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O erro e a consequência

01 de fevereiro de 2022 às 07:00 Cláudia Lucas Chéu

Não me deixaram embarcar para o Chile. Ia para um festival de poesia e ciência chamado Acrux, em Punta Arenas, mesmo junto à Patagónia. Fiquei sentada no aeroporto de Madrid à meia-noite, sozinha, a não acreditar que aquilo me estava a acontecer. Não me caiu logo a ficha. Liguei para o produtor. Amabilíssimo, ficou a tentar resolver a minha documentação Covid, que, estando certa para as leis portuguesas, não correspondia aos trâmites legais chilenos. A assistente de terra em Madrid a concordar comigo no nonsense de toda a situação, não fazia sentido não me deixar embarcar, mas obedecia a regras. Regras que são cumpridas sem raciocínio, como muitas, apenas porque se obedece. Uma espécie de banalidade das regras, versão ligeira e inspirada na criada por Arendt.

O aeroporto a esvaziar-se aos poucos e eu sentada num banco, sem jantar, com o estômago a dar horas. Contava comer no avião e todos os estabelecimentos já estavam fechados no aeroporto. Que bizarria. Seria também devido às regras Covid? Estabelecimentos encerrados no aeroporto à hora das crianças irem para a cama. Incompreensível. Decidi aguardar em Madrid para que a minha documentação Covid fosse revista pelo governo chileno e certamente aprovada. Estava tudo certo. Reservei um quarto reles no centro da cidade e chamei um Bolt. Duas da manhã. Sozinha no aeroporto, os únicos transeuntes com quem me cruzei não eram transeuntes, estavam deitados nos bancos do aeroporto com os casacos sobre as cabeças; dormiam.

Quando chegou o motorista do Bolt, um jovem com menos de trinta anos, trazia a máscara no queixo e logo percebi que talvez se tratasse de um Fittipaldi, célebre corredor de Fórmula 1, frustrado. Levou-me ao centro da cidade em menos de 20 minutos, fui acompanhando o conta-quilómetros que indicava mais de 150 km/h. Pensei que talvez fosse mais provável morrer dentro de um Bolt às duas da manhã a caminho de Madrid do que dentro de um avião a caminho da escala que faria em Lima, no Perú. 

O aeroporto a esvaziar-se aos poucos e eu sentada num banco, sem jantar, com o estômago a dar horas. Contava comer no avião e todos os estabelecimentos já estavam fechados no aeroporto. Que bizarria. Seria também devido às regras Covid? Estabelecimentos encerrados no aeroporto à hora das crianças irem para a cama. Incompreensível. Decidi aguardar em Madrid para que a minha documentação Covid fosse revista pelo governo chileno e certamente aprovada. Estava tudo certo. Reservei um quarto reles no centro da cidade e chamei um Bolt. Duas da manhã. Sozinha no aeroporto, os únicos transeuntes com quem me cruzei não eram transeuntes, estavam deitados nos bancos do aeroporto com os casacos sobre as cabeças; dormiam.

O quarto que reservei cheirava mal e não tinha sabonete. Na minha mochila só uma pasta e escova de dentes, o computador e alguns livros. Lavei as cuecas com água e pu-las a secar no puxador da janela. Dormi com a roupa que trazia, não tinha mais nenhuma. Eram três da manhã. Adormeci de imediato. No dia seguinte, ainda sem notícias da documentação Covid, decidi comprar bilhetes para ir ao Teatro; graças ao erro chileno, ia ter a possibilidade de assistir ao espectáculo de uma das dramaturgas e encenadoras que mais admiro, a Angélica Liddell. Assim foi. Nessa noite fui esmagada pela Angélica. Jesus, Maria e a Angélica a urinar para dentro de um tubo de ensaio. Repensei a minha vida enquanto artista. Lembrei-me que sou tão terrorista como a Angélica e que tenho andado a fazer bolinhos em vez de dar tiros. O erro manteve-se para o governo chileno, não cheguei a embarcar. Tive de voltar para Portugal, mas trouxe comigo a consequência. 

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