
«Amanhã é um bom dia para se nascer.» À secretária do médico, definiu-se o dia do teu nascimento, com a maior das tranquilidades do lado da bata branca e com uma ansiedade avassaladora da parte barriguda, ou seja, da minha. Esforcei-me por manter um ar normal e balbuciei sem perceber ainda o «é amanhã», que era a seguir ao próximo pestanejar. «Vou ligar para o hospital e assim marcamos já a hora. Fica tudo decidido.», continuou o Dr. Moniz com um ar objetivo e profissional, começando a digitar os números no telefone. Sorri, tensa, e procurei, em busca de auxílio, os olhos do teu pai, sentado ao meu lado no mesmo lado da secretária, apercebendo-me imediatamente da agitação que se instalara no olhar que me devolvia. Voltei a desviar o olhar, para nenhures, não sabia onde pousar os olhos, pois eles já não estavam ali mas sim no dia seguinte, numa imaginária sala de partos no hospital. O médico desligou o telefone e anunciou a hora precisa: «Às oito da manhã no balcão das urgências de ginecologia. Sabe onde fica?» E eu: «Sei, sim. Acho que sei, sei, sei, sim.» Lá consegui ser afirmativa. «Não pode comer nada nas seis horas anteriores, a ver se começamos a cesariana às dez.» «Nem comer nem dormir, porque é isso que me vai acontecer, já não vou pregar olho esta noite.», confessei, revelando nervosismo. «Tem de ser cesariana?», inquiri ainda, indecisa. «Faz quarenta semanas de gestação amanhã e o feto ainda não encaixou na zona pélvica. Podemos esperar mais uns dias mas nada garante que a menina desça sozinha, está ainda muito para cima. E depois pode ser tarde demais para a cesariana e tem de vir a ferros, o que é bem pior, não acha? Olhe, eu nunca me arrependi de fazer uma cesariana e já lamentei algumas vezes ter optado por parto natural. Não há necessidade nenhuma de pô-la a si e a ela em risco. Além disso, a bebé está aproximadamente com quatro quilos, o que para a sua estatura é imenso. Olhe, a menina saiu ao pai, vai ter aí uma calmeirona.» E os dois homens no consultório riram-se e as duas mulheres num só corpo ficaram em silêncio. «Então vamos a isso, às oito da manhã no hospital, lá estaremos os quatro.» «Ainda por cima é um dia bonito para se nascer, amanhã é Dia Mundial da Poesia. Sendo você poeta, quer melhor momento para se estrear como mãe? Vai ser um dia especial para sempre. Para sempre.» Aquilo ficou a ecoar na minha cabeça. «Para sempre.» Nunca me tinha apercebido desta junção sintáctica da preposição «para» com o advérbio de tempo «sempre». Embora a nossa finitude nos impeça a compreensão deste produto sintáctico, pus-me a pensar, ao olhar para ti, nesta coisa de estarmos irremediavelmente ligadas. Nem mesmo a morte pode um dia redefinir o nosso estado. Serei sempre a tua mãe e tu a minha filha. As mães sabem da palavra «sempre». Até sabem sempre, ao contrário dos homens, quantos filhos trazem ao mundo.
*A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.

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