Maria Teresa Horta (1937-2025): "Eu sempre fui considerada uma pessoa de mau feitio em todo o lado, dos jornais à família"
Símbolo máximo da poesia erótica, do jornalismo e do feminismo português, pôs-se no meio da arena, em plena ditadura, e deu o peito às balas para que as mulheres tivessem todos os direitos que foram negados às gerações anteriores, e às anteriores. Aos 86 anos, continuava a ser uma inspiração e uma referência de justiça, inteligência e sensibilidade, como de candura, de teimosia e do “mau feitio” dos muito poucos que fazem o mundo avançar. Maria Teresa Horta morreu, deixando um legado inigualável na literatura, no ativismo e na defesa intransigente da liberdade.

Apanha-nos a sair do elevador, os seus olhos azul-fosforescentes espreitam pela porta e sorriem, encaminhando-nos até à sala. É ali que Maria Teresa Horta escreve e faz as suas leituras, naqueles sofás de veludo em tons de pedras preciosas. Aparece descalça e veste um cardigan roxo-escuro, que faz sobressair os seus grandes caracóis arruivados e a pele de porcelana, e uma saia violeta com uma grande racha. A luz poisa diagonal e ilumina-lhe o corpo pequeno e franzino, tem uma doçura de menina que permanece, uma feminilidade felina, quase frágil, que tão bem contrasta com a sua argúcia selvagem, de uma rara modernidade intacta. Num canto de penumbra, dois pequenos móveis brancos com flores pintadas à mão transportam-nos para um boudoir do século XVIII e, na mesa de centro, estão várias pedras coloridas em forma de coração espalhadas sobre uma pilha de livros e revistas: "Gosto de estar rodeada de corações", diz. Conversar com ela é como voltar a casa, à casa da partida, tem qualquer coisa de sábio e primordial, sem a solenidade das revelações, ela introduz detalhes mundanos que tornam as palavras leves e desconcertantes. Tem uma profunda juventude e frescura e, enquanto fala, as mãos sobressaem-lhe como asas, os dedos magros cobertos de anéis: "Sem eles, não me saem os poemas."
Maria Teresa Horta não cresceu numa família de mulheres particularmente livres, mas puxou, do lado da mãe, o espírito indómito de uma tia-avó, Leonor de Almeida Portugal, a quarta marquesa de Alorna, culta e moderna dentro do possível na Europa do século XVIII. Criou uma relação umbilical com esta mulher invulgar, "tinha a ver comigo", e dedicou-lhe o seu grande romance, As Luzes de Leonor, Uma sedutora de anjos, poetas e heróis, de 2011, 1.060 páginas da sua melhor verve, quase quatro anos de intensa pesquisa e disciplina, que a fizeram deixar o jornalismo pela única vez, estava no Diário de Notícias, e passar tardes esquecidas no palácio da família, em Benfica. Seguiram-se dois livros com poemas e textos da marquesa, "não queria largá-la", reviu-se na incapacidade para aceitar a sua simples condição de mulher, como a maioria. "Complicou a vida a toda a gente, a família não gostava dela, mas eram uns atrasados, uns ignorantes... Só o meu pai a achava muito interessante e inteligente, mas muito rebelde, dizia. "Numa mulher, ser-se inteligente e interessante, forte, opinativa e indomável, era sinal de rebeldia, para não dizer coisas piores." Ainda é! As pessoas, os homens, então, ficam logo de pé atrás! E depois, à mais pequenina coisa, a culpa é sempre dela. Nos jornais, se havia qualquer coisa, era sempre eu, era impressionante, francamente, porque não tinha nada a ver comigo na maior parte dos casos! Mas tudo o que fosse desviante daquela coisa obrigatória, era sempre eu..." A sua mãe, "filha da aristocracia, era linda de morrer", apaixonou-se, no elétrico, "por um médico pobre, que era o meu pai", que foi o quinto bastonário da Ordem dos Médicos. Chegou a dizer-lhe, tinha ela uns 16 anos: "‘Não sei a quem sais, Teresinha, mas deves sair àquela nossa tia, dizes coisas que, às vezes...’ A minha mãe casou três vezes!", conta, risonha e irresistível na sua franqueza, naquela falta de medo onde a vida vai buscar esperança.


Nascida em Lisboa a 20 de maio de 1937, sempre soube que queria escrever. "Quando perguntavam: ‘O que queres para os anos?’, pedia livros." Foi criada pela avó paterna, a avó Camila, a primeira mulher em Portugal a ir para o liceu e a trabalhar num jornal, não como jornalista: "Não havia jornalistas mulheres no tempo da minha avó. Era uma mulher extraordinária, maravilhosa, única. Era eu pequenina, e quando os meus pais saíam, íamos ao escritório do meu pai e ela dizia: ‘Escolhe.’ ‘Aquele!’ ‘Agora abre e diz onde queres que te leia.’ E lia. Nunca me disse ‘isto não é para ti’ ou ‘não tens idade’." E quando a mãe de Maria Teresa saiu de casa, deixando a família para trás, tinha ela 8 anos, ouviu a avó dizer ao seu pai: "‘Jorge, não te admito que digas mal da Carlotinha!’, que era a minha mãe. E quem era o abandonado? O filho dela! Isto foi o grande ensinamento da minha vida, uma coisa extraordinária. Naquela altura? Penso que ainda hoje não devem existir muitas mulheres assim, marcou-me para toda a vida."
Esta solidariedade profunda para com as outras mulheres, e um espírito observador e combativo, levaram Maria Teresa Horta ao jornalismo, sempre condicionada pela censura, à redação do vespertino A Capital, onde assinou entrevistas de cultura e publicou as crónicas Quotidiano Instável, entre 1968 e 1972, e do Diário de Notícias, onde coordenou a secção literária. Aprendeu a ler em casa, aos 6 anos: "Teve de ser, ninguém me aguentava, andava sempre a pedir: ‘Olhe, leia aqui!’ Era de loucos!", ri-se. Aos 10 já achava o jornalismo muito importante, "pôr as pessoas a pensar é de uma grande responsabilidade!" e foi para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Apaixonava-a a partilha de ideias, a ambiguidade do jornalismo "que usa os mesmos ingredientes do literário, escreve-se e publica-se", e o ambiente dos jornais "era uma aventura!". De repente, viu-se numa redação exclusivamente masculina, como no Diário de Notícias, onde o paternalismo permanecia, "uma certa ironia, sempre. Claro que me facilitava a vida dirigir os suplementos literários, das coisas mais importantes, porque levaram as mulheres a ler jornais, muito interessante. E a lerem livros também." Dantes só liam romances de cordel, "ou não liam sequer, os maridos não deixavam. Era feio uma mulher ler romances. Lembro-me ainda de mulheres que escreviam às escondidas dos homens! Ainda vi muitas, em Portugal, que se levantavam de noite e iam escrever."


Foi a sua geração que começou a mudar tudo isso. "Não é fácil ser-se jornalista hoje, pelas questões económicas, não há trabalho, mas comigo não havia sequer mulheres no jornalismo! Repare, estávamos proibidas de entrar nas redações! Ainda estive num jornal [A Capital] onde só podia entrar para falar com o Rodolfo Viriato, que era o chefe de redação, estava cá fora, eu era jornalista, mas era menos porque era mulher. Havia uma jornalista no [Diário] Popular, que era a Maria Antónia Palla [veio a dirigir a Máxima] e mais duas. Mas adoro a minha profissão, não queria outra por nada deste mundo!" As mulheres no mundo editorial também se contavam pelos dedos de meia mão. "A Snu Abecassis, [fundadora] da Dom Quixote, foi a primeira pessoa que me disse: ‘Eu quero a Teresa.’" E quando resolveram fazer as Novas Cartas, com Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, "e jantávamos e almoçávamos juntas, a Natália [Correia] disse logo: ‘Eu publico o livro!’" E publicou, na sua Estúdios Cor. "Houve uma cena muito engraçada, ela já tinha o livro e liga-me: ‘Oh Teresa, veja bem que há um parvo de um gráfico que tenta mudar o seu texto! Os homens portugueses são tão maus na cama e tão bons na arena.’ E eu ainda nem tinha tido tempo de responder e ouço-a dizer: ‘Não, senhor Firmino, não é consigo!’"
Na altura do fascismo, recorda, os seus editores liam as suas prosas e era comum dizerem-lhe: "'Isto não pode ser, se não ficamos com o livro proibido e pendurado! Importa-se de tirar isto?’ ‘Importo-me! Ou sai o poema ou saio eu com o poema. É daquelas coisas em que não há nada a fazer.’ Sabe, eu sempre fui considerada uma pessoa de mau feitio em todo o lado, dos jornais à família", é o que vem depois da rebeldia, o que se continua a chamar às mulheres que saem da maioria discreta, adaptativa e sacrificial. "A mulher de bom feitio é aquela que está sempre de acordo com tudo o que querem que ela faça, não contraria ninguém e trata sempre das criancinhas todas. Às vezes nem tinham emprego fora de casa, eram donas de casa... é que eu passei por essa altura toda, sabe", ri despreocupadamente. "A trabalhadora era a operária e a trabalhadora rural, ou as empregadas em casa das pessoas, as criadas, como se dizia. Por isso, quando uma mulher reclamava, era uma coisa extraordinária. Eles, quanto mais mau feitio, mais inteligentes pareciam: ‘Aaah, tem carisma e personalidade, é espantoso.’ Elas, ‘credo, é horrível, diz que não a tudo, está sempre mal disposta’. Porque as pessoas baralham tudo! E eu apareci na altura em que essa mentalidade estava no auge." Um dos momentos altos da carreira de Maria Teresa Horta foi chefiar a redação da revista Mulheres durante 11 anos (1978-1989), um título abertamente feminista e moderno que não só repôs alguma da História feminina em Portugal, como lutou apaixonadamente contra os estereótipos e a violência sobre as mulheres, entre elas a doméstica, e pelos seus direitos fundamentais, como a liberdade sexual e de expressão. E fê-lo como nenhuma outra.


"Foi muito empolgante!", recorda, "Mas tive vários desentendimentos com a Helena Neves, a diretora, porque ela era muito menos rebarbativa." A revista foi proibida em imensos sítios, "e o próprio partido [comunista] acabou por acabar com ela e eu fui fazer queixa". Naquele tempo, havia a Crónica Feminina, "aquela porcaria que esgotava logo e atirava as mulheres ainda mais para o fundo" e a revista Eva, da escritora Maria Judite de Carvalho, o resto "era uma coisa horrorosa! E não havia muitas mais, vendia-se pouco, as mulheres ainda não tinham o seu próprio dinheiro, a sua independência, não é? Elas tiravam do dinheiro que os homens lhes davam para gerir a casa". As revistas femininas que se seguiram, a Marie Claire, a Máxima, mais tarde a Elle, foram feministas de uma forma mais subtil, fundiram uma atitude de emancipação com as ditas coisas de mulheres. "A maioria dessas revistas quando apareceram (já pensava assim naquela altura e continuo a pensar) tiveram uma influência nociva. As mulheres compravam revistas para se identificarem, não liam jornais, para algumas gerações os jornais eram uma coisa masculina. E as revistas não conseguiam fazer a mudança completa." Refere-se à objetificação e aos padrões de beleza inalcançáveis, "a sensação que dava era de uma grande conivência [com o patriarcado vigente]".
Sempre a magoou muito a falta de solidariedade feminina, que cedo aprendera com a avó, num Portugal fechado, católico, rural, iletrado, nem as poucas mulheres nos partidos políticos e na imprensa apoiavam as feministas, imaginem-se todas as outras. Uma atitude que permanece: "‘Aaaah, não é bem assim.’ Porque punha em causa o seu contacto com os homens. Elas sabiam, e sabem, que ‘estar do lado dos homens’ é uma forma de serem muito bem aceites. O que é horrível, porque não é um princípio: ‘Eu penso…. Há um argumento. Mas não, é uma esperteza e uma das coisas mais desagradáveis que encontrei sempre em relação à luta das mulheres." A competição, e até rivalidade ancestral, entre as mulheres é uma das razões por que a igualdade de género vai sendo adiada. "Foi tudo construído para que isso acontecesse. Nós não tínhamos mais. Houve séculos e séculos em que outra mulher poderia ser o perigo porque impedia o crescimento daquela." A amizade feminina é das maiores conquistas do século XX. A geração de Maria Teresa já tinha "consciência perfeita" disso, mas era uma minoria muito minoria, e "isolava-se muito".


A par do jornalismo, iniciou-se na poesia erótica em 1960, com Espelho Meu, e esteve associada ao grupo da Poesia 61, que procurava novos caminhos na criação lírica, assim como mobilizou cinéfilos no ABC Cine-Clube. Claro que escandalizou o regime e o seu livro Minha Senhora de Mim, foi proibido em 1967. "Eu era uma ‘pouca vergonha’, por causa do erotismo. E a expressão é mesmo essa, e foi muita gente, mesmo muita gente que a usou. E os homens adoravam insinuar essa parte junto das outras mulheres, para lhes mostrar ‘o quanto ela é horrível’, e a maioria das mulheres foram educadas por pais conservadores, em Portugal, durante anos. Eu ainda fui criada assim. E as professoras diziam coisas inconcebíveis nas aulas."
O auge foram as referidas Novas Cartas Portuguesas, publicado em 1972 pelas três escritoras, a seis mãos, que um dia as descreveram como as "três aranhas astuciosas", um exercício glorioso que partiu do romance epistolar Lettres Portugaises, publicado anonimamente por Claude Barbin, em 1669, e traduzido, também anonimamente, e que são cinco cartas de amor de Mariana Alcoforado endereçadas a um oficial francês. As três escritoras ficaram conhecidas como "as três Marias", já tinham todas publicado escritos durante a década anterior. Maria Teresa Horta ousou falar abertamente do corpo e do desejo feminino, Maria Velho da Costa escreveu Maina Mendes, em 1969, e Maria Isabel Barreno assinou Os Outros Legítimos Superiores, em 1970. Encontravam-se uma vez por semana, cada uma levava duas cópias, liam alto o que cada uma tinha escrito e discutiam ideias. "O que a gente se ria! Foi tão divertido! Nunca houve nenhum texto recusado por nenhuma de nós, nunca, foi fabuloso, das coisas mais bonitas da minha vida. Foi tão bonito, tão bonito..." Mas o livro foi apreendido e proibido ao fim de três dias nas lojas, foram interrogadas na Polícia Judiciária, por um agente especializado em processos de prostituição, e alvo de um processo judicial. Além disso, "a PIDE também não gostava de feministas, por isso ia atrás das mulheres, até muito mais do que dos homens. É espantoso, eu devia ser das poucas pessoas que iam buscar para falar de livros e dizerem: ‘Isto não pode ser assim, as mulheres nem fazem isto! [Referindo-se ao erotismo] A senhora fica aqui agora e vai refletir.’ E é curioso porque isto ainda acontecia também, de outra forma, depois quando tudo já era comunista." Não era cor política, era um preconceito. Maria Teresa Horta colaborou com o Partido Comunista desde os seus 15 anos, mas naquela altura, "uma escritora como eu era uma coisa complicada, dizia o que ninguém queria dizer, e também dizia dos homens, eu atrevi-me. Eu e a Natália [Correia], por isso é que gostávamos tanto uma da outra, ela era fabulosa". Na altura, eram meia dúzia as que se atreviam, hoje são causas escritas em T-shirts e páginas de Instagram, mas foram lutas inglórias e humilhantes para as gerações anteriores, que tiveram vidas bem mais difíceis por defenderem as causas de todas. "Agora são todas feministas, porque até é bonito, até é glamoroso, mas para nós foi um horror."


É muito conhecido o processo contra as Novas Cartas Portuguesas, a primeira audiência foi a 25 de outubro de 1973. "Lembro-me perfeitamente, no último dia, que nos iam dar a sentença, e nós sabíamos que íamos presas, quando chegámos ao Tribunal da Boa Hora, estavam três carrinhas da polícia vazias e muita gente: ‘Aaah, aquelas carrinhas são para levar as Três Marias, que elas hoje vão presas!’ Tivemos logo ali a nossa sentença", risos. "Chegávamos lá com um ar de que não éramos nada." As fotografias de época testemunham três mulheres cheias de pinta e autoconfiança. "Mas entrávamos sempre com um ar muito orgulhoso, claro! Até na maneira como andávamos." Um dia, estavam as três na rua, à espera de ser chamadas, e a senhora do tribunal diz-lhes que o "Sr. Dr. juiz está doente, e marca a próxima sessão para o dia 25 de abril de 1974". A 7 de maio, foi lida a absolvição. Nem meses antes, "estávamos em casa da minha sogra e o [então Presidente da República], Marcello Caetano, apareceu na televisão, no Conversas em Família, e disse: ‘Estão em tribunal três mulheres que não são dignas de ser portuguesas.’ Estávamos a jantar e ficámos a olhar uns para os outros. Depois do 25 de Abril, encontrava-me e dizia: ‘Como está Maria Teresa, prazer em vê-la.’ E eu dizia: ‘Olá, como está, passou bem?’ Outras vezes nem respondia." As Novas Cartas Portuguesas e o seu processo marcaram o declínio do Estado Novo, foram uma bomba no pacato quintal machista português. "Foi um escândalo! Mas, no estrangeiro, não houve país que não falasse e, em alguns, foi considerado o melhor livro do ano!", gerou uma onda de solidariedade feminista e protestos contra a censura em vários pontos do globo. Os seus olhos azuis iluminam-se e compõe os caracóis com a ponta dos dedos. Era tudo censurado, por isso As Novas Cartas só começaram a aparecer nos jornais depois do 25 de abril, "e o quê exatamente? A sentença, já! Éramos vistas como umas malandras e umas grandes ordinárias. Havia homens que proibiam as mulheres de ter as Novas Cartas, e ainda hoje". Mas foi o melhor que aconteceu às mulheres portuguesas: "Se calhar, sim, chamou à atenção para o ponto de vista das mulheres. Ainda sou do tempo em que não se punha um livro de uma mulher nas montras das livrarias." Subia de autocarro até ao Rossio e ao Chiado, "olhava para as montras, e nem uma única mulher. Uma vez fui à Bertrand e responderam-me: ‘Os patrões não querem’." Pausa. "A mulher foi sempre criada no sentido de ser uma espécie de empregada dos homens. É ela que faz sempre tudo e ainda vai para a cama com ele. Se ele quer! Durante muitos anos, até fingiam não ter prazer, mesmo quando o tinham."


Considerada o expoente máximo do feminismo em Portugal, Maria Teresa Horta continuou o seu profícuo, e aplaudido, trabalho poético e ficcional. Bem mais tarde, em 2010, recebeu o Prémio Máxima Vida Literária, e em 2019 foi o nome proposto pela Sociedade Portuguesa de Autores para a candidatura portuguesa ao Nobel da Literatura. Mesmo depois do 25 de Abril, continuou a lutar, a politizar as mulheres, a chamá-las para as causas, a erguer cartazes. É famosa a manifestação feminista no Parque Eduardo VII – onde nunca se queimaram soutiens nenhuns, um boato lançado, como tantos outros. "Esse dia foi uma coisa... Tivemos de fugir com as crianças, que metemos dentro da carrinha da Madalena Barbosa... Foram mulheres violadas! Do que se estava à espera? Tinha acabado de ser o 25 de Abril, os homens portugueses eram tremendos em relação às mulheres, de um machismo, de uma violência, batiam-lhes, eu vi coisas... Isto agora é uma maravilha, um paraíso... E não é, só que a comparar com aquilo..." Mas, mais uma vez, nunca teve medo: "Reajo mal ao medo, faço coisas loucas." Recorda que o pai lhe dizia muitas vezes: "‘Tu és maluca, tens atração pelo abismo, Teresa! Tu não recuas, vê lá o que estás a fazer com a tua vida!’ Tenho de ter cuidado comigo porque se sinto que me estão a proibir alguma coisa, não tenho controlo. Como nunca gostei que me obrigassem a fazer coisas que não queria." Sobrevive às outras duas Marias e continua a escrever poesia todos os dias, à mão, como sempre, "escrevi dois poemas à máquina e deitei-os fora, para mim não dá, tenho que sentir, passar pela minha mão o papelzinho". Tem um novo livro de poesia escrito, mas ainda não sabe o que fazer aos poemas: "Tenho montes ali no quarto, ainda me vou embora desta vida e ficam aí. Bom, as pessoas morrem e os poemas não vão connosco, mas merecia ver mais um livro meu, não é?" Um dia, lá mais à frente, quer ser lembrada exatamente como é: "A mulher que sempre lutou pela liberdade, sobretudo das mulheres, e pela mudança pela igualdade, na diferença. Porque as mulheres são diferentes dos homens, e não me venham dizer que não porque é uma armadilha grande e perigosa." E o Dia da Mulher? "É um bocado embirrento, mas é preciso perceber o que nos leva a que ainda exista. Se soubermos trabalhá-lo, para muitas mulheres esse foi o princípio. Está tudo muito melhor, mas está perfeito? Não, não está. Você entra no mundo real e encontra mulheres que dizem as mesmas coisas que as mães diziam há 20 ou 30 anos, é grave. Basta sair das cidades, basta sair de Lisboa. Não nos iludamos, ainda há imenso para fazer."
*Artigo originalmente publicado na revista que celebra os 35º anos da Máxima.
