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Inês Moura, a arquiteta contadora de histórias

Um dos nomes sonantes na área da arquitetura e design de interiores em Portugal - afinal, é ela quem fica com alguns dos projetos mais cool do momento, como os restaurantes Província e Memoria, do Grupo Non Basta, ou do recém inaugurado Bar Salla do Palácio Chiado.

Foto: DR
16 de setembro de 2021 às 07:00 Rita Silva Avelar

Inês Moura nasceu em Cascais, nos anos oitenta. Formou-se em Arquitetura na Faculdade Lusíada de Lisboa, e concluiu os estudos no Politécnico di Milano em 2005. Passou por vários ateliers de renome até integrar a equipa criativa do Time Out Market, em Lisboa, em 2015. Foi a rampa de lançamento para descobrir o amor pelo design de interiores. "O design de interiores e eu encontrámo-nos naturalmente, cruzámo-nos no mesmo caminho e nunca mais nos deixámos" começa por contar à Máxima. Do seu portfólio fazem parte projetos de arquitetura de interiores sobretudo em restaurantes, como O Bar da Odete ou o Bairro do Avillez, e mais recentemente o Provincia e o Memoria, ambos do Grupo Non Basta.

Foto: @_cretina_

Em 2017 cria o seu próprio gabinete, o Inês Moura Arquitectura & Design, onde além de projetos ligados à arquitetura e ao interior design, também aborda desenho de mobiliário, ou curadoria de objetos e obras de arte. Hoje lidera o departamento de interior design no gabinete Saraiva & Associados. A sua visão demarcadamente cenográfica expressa-se em todos os seus projetos, mas também na divertidíssima conta de Instagram onde mostra um outro lado da Inês criativa (@_cretina_) que não se resume à sua visão como arquiteta

Como se apaixonou pela estética? E, mais tarde, por todas as fases que um projeto de arquitetura engloba?

Depois de ter concluído o curso de arquitetura tive a oportunidade de trabalhar em diversos ateliers, sempre com desafios diversos que foram moldando a minha forma de pensar e de criar. Trabalhei com o arquiteto João Pedro Falcão de Campos, depois, num atelier formado por discípulos dele – João Botelho e Miguel Oliveira Arquitectos – e foi aí que me dediquei inteiramente à arquitetura e ao processo criativo como um todo. Foi nesta altura que percebi que gosto de todas as fases de um projeto – desde a ideia inicial até ao desenho de pormenor de um puxador de uma porta, por exemplo. Toda a cultura que existe à volta deste processo criativo e o tempo necessário para o pensar e para o executar atraí-me muitíssimo.

Foto: DR

O que é que é mais sedutor, neste campo?

No fundo, gosto de trabalhar na conjugação de todos os detalhes do design de interiores. Gosto da harmonia que só se encontra depois de percorrer um labirinto de ideias na procura do nível de detalhe perfeito. Gosto de desenhar tudo: todos os elementos que se enquadram e que ganham vida no espaço que está pensado. Gosto de integrar as artes que estruturam um projeto de arquitetura total, mergulho no processo criativo que permite prolongar a linguagem exterior e estimular um diálogo inovador entre o equilíbrio e o desafio da surpresa. Ao sentir que o projeto está fechado em todos os seus lados, ao sentir que o processo criativo foi ao encontro das expetativas e ao sentir que ultrapassa o desafio estético, sinto-me profundamente realizada. Os meus projetos são versões de mim, visões que escalam até à superfície através do meu trabalho.

Foto: @_cretina_

Em que momento começou a perceber que trabalhar sozinha era um desejo?

Comecei em 2016 a trabalhar sozinha alguns projetos meus e, ao mesmo tempo, integrei a equipa do Time Out Market como arquiteta, lugar onde descobri imenso e evolui de forma invulgar porque fui exposta a diversas culturas e geografias. Enquanto arquiteta da Time Out Market, tinha de trabalhar mercados pelo mundo fora. Fiz cerca de 5 mercados da Time Out em cidades como Miami, Nova Iorque, Boston, Chicago e Montreal, tendo ainda em projeto os mercados no Dubai ou Londres.

Foi uma experiência que me levou a um novo salto. Alarguei a escala de projeto e viajei imenso. Acima de tudo, adquiri um profundo conhecimento de projetos de restauração, com uma necessidade comercial especifica, o que me permitiu saber dar resposta a um layout bem resolvido para um espaço público. 

Foto:

Sentiu que isso foi uma forma de catapultar o seu nome?

Comecei assim a ganhar nome e terreno no design de interiores em projetos das áreas da restauração e da hotelaria e comecei a ser abordada por restaurantes e cadeias de hotéis para criar espaços. Decidi então especializar-me ainda mais no design de interiores e criei o meu próprio atelier. Conheci o Miguel Saraiva, fundador do atelier Saraiva & Associados (S+A) em 2019. Concorremos a um projeto que acabei por ganhar. O Miguel gostou do meu trabalho e desafiou-me para liderar o departamento de interior design da S+A, onde entrei no início deste ano.

É um desafio imenso ao qual não podia dizer que não. Vou ser posta à prova como nunca fui, mas sei que ao longo da minha (ainda curta) carreira superei várias provas com sucesso. Além disso, vou continuar a fazer o que mais gosto: a recuperação de espaços existentes, com história e alma, desenho de mobiliário, objetos, iluminação, tudo até ao mais ínfimo detalhe. É nesta integração total, na história com princípio meio e fim que se conta através de todos os objetos, cores e linhas que me encontro totalmente com o Miguel Saraiva.

Quais são as "regras" base para se fazer design de interiores? 

Sou uma contadora de histórias. Os meus trabalhos contam histórias que começam à entrada de um espaço e que se desenvolvem à medida que nos vamos envolvendo naquele espaço. Os detalhes do meu trabalho pretendem subtilmente estimular sensações e emoções. É como magia. Desejo que quem vai a um restaurante em cujo espaço interior intervi e recriei - um espaço é intervencionado e não totalmente criado, pois há sempre uma história antiga que nos recebe e inspira, leve dessa visita uma sensação de experiência com memoria dos sentidos. Fujo à tendência para criar um espaço original, que surpreenda, inspire e transporte quem o vive para lá do espaço físico. Trabalho para que esses espaços permaneçam ao longo do tempo e não sejam apenas um produto de elementos que se amontoaram. Procuro projetar sensações que dão vida a um espaço.

Foto: Inês Moura

Qual é o rastilho para começar o processo criativo, no seu caso?

Em relação ao processo criativo, há vários pontos importantes quando nos lançamos num projeto de design de interiores. A formação que tenho na disciplina de Arquitetura deu-me simultaneamente uma base muito ampla e uma liberdade enorme para pensar cada projeto.

Começo por estudar o lugar onde vamos a intervir. Procuro perceber os materiais característicos, apreender a história existente e a cultura que o alicerçou. No fundo, perceber como se cose cada elemento sem que fique perdido. Isto envolve passar tempo no espaço, vivê-lo, percorrê-lo, observar outros a ocupá-lo, perceber o diálogo que encerra e explorar a sua continuação no meu projeto. Este exercício de busca de informação torna os projetos muito sólidos, agarrados e justificados.  

Em segundo lugar, é importante fazer uma análise profunda do programa pretendido e do cliente. O desenho do layout do espaço adequado ao programa e toda a parte técnica é muito importante. Claro que este processo, que não é nada linear, bebe muito da criatividade e alimenta-se da inspiração. Estou permanentemente a soltar o pensamento, mas de forma disciplinada porque tenho de interpretar os elementos que existem e transformá-los noutros, conseguir vê-los de outro ângulo. Também me inspiro com os meus pares e passo horas a fazer pesquisa de imagens, vou conhecer lugares novos e outras culturas. 

Qual foi o projeto mais desafiante e o mais ambicioso, até hoje? 

Todos os projetos são desafiantes porque têm sempre algo que os torna únicos e, por natureza, desafiantes. E não nos podemos esquecer que toda a criação é ela própria um desafio e esta característica é transversal a todos os meus trabalhos porque surgem sempre de uma ideia que tenho para os realizar.

Foto: @_cretina_

E aquele que a tirou "fora de pé"?

Cada projeto tem os seus desafios que depois dão lugar a vidas próprias. Por exemplo, O Memoria foi uma recuperação muito complexa do espaço que já existia. O Província chegou a um nível de detalhe que se tornou difícil e caro. Tive de pensar os pormenores para não perder o desenho, mas assegurando a sua implementação. O Hotel Esqina Cosmopolitan Lodge tinha um orçamento muito reduzido face à intenção de um projeto muito expressivo e contemporâneo. Ou o Palácio Chiado, em que qualquer elemento errado podia tornar-se desadequado dentro do contexto palaciano, é outro exemplo de como cada projeto tem os seus próprios desafios, as suas próprias vidas.

Tem uma estética muito particular no seu Instagram pessoal, entre o caos, o improvável e o irreverente. Que expressão é essa? O que é que a inspira?

O projeto CRETINA é uma extensão de mim própria em que transmito tudo aquilo aonde as palavras não chegam. Através do autorretrato, o CRETINA associa imagens com uma componente estética apurada com enquadramentos não ocasionais –  e por vezes disfuncionais – no espaço. Identifico um espaço e coloco-me nele para me tornar simultaneamente fotógrafa e objeto fotografado. A minha presença altera a leitura do espaço e o espaço onde me insiro enquadra a leitura da minha expressão corporal. A arquitetura assume neste trabalho também uma linguagem de interpretação do mundo que me rodeia. A pose que crio ao registar cada fotografia pode encaminhar-nos para o meio da performance, da encenação, da simulação, da representação do eu. Trabalho com o tempo mediante a interpretação de situações únicas e irrepetíveis num determinado espaço específico. Estes são fatores que não podem estar dissociados do meu trabalho.

É, de certa forma, uma provocação visual que toca em várias áreas, da social ao ambiente?

As fotografias publicadas são por vezes uma crítica social do ambiente ou do espaço em que me insiro, outras vezes procuram provocar. Essencialmente, são autorretratos que exprimem as minhas inquietações.

Cada fotografia é associada a um título que sugere ao público o tema que pretendo defender ou ilustrar, de forma subvertida. A inspiração para o título surge das minhas experiências, sejam elas um filme que vi, uma frase de um poema que me marcou, uma canção que ficou na minha mente e até num espaço que vivi; e sinto que estas experiências têm de ser "transformadas" numa imagem, como se de uma metamorfose se tratasse.

Foto: Inês Moura

Ou seja, é uma forma de dar a conhecer a Inês por detrás da arquiteta....

Por exemplo, tirei uma fotografia em que se vê o meu reflexo num espelho, cujo título é "sou do tamanho do que vejo" que é um verso do Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa). Outros exemplos são "Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas", excerto de Clarice Lispector, no livro "A paixão segundo G.H" (Rio de Janeiro: Rocco, 2009), assim como "A instalação do medo", título de um livro do Rui Zink e ainda "Acordei com esta cabeça de mármore nas mãos", do livro Poemas Escolhidos III do Yorgos Seferis.

A forma como divulgo este lado da minha vida mostra a influência nos dias de hoje das redes sociais ou das plataformas online nas quais as pessoas podem expor-se como entenderem. A longevidade destas redes traz ao mundo uma proximidade e acesso livre a imagens que nos bombardeiam todos os dias. É por esta razão que o trabalho desenvolvido por CRETINA, que inicialmente tinha como possível objetivo ser uma reflexão pessoal e emocional, tomou uma proporção de questionamento e crítica social em campo público. 

Foto: @_cretina_

O que considera que marca a sua visão criativa como diretora e designer?

Criar novos mundos dentro do mundo existente, mais estimulantes e provocadores, em que as pessoas possam experimentar sensações diferentes das que encontram no dia a dia, é o desafio a que me proponho. Elevar os sentidos que estão normalizados na paisagem comum e fazer de um qualquer tipo de estar, um momento mais expressivo e carregado de estímulos.

Qual foi o seu primeiro projeto de sempre?

O meu primeiro projeto sozinha foi uma galeria de arte e bar no Lgo. de S. Paulo, no Cais do Sodré, chamava-se Giv Lowe. 

Em breve pensar abraçar mais desafios internacionais?

Tenho muita vontade de fazer projetos pelo mundo fora, de conhecer intimamente um novo lugar para poder intervir nele e deixar a minha marca estética e funcional, adaptada à nova cultura encontrada.  Acredito que um projeto de design de interiores é uma forma de ajudar as pessoas nas suas vidas, seja a que escala for para dotar um espaço de beleza e funcionalidade, torna a vida das pessoas mais fácil e agradável.

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