“Ou nós matamos o inimigo ou eles matam os nossos filhos." Testemunhos das mulheres soldado da Ucrânia
Perante a ameaça de uma invasão pela Rússia, homens e mulheres estão a alistar-se em unidades de reserva para “salvar o seu país” e “proteger os seus filhos”.

No dia em que os tanques russos avançarem para Kiev, Marta Yuzkiv não estará junto dos filhos. Tal como um número cada vez mais elevado de mulheres suas compatriotas, esta cientista de 51 anos irá pegar em armas para defender a capital – deixando os seus gémeos em casa. "Ou nós matamos o inimigo ou o inimigo mata os nossos filhos", disse ao Daily Telegraph a senhora Yuzkiv, em sua casa, em Hnativka, perto de Kiev.
À medida que a Ucrânia se vai preparando para uma potencial invasão por parte de 100.000 tropas russas estacionadas junto às suas fronteiras, homens e mulheres, de igual modo, estão a afluir para as unidades de reserva.

Estatísticas recentes demonstram que 15,6% do exército regular é composto por tropas femininas – o dobro das que se envolveram no conflito de 2014 – e elas são cada vez mais vistas nas linhas da frente no Leste da Ucrânia. Comparativamente com países como o Reino Unido, este número é de 11%.
Todos os sábados, a senhora Yuzkiv apresenta-se num centro de treino perto de Kiev onde os soldados reservistas aprendem a operar os checkpoints, a disparar espingardas e a proteger edifícios-chave.
É um trabalho física e mentalmente exigente, especialmente porque a Yuzkiv já trabalha a tempo inteiro como perita de investigação clínica. Mas a não ser que a Rússia pare de ameaçar a Ucrânia com uma invasão, ela diz que não lhe resta outra opção senão defender a sua pátria.

"Não quero ser uma vítima", disse ela. "Definitivamente não quero viver sob ocupação e não me vou embora daqui, portanto, a minha opção é lutar pela minha terra, a minha família e o meu país."
No mês passado, o governo ucraniano apelou a todas as mulheres com idade entre os 18 e os 60 anos em condição física aceitável que se alistassem para potencial prestação de serviço militar.
"Somos tratadas de igual modo ao dos homens", diz Yuzkiv,que se alistou nas forças de voluntários depois de ter lido uma notícia. "A pressão física é a mesma – sendo que eu acho que, em alguns casos, as mulheres têm maior resistência."

O marido dela, Sergiy, de 43 anos, também se alistou como reservista. Os dois conheceram-se ao trabalharem na mesma empresa de investigação clínica, onde Marta era sua supervisora. Apaixonaram-se pouco depois.
Agora, até treinam juntos em casa, usando espingardas de pressão de ar para aperfeiçoarem a pontaria. Este duro novo estilo de vida já deu origem a conversas difíceis em casa, tais como planos de evacuação para os filhos e a perspetiva de terem de matar pelo seu país.
Mal a invasão comece, o casal receberá as suas primeiras ordens para defenderem Kiev. De acordo com os seus atuais planos, os seus dois gémeos de 13 anos ficarão em casa enquanto eles estiverem a lutar. Mas se os russos tomarem Kiev, serão levados para o ocidente.

Além disso, eles já prepararam um abrigo antiaéreo na cave, que está cheio de comida enlatada e outros mantimentos. Até têm um stock de vinho caseiro, ao passo que a sua horta e galinheiro deverão providenciar quantidades substanciais de comida.
Uma das instrutoras da senhora Yuzkiv, Iryna Yosypenko, é uma médica de combate ucraniana que entrou em ação na guerra de 2014. Recentemente, regressou ao exército para ensinar voluntários a retirarem os feridos, fazer curativos e tratar ferimentos, ministrar analgésicos e aplicar torniquetes.
"Reparo que não apenas agora, mas também em 2014, as mulheres são muito ativas e estão prontas a alistar-se no exército a qualquer momento – estão prontas a defender o seu país", disse ela.

Mas, segundo acrescentou, as mulheres-soldado enfrentam alguma discriminação por parte dos veteranos mais velhos, que têm gozado com elas em posts nas redes sociais.
"Eles dizem que a guerra não é lugar para as mulheres. Tristemente, isso diz muito acerca da discriminação. Mas não ouço isto vindo de pessoas que prestam serviço agora no exército, por isso estou satisfeita com esta situação", diz ela. "Fico contente por ver mulheres que dizem que estão a entrar para as forças armadas para salvarem o seu próprio país", afirma, "estas mulheres são os soldados mais eficientes."
Outro motivo para as mulheres se alistarem, diz ela, é a proteção dos seus filhos – embora para algumas, ter de escolher se devem ou não deixar para trás os filhos para irem lutar é um verdadeiro dilema

De volta em Hnativka, a vila de Yuzkiv, esta afirma que os filhos estão bem preparados para cuidarem de si próprios: ambos andam a treinar as suas aptidões de primeiros socorros.
O "extraordinário" apoio dos aliados ocidentais, nomeadamente da Grã-Bretanha, também tem sido uma enorme fonte de moral, diz ela.
"Temos de manter a calma e de continuar a andar para a frente", acrescenta esta admiradora de Winston Churchill, aludindo ao totémico lema britânico da era da Segunda Guerra Mundial. "E eu acho que hoje em dia estamos numa situação melhor do que nunca: somos independentes, já tivemos experiência de luta contra um exército bem treinado e estamos prontos para nos defendermos contra ele."

Créditos: Por James Rothwell em Hnativka e Tanya Kozyreva /The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Adelaide Cabral

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