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Atriz anuncia fim da carreira no cinema para denunciar sistema de assédio sexual em França

Adèle Haenel, estrela de "Retrato de uma Rapariga em Chamas", anunciou que vai abandonar a indústria cinematográfica após acusações sem condenação. A jovem de 34 anos foi abusada aos 12.

Foto: Reuters
11 de maio de 2023 às 12:28 Vanda Carreto / Com Rita Silva Avelar

Numa carta publicada no jornal semanal francês Télérama, Adèle Haenel explicou o motivo que a levou a deixar a sua carreira no cinema e a dedicar-se apenas ao teatro. A atriz acusa o cinema francês de encobrir diretores acusados de agressões sexuais, "(…) dão as mãos uns aos outros para salvar a face de Depardieu, Polanski e Boutonnat. (…) Incomoda-os que as vítimas façam muito barulho, eles preferiam que continuássemos a desaparecer e a morrer em silêncio", escreve.

Uma reportagem do jornal francês Mediapart revela que Gérard Depardieu é acusado de assédio por treze mulheres e que Dominique Boutonnat, diretor do Centro Nacional de Cinema de França, é investigado por ter agredido sexualmente o seu sobrinho.

Em 2020, Adèle retirou-se a meio da 45º cerimónia dos Prémios César após Roman Polanski receber o prémio de Melhor Diretor pelo seu filme O Oficial e O Espião. Na altura, a atriz disse ao The New York Times que "premiar Polanski é cuspir na cara de todas as vítimas."

No mesmo ano, acusou o diretor francês Christophe Ruggia de ter abusado dela quando tinha 12 anos, após ser escolhida para o filme francês Les Diables. Segundo a atriz, durante uma viagem para promover o filme, o diretor terá feito um convite para esta ir até à sua casa e posteriormente tentou beijá-la. De acordo com a investigação do Mediapart - que incluiu cerca de 30 outras testemunhas - Ruggia terá desenvolvido uma obsessão por Haenel durante as filmagens do filme. Haenel, que participou em mais de 25 filmes e ganhou duas vezes o prémio César - disse que decidiu falar depois de ver o documentário Leaving Neverland, que explora as relações do cantor Michael Jackson com crianças. "Mudou a minha perspetiva (...) Fez-me ver que me tinha agarrado demasiado tempo à versão de Christophe Ruggia, que tudo tinha sido uma história de amor... Fez-me compreender os mecanismos de controlo e fascínio", cita-a a BBC. Aos 15 ainda pediu ajuda, mas teve pouco apoio por parte dos pares.

Christophe negou sempre o sucedido e apesar de ter sido iniciada uma investigação preliminar pela promotoria de Paris, o julgamento ainda não aconteceu, não tendo sido provada até hoje qualquer tipo de agressão.

Na carta publicada, Adèle cita o festival, criticando o facto de continuarem a encobrir os casos de assédio que existem no mundo do cinema por parte de superiores. "Num contexto de movimento social histórico, esperamos ver se os chefões do cinema contam – como os patrocinadores da indústria do luxo - com a polícia, para que tudo continue como sempre no tapete vermelho do Festival de Cannes"

O anúncio da atriz sublinha a imparcialidade aparente de Cannes, que toca à sua posição em relação ao assédio sexual, porque aliás irá abrir com um filme de Johnny Depp, recentemente em tribunal com Amber Heard, depois de a ex-namorado o acusar de agressões. Além de Adèle acusar o circuito do cinema frânces de "tapar os olhos", acusa a programação de continuar a premiar e a reconhecer diretores e atores já indiciados por outros crimes de agressões. Em 2020, numa entrevista à Máxima, a escritora Vanessa Spingora, disse "Infelizmente, dizemos que o movimento #MeToo é um pouco como a nuvem de Chernobyl, passou por cima de França mas não parou", referindo precisamente o caso de Adèle.

O filme escolhido para a abertura do Festival de Cannes, Jeanne du Barry, em que Johnny Deep é um dos protagonistas, é um exemplo do comportamento que Adèle crítica, como mencionamos acima. Este papel principal do ator é o primeiro após o julgamento extremamente mediatizado em que foi acusado pela sua ex-mulher, a atriz Amber Heard, de violência física e foi considerado inocente pela justiça americana.

Em resposta às críticas pela escolha do filme de abertura, o realizador Thierry Fremaux, diretor do festival, disse numa entrevista à publicação norte-americana Variety que "a decisão não é controversa (…) se Johnny Depp tivesse sido proibido de trabalhar teria sido diferente, mas não é o caso)".

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