Dating em Lisboa. “Ninguém fala sobre os amores que surgem nos jantares de natal das empresas”

Rios e rios de canções, livros e filmes abordam os amores de verão, mas parece que ninguém fala sobre os amores que surgem nos jantares de Natal das empresas. Esses também aparecem de forma, muitas vezes, inesperada, inebriante, e com uma chama tão intensa quanto fugaz. Ardem das 20h00 até de madrugada e, na segunda-feira, de regresso ao escritório, são meras lembranças, regadas a álcool e algum decoro - talvez por isso não tenham o devido crédito. Ficam para os anais da história dos jantares de Natal empresariais, sussurram-se nas copas entre um café ou outro e esperam-se que nunca cheguem aos ouvidos dos recursos humanos, muito menos do patrão, que terá mais que fazer do que controlar quem se enrolou com quem às duas da manhã, num qualquer bar da capital. Porém, quando bem geridos, não deixam de ser tão bonitos quanto quaisquer outros amores, sejam eles de que estação forem. E até eu o desconhecia.
Este ano, fui confrontada com essa possibilidade, somando mais um capítulo no livro de contos que reúne a obra fracassada que resume a minha vida amorosa. Neste novo conto Maria Pestana digeriu-se para o jantar de Natal da empresa sem grandes expectativas. Aplicou uma sombra castanha nos olhos, um pouco de rímel igualmente castanho, tingiu os lábios de vermelho e desbotou-os com a ponta dos dedos para que ficassem só ligeiramente encarnados. Depois passou os dedos pelas maçãs do rosto, para lhes dar também uma cor avermelhada. Quando chegou ao jantar, sentou-se, comeu e bebeu. Quando a pista abriu, dançou, bebeu e dançou. Dançou com alguns colegas, dançou com o CEO, como manda a praxe, e bebeu mais um pouco. Durante todo esse tempo, Maria sabia que dois olhos a observavam atentamente e sabia que, nessa noite, tinham permissão para deixar escalar a atração que, no resto do ano, se mantivera branda, numa espécie de banho-maria que mantém viva a esperança de algo mais, sem a deixar ferver.

Na roda de dança um dos colegas de que menos gosta puxou por si e forçou-a a uma dança desajeitada e sem vontade. Assim que conseguiu, Maria fugiu, esgueirando-se para perto daqueles dois olhos que a observavam atentamente. "Assim fico com ciúmes", sussurram-lhe. "Sabes que não o suporto", respondeu-lhe. Dirigiu-se ao bar para pedir mais uma bebida quando foi interpelada por outro colega. "Então, Luísa!". "Não me chamo Luísa". Além de um pedido de desculpas recebeu uma bebida. Conversou um pouco com esse novo ser inusitado, mas aqueles dois olhos continuavam pousados sobre ela. Foi puxada pela mão. Foi a primeira vez que as suas mãos se tocaram nessa noite. "Salvei-te?". "Salvaste, já estava farta da conversa", mentiu. Na verdade, mantinha uma conversa verdadeiramente interessante sobre escrita e literatura, algo que a surpreendeu naquele contexto, e esperava pela oportunidade de poder voltar a conversar com aquela pessoa num outro contexto. Mas, naquele momento, as atenções estavam voltadas para outro lado e a estória que se impunha era outra.
Quando o restaurante fechou o dono dos olhos observadores chamou um Uber e levou-a para o Cais do Sodré. Entraram num bar e dançaram juntos o resto da noite até de madrugada. Nada mais ao seu redor existiu. Maria pouco se recorda acerca dos outros colegas que também lá estavam e que dançavam e se divertiam no mesmo espaço. Apenas tinham olhos um para o outro. Cantaram as músicas acompanhando as letras em uníssono. Ele fê-la girar pela pista, mas de cada vez que se afastavam Maria puxava-o pela camisa até si. Virou-se de costas, dançaram abraçados. O nariz dele enfiado no seu pescoço, cheirando a água de colónia com a qual ela, horas antes, se tinha borrifado. Os braços caídos ao longo do corpo. As mãos a encontrarem-se, escondidas, por entre a multidão. Os seus dedos a deslizarem sobre a palma da mão dele. A mão dele a apertar ligeiramente os dedos dela. Não quis beijá-lo. Não soube se ele sentiu o mesmo ou, se porventura, havia em si a vontade controlada de a empurrar contra um pilar e a possuir ali mesmo. Se o sentiu, não o demonstrou. E ela deu-se por satisfeita com as carícias que só as aquelas mãos trocaram, através de uma série de movimentos de sedução que transmitiam tanto de tesão quanto de carinho, mas acima de tudo de cumplicidade. Aquelas mãos sabiam os segredos que as bocas guardavam e uniam-se cúmplices.
Dançaram e dançaram mais, com a certeza de que tudo ao seu redor era apenas um aglomerado de pessoas desfocadas, tal como acontece nos filmes. Existiam apenas os dois e assim foi durante umas boas horas. A dada altura, foram ao bar porque, exausta, Mara precisava de molhar os lábios com água. Pediu uma garrafa, mas quando se virou ele conversava com alguém. Aguardou. "Viu alguém conhecido", pensou. Esperou no canto, enquanto bebia a água. Porém, quando voltou a olhar não o viu mais. Perdeu-o de vista. Talvez o tenha confundido na multidão. Perdido o rasto ao seu corpo, aos seus olhos, confundiu-o entre o ruído das luzes, do som, de tudo. Tomou consciência, nesse momento, da existência dos outros e regressou à realidade. Estava ligeiramente bêbeda e perdida. Procurou por alguns dos outros colegas, encontrou-os, mas decidiu dar a noite por terminada. "Perdi-me de ti", escreveu-lhe. "Estás onde? Procurei-te". Ainda lhe telefonou, mas cansados, optaram por ir embora. Não se viram mais. Não se falaram mais.

Na segunda-feira, Maria saiu de casa no horário habitual para ir para o trabalho. Tomou o mesmo pequeno-almoço. Apanhou o metro no mesmo sítio. Caminhou pelo percurso de sempre. Entrou no edifício, desejou "Bom dia" ao segurança. Entrou no elevador e pensou que se o universo quisesse tramar alguma ainda se poderia dar o caso de se cruzarem. Ouviu-se um plim. As portas abriram. Os mesmos olhos caíram sobre ela. Trocaram as saudações matinais. "Olá! Bom dia!". "Olá, bom dia. Tudo bem?". E seguiram caminho. Ela sozinha pelo corredor. Ele entrou no elevador com outro colega. O segredo que ambos guardavam, o segredo daquelas mãos, o segredo que as bocas nunca revelaram, encheu-lhe o peito de emoção. Uma sensação quentinha apoderou-se dela e aconchegou-a. Envolveu-a como uma manta de felpa. Não houve vergonha, só ternura. Quem diria que também podem existir amores a surgir nos jantares de Natal das empresas. Até então, Maria somente conhecia os conceitos de ressacada e embaraço. Reza a lenda que Maria está sempre a aprender e que este é só mais um conto de Natal. Boas festas!

"O Meu Álbum de Viagens" de Mariana Gentile. Episódio 4: Myanmar
Voltamos ao continente asiático e desta vez para conhecer o país onde é tradição comer folhas de chá. Aqui há autênticos desfiles de balões de ar quente pelo ar, muitos templos budistas e onde a saia é vestimenta obrigatória.