros. Um encontro formal na sede da sua editora em Lisboa. Ao fim de uma hora de conversa trocamos números de telefone, as amizades começam assim.

Semanas mais tarde, digo-lhe que vou fazer figuração na nova longa metragem de Leonor Teles, um dia de rodagem na pista de dança do Lux Frágil. Vou porque tenho saudades de dançar. Lisboa está mergulhada na ameaça da variante Delta. A Leïla junta-se a mim, quer dançar também.

Foto: Basti Schulze

Todos testados de resultado negativo, os nossos corpos têm na mesma dificuldade em misturar-se com os dos outros figurantes. Sentimos a mesma estranheza. A equipa que nos filma pede proximidade para a ficção. Aos poucos o abandono acontece. O som volta a vibrar em nós.

A liberdade daquela tarde de julho passa a uma rapidez alucinante. Durante algumas horas, a utopia dos encontros que se fazem na pista de dança é de novo real.

As discotecas acabam por poder funcionar no seu todo, só em outubro. Dessa abertura tardia, em que já todos podemos dançar, guardo a magia de um set com discos de vinil da Dj Trans Octo-Octa. Ela sozinha representa, com a sua presença, a possibilidade de uma discoteca funcionar como um safe space, onde a homofobia, o sexismo, a transfobia e a violência são abolidas. 

Viajar, sentir o mundo

Em junho, viajei até Veneza, a primeira vez que deixo Portugal em dois anos. Chego a uma cidade turística sem ninguém, as ruas estão vazias, não é comum. Os cruzeiros do tamanho de centros comerciais já não estão a atracar ali.

Foto: Tiago Manaïa

Fico 15 dias, sinto que as viagens em tempo pandémico devem ter esta longevidade. A beleza da cidade é esmagadora. O clássico da arquitetura mistura-se com os cabelos cor de rosa dos jovens que visitam monumentos. Gosto desta imagem.

Há filmes de Murnau a serem projetados em jardins, intervenções de Banksy (referindo a crise migratória) nos muros de um palazzo.

Foto: @banksy

No Lido, mergulho na praia onde foi filmado o filme de Visconti, Morte em Veneza.

Há uma pedra pintada com uma espécie de grafitti em frente ao mar, tem escrito "delírio", o sol põe-se nas águas paradas do mar adriático. E eu pergunto-me o que distingue a realidade de uma alucinação.

Rita Silva Avelar

Saúde mental no desporto

2021 foi um ano de emoções. Aliás, este foi um dos anos que mais me emocionou. Estávamos no auge do verão quando Simone Biles saiu da competição feminina por equipas durante os Jogos Olímpicos de Tóquio. Embora houve quem quisesse camuflar a desistência como cansaço e uma lesão, a medalhada ginasta chegou-se à frente para trazer à discussão, uma vez mais, a importância da saúde mental. Biles, que tem uma história de vida já de si dramática e que já tinha dado mostras da sua coragem imensa ao falar em nome de vítimas de abuso sexual no seio da Ginástica, uma situação que ela também viveu na pele, representa um ponto de viragem na discussão da saúde mental no Desporto. É a Atleta do Ano pela revista Time.

Em Portugal, também a atleta Vanessa Fernandes assumiu o trauma psicológico que a pressão para vencer lhe deixou, agravado por um transtorno alimentar, anos após se ter afastado da alta competição. O mundo está a mudar, e as mulheres são as pioneiras. É impossível não chorar com este testemunho que me marcou, também, pela sua franqueza.

Foto: Reuters

Olhar feminino

Nunca deixamos de olhar o futuro, mas também podemos ser um pouco saudosistas com o passado, e a certo ponto desta ano foi isso que me aconteceu com o livro Helmut Newton: Legacy (editado pela Taschen), que compila as melhores fotografias de Helmut Newton entre 1920 e 2004, um verdadeiro objeto de desejo. No ano em que se assinalaria o seu 100º aniversário - 2020 – a pandemia não deixou que se concretizasse a retrospetiva ao fotógrafo alemão no Museu da Fotografia em Berlim, mas nem por isso esquecemos a sua desarmante obra. As fotografias mais marcantes da sua carreira lembram-nos o estonteante poder dos corpos femininos. Um visionário, Newton já compreendia a nova ideia de diversidade, aceitação e feminilidade, e isso, só por si, é razão para trazer a sua memória ao presente.

Foto: Taschen

Visceral

Entre os livros que me tiraram o sono, estão dois da jornalista e escritora Lisa Taddeo. Animal revolve-nos as entranhas e é um verdadeiro page turner, tal como seu anterior, Três Mulheres. Animal acompanha a vida de uma mulher, Joan, que foi sendo atraiçoada, marcada e transformada pelos homens com que se vai cruzando. É a epítome do patriarcado, dos mais pequenos ao mais revoltantes gestos, contada numa voz feminina, que se faz ouvir de forma imponente e inesquecível. A escritora, que também é jornalista, contou-nos tudo nesta entrevista

Foto:

Rosário Mello e Castro

Não somos as vossas musas, o triunfo das mulheres artistas na Gulbenkian

A falta da comparência feminina é desconfortavelmente evidente na história das Artes Plásticas e a exposição Tudo o que eu Quero — Artistas Portuguesas de 1900 a 2020 foi prova de que a culpa não é delas, como explicámos neste artigo da Máxima. Helena Almeida, Paula Rego, Aurélia de Sousa ou Grada Kilomba passaram pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para mostrar que a desigualdade de género é tudo menos uma questão artística. Como resumiu um dos curadores, Bruno Marchand, o que se quis fazer foi "uma extraordinária exposição de Artes Visuais" na esperança de que o mundo perceba a importância de nivelar homens e mulheres – nas conquistas como nos defeitos.

Violência doméstica, um problema dos outros

Mesmo no fim do ano, ficámos a saber que a violência doméstica é o crime mais cometido em Portugal com números que permanecem desconcertantes, apesar de estarem abaixo da média europeia. O fenómeno tem camadas que vão da mais evidente agressão a minudências que escapam ao mais atento dos observadores. O estigma persiste e impõe um silêncio que atravessa classes sociais de forma ensurdecedora. Há uns meses, o governo assegurava que "não há hoje nenhuma nova esquadra ou com uma remodelação significativa que não tenha uma zona específica para atendimento a vítimas de violência doméstica." A mudança tem de ser estrutural e esse é o verdadeiro desafio: sabermos educar para a igualdade e criarmos rapazes, raparigas e adultos de ambos os géneros capazes de a entender. Para que mais ninguém tenha de ouvir um agente da autoridade dizer "para a próxima escolha melhor o namorado" ou um profissional de saúde mental assegurar que "isso não e nada, há quem fique cheio de nódoas negras."

Foto: Julian Wasser/Netflix

Joan Didion, a mulher que nos ensinou o luto

Num ano em que a pandemia voltou a confinar despedidas e emoções, só uma escritora nos poderia acompanhar na montanha russa que é a perda. Regressar a O Ano do Pensamento Mágico, o livro que Joan Didion dedicou à morte do marido, o também jornalista e escritor John Gregory Dunne, é consentir que a vida pode mesmo mudar num instante, quando nos sentamos para jantar. Didion, que desapareceu nas últimas semanas do ano, deixou-nos essa e muitas outras lições, da forma como trouxe a Moda para o jornalismo sem pruridos, ou como testemunhou - implacável – a história recente norte-americana.  

Ana Damião

Moda nacional

Ao contrário de 2020, a última ModaLisboa deste ano contou com a presença do público e, como é óbvio, a Máxima também lá esteve. Entre conversas, desfiles e workshops, uma vez lá dentro, encontramos um mundo de novos talentos e vontade de antecipar o futuro. O design nacional está vivo e recomenda-se!

Foto: ModaLisboa

Direitos humanos no Afeganistão

Em agosto, os talibãs tomaram de novo o Afeganistão, depois das forças militares norte-americanas deixarem o país. Passados 20 anos, os cidadãos afegãos viram as suas vidas viradas completamente do avesso, principalmente as mulheres e as crianças, uma consequência das restrições impostas pelos responsáveis que instauraram o Emirado Estado Islâmico no país. Os relatos são vários: a atriz e ativista Angelina Jolie utilizou pela primeira vez o Instagram para partilhar a carta de uma adolescente afegã, cujo conteúdo dá-nos um vislumbre da sua vida - deixou de poder trabalhar e de ir à escola em segurança. Outra história igualmente impressionante é a de Zarifa Ghafariantiga presidente da Câmara de Maiden Sharh, que teve de fugir do Afeganistão depois de lhe matarem o pai. A ativista partilhou a sua luta da última vez que esteve em Portugal, durante o verão, com o apoio da organização Women in Tec.

Foto: D.R

Natal e família

Durante as festas de Natal, lembrei-me de um romance de Toshikazu Kawaguchi, cuja história gira em torno das relações pessoais entre um grupo de amigos e familiares. Em quatro capítulos, temos um vislumbre da vida de cada uma das personagens – casais que se separam, casamentos que se desfizeram perante doenças inesperadas, sacríficos que pais fizeram pelos filhos e arrependimentos entre irmãs. Antes que o Café Arrefeça transporta-nos inevitavelmente para as nossas próprias dinâmicas familiares, e a quadra festiva apenas as enaltece. Entre pratos de bacalhau e bolo rei, a família une-se, agradece aquilo que tem (cliché, eu sei) e recorda os que já partiram.

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