“Quanto mais nos matam, mais fortes nos erguemos”. Zarifa Ghafari, a voz das mulheres afegãs
A associação Corações com Coroa, em conjunto com a Women in Tech, recebeu esta semana Zarifa Ghafari, ativista dos direitos humanos e antiga presidente da Câmara de Maiden Sharh, Afeganistão, cuja vida deu uma volta de 180 graus depois dos talibãs tomarem Cabul.

Sofreu três tentativas de assassinato enquanto presidente da câmara de Maiden Sharh, a capital de Wardak, no Afeganistão, mas Zarifa Ghafari não se considera uma super-heroína, embora a sua tenacidade, garra e coragem indiquem o contrário.
"Não me sinto assim porque penso que há mais coisas que preciso de fazer. O objetivo ainda não foi cumprido", disse à Máxima durante a sua passagem por Lisboa esta semana.

Com apenas 24 anos, assumiu o cargo de autarca com o objetivo de tornar o seu país um local seguro para todas as mulheres afegãs, uma missão urgente tendo em conta a realidade atual do Afeganistão. "Precisamos de lutar mais. Sou apenas uma lutadora, mais nada. Sou apenas humana", afirmou.

Como muitos cidadãos, também ela teve de fugir quando os Talibãs tomaram a capital de Cabul à força. Há uns dias, esteve em Portugal com o apoio da associação Women in Tech, uma organização sem fins lucrativos que defende o empoderamento das mulheres.

Os desafios da jovem afegã bateram-lhe à porta bastante cedo na vida. Quando tinha apenas quatro anos, ficou responsável por cuidar da casa e dos irmãos mais novos enquanto os pais estavam fora a trabalhar.
Na conferência, conduzida por Catarina Furtado, presidente da Corações com Coroa, Zarifa contou que candidatar-se a uma autarquia nunca fez parte dos seus planos, mas que o seu marido a acabou por convencer. Assim, assumiu o cargo em 2019, não se deixando abalar pelas ameaças de morte que recebia de grupos terroristas, nem pelos ataques à sua vida, um deles com ácido, que lhe deixou com queimaduras no corpo.
A tomada de Cabul, em agosto deste ano, foi o único acontecimento que a fez fugir. A prioridade era levar a família para um "porto seguro", pois os talibãs já lhe tinham tirado o pai.

"Vinte dias depois de me atacarem, quando não tiveram sucesso e não me conseguiram matar, eles mataram o meu pai só para me travar", declarou. Mas é preciso mais para fazê-la baixar os braços. Agora, a ativista está determinada a negociar com o governo, em nome de todas as mulheres afegãs cujos direitos estão a ser ameaçados e violados.

"Não tenho medo deles", afirmou, explicando que "esta grande confusão precisa de ser corrigida" e que os talibãs estão a usar a religião islâmica como um meio para invadir países. "A minha cultura é tão boa para a mulher. É tão linda, tão pacífica", disse. "Isto é tudo sobre dinheiro, a guerra é apenas um negócio". Zarifa acredita que se o grupo talibâ quer mesmo governar o Afeganistão, irão precisar das mulheres, visto serem 50% da população atual.

Criticou também o Paquistão por apoiar o terrorismo no seu país, salientando quão necessária é a aplicação de sanções e de pressão política por parte das outras nações.
"Quanto mais nos matam, espancam, abandonam e tentam silenciar-nos, mais fortes nos erguemos, porque essa é a única solução para o meu país", defendeu.
Na conferência, recordou ainda como foi deixar a sua terra, embora as palavras lhe escapassem dos lábios com dificuldade. "Deixei parte de mim lá", confessou. "Nada o pode explicar. Ainda tenho pesadelos com isso". Para a ativista, deixar o Afeganistão e todas as mulheres que continuam em perigo para trás, como as militares, jornalistas e ativistas, foi mais doloroso do que a morte do pai.


Relativamente às formas de ajudar, pode fazê-lo através da assinatura da petição disponível no site da Zarifa e através do fundo Junto Acolhemos, criado pela Corações com Coroa e pela Cruz Vermelha Portuguesa, cujas doações estão abertas até 31 de dezembro e que tem como missão dar resposta a necessidades específicas no âmbito da educação e saúde de mulheres e crianças refugiadas, em programas de acolhimento em Portugal, sendo que metade da verba será dirigida a jovens e crianças afegãs.

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