Entrevista

Salvador Martinha: “A Plim é um bocadinho o House of Cards do mundo dos influencers.”

“Plim – Passa lá na agência” é uma verdadeira peça de teatro, inspirada numa personagem que Salvador tornou célebre nas redes sociais – Plim é agente de influencers. O espetáculo que é documentado no Instagram do comediante, parte em digressão pelo país esta semana. Encontro nos bastidores em Lisboa.

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06 de abril de 2023 Tiago Manaia e Ana Sofia Pinto

Anoitece perto do Teatro Tivoli em Lisboa. Há um jogo de futebol a agitar o movimento da cidade, buzinas de carros e obras ruidosas nas ruas contrastam com o silêncio dos bastidores onde nos encontramos com Salvador Martinha. Tem pouco tempo, está empenhado em fazer todos os exercícios de aquecimento que o preparam para o espetáculo que começa dentro de duas horas. É uma superstição que lhe guia o corpo na sua adaptação teatral. Foi surpreendido, nos dias que antecederam a estreia, por uma vertigem de nervos esmagadora. O que faz agora é diferente dos espetáculos de stand-up que fez no passado. Plim, passa lá na agência é uma verdadeira peça de teatro, um diálogo de hora e meia escrito para dar vida e enredo a uma personagem que se tornou célebre nas suas redes sociais – pareciam ser improvisações espontâneas feitas à volta do universo de uma agente de carreiras digitais.

Plim, passa lá na agência é uma verdadeira peça de teatro, um diálogo de hora e meia escrito para dar vida e enredo a uma personagem que se tornou célebre nas redes sociais.
Plim, passa lá na agência é uma verdadeira peça de teatro, um diálogo de hora e meia escrito para dar vida e enredo a uma personagem que se tornou célebre nas redes sociais.

A atitude desenvolta de Plim aborda muitas vezes no Instagram de Salvador a atualidade dos escândalos do universo digital. São polémicas que se amparam na vida real, também. Será sobre esse abismo que o comediante quer falar? No seu podcast Ar Livre, Salvador dizia-se consumido pelos ensaios e aquilo que terá sido a procura dos movimentos de Plim. Chegou mesmo a achar estranho olhar para o seu sexo masculino quando ia à casa de banho, "talvez a Plim seja uma personagem não binária", concluía, numa procura não definitiva.

A atitude desenvolta de Plim aborda muitas vezes no Instagram de Salvador a atualidade dos escândalos do universo digital.
A atitude desenvolta de Plim aborda muitas vezes no Instagram de Salvador a atualidade dos escândalos do universo digital.

Para ter esta conversa caminhamos até chegar ao seu camarim. 

Diz-nos: "desculpem pode estar a cheirar a mofo por causa de uma toalha mal seca", e despeja um spray com cheiro a mentol para o ar. 

Salvador pede aos contrarregras do teatro para escrever o nome da atriz Jessica Athayde à porta de um outro camarim. Será sua convidada esta noite, todas as sessões do espetáculo recebem uma influencer diferente. "Quero que se sinta bem recebida e não seja só mais uma." A sua atenção e preocupação com o detalhe lembra os atores protagonistas que carregam a responsabilidade de um filme de grande orçamento nos ombros. Salvador não está sozinho, ao seu lado o ator João Maria ouve-o, é com ele que contracena em palco. João faz de Ron Ron, um jovem da província que aspira gerir carreiras neste universo de filtros que viram também pesadelo. "Eu devia estar a passar o texto do espetáculo", diz Salvador, mal ouve a voz do encenador Rui M. Silva ao fundo do corredor.

Percebemos que é a nossa deixa para ir, a conversa que se segue foi gravada momentos antes.

"Talvez a Plim seja uma personagem não binária", concluía Salvador Martinha, numa procura não definitiva.

De onde surgiu esta ideia de brincares com a internet ou com pessoas que acabam por expôr um quotidiano na internet?  Porque a internet é um lugar ridículo? 

Como é que me apetece responder a essa pergunta? Eu acho que tudo é ridículo. Todos somos ridículos. Se fizeres um exercício e todos os dias puseres um post teu e uma storie também vais ser ridículo. Às vezes as pessoas brincam com os influencers quase como se tivessem fora da órbita do ridículo. Não estão. Apenas não se filmam. A partir do momento em que as pessoas se filmam, estão mais expostas. 

Esta minha ideia nunca veio de uma perspetiva negativa condescendente. Eu e o João Maria não estamos num sítio diferente, não é como se fossemos melhor que as pessoas. Aliás eu e o João partilhamos da mesma coisa. Nós gostamos de influencers, gostamos de miúdas giras, senão elas não estavam cá. (risos)

Eu e o João partilhamos da mesma coisa. Nós gostamos de influencers, gostamos de miúdas giras, senão elas não estavam cá. (risos)
Eu e o João partilhamos da mesma coisa. Nós gostamos de influencers, gostamos de miúdas giras, senão elas não estavam cá. (risos)

A tua personagem diz muitas vezes: "Olha a Joana Marques gozou contigo". Há esta ideia de que um sucesso na internet pode virar um bocado pesadelo. Recentemente uma apresentadora dizia só receber ódio (nas redes sociais) depois de ter sido comentada no programa da Joana Marques, e tu gozas também com tudo isso inventando uma ficção para sustentar esse gozo...

No nosso caso é mais fácil fazer porque metemo-nos como personagens dessa brincadeira. Não estamos a brincar de fora para dentro – nós estamos dentro. Estamos a fazer parte das regras daquele jogo o que nos permite ter mais liberdade. O mais fixe do humor é quando tu brincas com as pessoas, e pessoas com quem brincas se riem disso. Claro que às vezes brincamos e as pessoas não gostam. Há sempre os lesados do humor. 

O mais fixe do humor é quando tu brincas com as pessoas, e pessoas com quem brincas se riem disso. Claro que às vezes brincamos e as pessoas não gostam.
O mais fixe do humor é quando tu brincas com as pessoas, e pessoas com quem brincas se riem disso. Claro que às vezes brincamos e as pessoas não gostam.

O que têm dito os agentes e diretoras de agências?

As agentes gostam porque se identificam. Há 20 anos que recebo chamadas de agentes e produtores, portanto isto não é ninguém especificamente. No fundo são todas as memórias do meio que estão aqui.

Um dia depois da estreia, explicavas no teu Instagram a necessidade de começar o teu espetáculo à hora certa – estavas a explicar ao teu público como se deve ir ao teatro? 

Sou de uma geração que lutou para ter o seu público. Eu não estou na órbita de pertencer a uma companhia em que o público está lá. Todo o público que está aqui foi ganho, um a um. E tenho muito respeito por isso. Na lógica dos teatros, as pessoas que se atrasam não podem entrar e a mim custa-me fechar a porta na cara de uma pessoa, até agora ainda não fechámos... Aqui estamos a fazer a ponte e esse diálogo. Também não seria bom, de repente, eu dizer: "já não sou a mesma pessoa de há 20 anos – mudei completamente e não vos disse nada, agora vocês chegam ao teatro e a porta está fechada."

Sou de uma geração que lutou para ter o seu público. Eu não estou na órbita de pertencer a uma companhia em que o público está lá. Todo o público que está aqui foi ganho, um a um.
Sou de uma geração que lutou para ter o seu público. Eu não estou na órbita de pertencer a uma companhia em que o público está lá. Todo o público que está aqui foi ganho, um a um.

O que tu dizes sobre ter conquistado um público a muito custo parece-me ser a mesma luta dos atores de teatro alternativo. Sentes que podes trazer alguma magia a pessoas que nunca vieram ao teatro?

Sinto que os stand up comedians fizeram esse trabalho pelos teatros. Não é muito reconhecido, acho que a esfera do teatro põe o stand up numa liga à parte, o que é certo é que os stand up comedians trouxeram muitas pessoas aos teatros. Às vezes o stand up pode ser uma primeira experiência e depois as pessoas passam para o teatro. É um bocadinho como a literatura, as pessoas podem começar por ler os livros que estão nos 10 mais vendidos e depois...

Passam para o Saramago?

Exato, mas assim parece que estou a tirar mérito aos stand up comedians como se não tivessem profundidade. A comédia tem essa leveza. A comédia tem uma leveza que o Rei Lear não tem.

Acho que a esfera do teatro põe o stand up numa liga à parte.
Acho que a esfera do teatro põe o stand up numa liga à parte.

Mas neste espetáculo também pareces querer evocar sobretudo a crueldade do (mundo) digital, ou não?

Isso é o que nós exploramos...A Plim é um bocadinho o House of Cards do mundo dos influencers. Se nós tivermos um alvo... (pausa). Bom, não é bem um alvo, porque nós não queremos abater ninguém. O que nós trazemos são dúvidas e depois as pessoas respondem por si. Portanto [o alvo] talvez seja a máquina que está por trás disto tudo e não tanto as influencers. Como é que se fecham os negócios?

Como se chega àquelas coisas que nós vemos todos, às campanhas de biquínis ou a estes universos milionários que as pessoas imaginam? Como é que são os bastidores? E há aqui muitas coisas feitas em cima do joelho, há muito jogo de cintura. Pela rapidez do próprio meio, saltam-se algumas regras elementares das ligações humanas... Ficam para trás. 

Na corrida da vida se tu estiveres muito stressado vais ver que foste menos cuidadoso. Há muitas coisas que ficam para trás... Com o tempo, somos melhores pessoas. 

 O que nós trazemos são dúvidas e depois as pessoas respondem por si. Portanto [o alvo] talvez seja a máquina que está por trás disto tudo e não tanto as influencers.
O que nós trazemos são dúvidas e depois as pessoas respondem por si. Portanto [o alvo] talvez seja a máquina que está por trás disto tudo e não tanto as influencers.

Portanto, há uma ideia humanista?

É fazer esse espelho.

O teatro está a obrigar-te a uma grande concentração? Na estreia dizias que estavas muito nervoso.

Sinto que fiquei vivo e isso é bom. O que senti foi como quando temos um medo quase incapacitante e depois à medida que vamos crescendo é tipo... Olha, fiz e não morri... (pausa). Fiz e não morri... Fiz e não morri.

Na corrida da vida se tu estiveres muito stressado vais ver que foste menos cuidadoso. Há muitas coisas que ficam para trás... Com o tempo, somos melhores pessoas. 
Na corrida da vida se tu estiveres muito stressado vais ver que foste menos cuidadoso. Há muitas coisas que ficam para trás... Com o tempo, somos melhores pessoas. 

Plim em cena no Porto a 10 de abril, Guimarães 15 de abril, Aveiro dia 19 de abril, 8, 9, 10 de maio em Lisboa.

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