
Sempre usei cuecas. Na minha família, não usar cuecas era visto como desleixo ou depravação. Aprendi cedo com a minha avó que «não se deve sair de casa sem cuecas, nunca se sabe o que vai acontecer e, na pior das hipóteses, uma pessoa pode ir parar ao hospital e ser apanhada na pouca-vergonha». Nunca percebi a advertência da minha avó. Que mal teria entrar nas urgências de um hospital sem ter vestida essa peça de roupa íntima? Julgo que os médicos terão preocupações mais prementes sobre os pacientes. Analisar o quadro clínico a partir da inexistência de cuecas no enfermo não deve fazer parte das suas competências. Na realidade, até deve facilitar a observação na íntegra do corpo do paciente. Graças às regras que me foram impondo sobre este assunto, até há bem pouco tempo, nunca me tinha ocorrido que as cuecas fossem uma peça de roupa dispensável, caso nos apeteça dispensá-las, até porque ninguém tem forma de verificar se as estamos a usar ou não. Esta minha experiência tem-se verificado libertadora. Não vou dizer em que circunstâncias o tenho feito (um pouco de privacidade, se fizerem favor, não me esqueci de que estou a escrever para um dispositivo público), porém, o facto de por vezes não as usar, liberta-me. Só eu sei quando não as tenho vestidas em público (e digo-o sem qualquer conotação sexual, para esse efeito considero pouco excitante e vulgar o facto de não usar cuecas), e devido à minha educação, sei que estou a transgredir uma qualquer espécie de lei do decoro e da indumentária. A verdade é que há bastante conforto em não estar sempre apertada nas virilhas ou no rabo. Embora por vezes também prefira o aconchego do algodão nas partes íntimas. Aqui o que conta é a liberdade. E estar-me nas tintas para essa coisa da convenção social. Por causa desta crónica fiz uma pesquisa rápida e descobri que as cuecas foram inventadas pelo homem primitivo, em couro e só para cobrir as partes. Não faço ideia se por causa do pudor ou se por uma questão de conforto. Muito mais tarde, no séc. Tirando os dias da menstruação, quase todas as mulheres podiam passar sem esta peça de roupa íntima. Dependendo da altura da saia ou do tecido das calças, não fazem falta nenhuma. Também redescobri, na breve pesquisa sobre o assunto, a expressão «o fim do mundo em cuecas», espécie de anedota sem sentido. «Em cuecas» é só para adensar o caos do fim do mundo e reforçar o apocalipse. Como se fizesse diferença morrer só de cuecas ou vestido na totalidade. Não faz. O fim do mundo também pode ser sem cuecas, sempre daria uma sensação de libertação antes da extinção. Seria bastante coerente, morrermos como viemos ao mundo: sem cuecas, claro.
Graças às regras que me foram impondo sobre este assunto, até há bem pouco tempo, nunca me tinha ocorrido que as cuecas fossem uma peça de roupa dispensável, caso nos apeteça dispensá-las, até porque ninguém tem forma de verificar se as estamos a usar ou não. Esta minha experiência tem-se verificado libertadora. Não vou dizer em que circunstâncias o tenho feito (um pouco de privacidade, se fizerem favor, não me esqueci de que estou a escrever para um dispositivo público), porém, o facto de por vezes não as usar, liberta-me. Só eu sei quando não as tenho vestidas em público (e digo-o sem qualquer conotação sexual, para esse efeito considero pouco excitante e vulgar o facto de não usar cuecas), e devido à minha educação, sei que estou a transgredir uma qualquer espécie de lei do decoro e da indumentária.

*A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.

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