Divorciadas e sozinhas aos 50. "Descia ao estacionamento do trabalho, metia-me no carro e chorava, é a travessia do deserto."

Lúcia, Maria João e Sofia tinham 46, 50 e 52 anos, respetivamente, quando o amor das suas vidas as deixou. Testemunhos de dor e de superação, narrados na primeira pessoa.

Foto: Mars Films
06 de abril de 2022 às 19:44 Rita Silva Avelar

O amor não escolhe idades, não é simpatizante dos bons timings e raramente é previsível. Teríamos que revisitar a noção do amor, o que não iremos fazer neste texto, e analisá-la de mil e um espectros e contextos para lhe conhecer todas as camadas. Quando acaba, nada ficará como antes. "A determinada altura, quando deixamos de gostar de alguém, deixamos de o fazer em suaves prestações", disse Eduardo Sá, psicólogo, em entrevista à Máxima. "Quando alguém que está connosco nos vai tirando vida em vez de nos dar vida, é altura de assumirmos que é sensato não estarmos ali mais tempo."

Foi o que aconteceu a Maria João, 61, Lúcia e Sofia, ambas 60, há cerca de uma década. O amor chegou ao fim, os seus respetivos casamentos chegaram ao fim, e nenhuma estava à espera, apesar de conscientes de alguns sinais. A perplexidade é muitas vezes a reação imediata, depois instala-se a tristeza. Mais tarde, a superação, a par das exigências da maternidade. Todas foram buscar forças que não sabiam ter.

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"Fui casada 25 anos e nunca me passou pela cabeça a ideia de divórcio. Fui apanhada de surpresa. A pessoa que eu nunca equacionei que saísse da minha vida apaixonou-se por outra pessoa", começa por contar-nos Lúcia. "Passaram-se 15 anos, mas lembro-me perfeitamente da revolta que senti por ter investido tanto numa relação que julguei manter-se para a vida. Senti-me defraudada, interrogava-me, procurava explicações para a ruptura, queria encontrar os porquês, as minhas falhas na relação…como se as falhas existissem por si só numa pessoa e não resultassem da relação que se estabelece a dois", recorda.

Lúcia tinha dois filhos adolescentes. "Quis segurar sozinha todas as pontas: o cuidar da casa, a educação dos filhos, o emprego e ainda esforçar-me para me manter saudável, não me deprimir, e sobretudo equacionar como iria sozinha gerir o orçamento familiar com dois filhos jovens a estudar (não tinha qualquer reserva, nunca fiz poupanças)."

As dificuldades financeiras foram duras, mas não pediu ajuda. "Não queria ficar dependente. Não foi fácil, ocupava todas as horas do dia tentando não mostrar a tristeza nem as preocupações que sentia aos meus filhos e a quem me rodeava. Os meus filhos e o meu círculo de amigos foram a minha rede de apoio. Raramente estava sozinha procurava não me isolar para não me sentir triste...Não comecei do zero mas do menos 10 ou do menos 20. Aprendi a viver sozinha…", conta. Na altura tinha 46 anos.

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Uma experiência assim rouba a esperança no amor? "Nunca me senti cínica no amor, fui sempre apaixonada pela pessoa com quem vivi, de tal forma que não me apercebi de alguns indicadores que me poderiam ter levado a pensar que a relação poderia terminar em divórcio", recorda. "Hoje reconheço que sublimei o fim da relação tentando encontrar erradamente respostas só em mim e culpando uma terceira pessoa, quando afinal a relação que terminou foi a que existia entre mim e a pessoa com quem casei. O transpor de culpas e raivas para uma pessoa que nem conhecia não tinha qualquer razoabilidade. Mas entre o sentimento de tristeza pela perda, havia uma mistura de raiva canalizada para a terceira pessoa e uma desculpabilização de quem saiu da relação." Lúcia encontrou respostas, mas foi um penoso caminho de reequilíbrio interior.

"Cada um tem a sua forma de gerir as emoções. Demora algum tempo, mas consegue-se virar a página, apesar de nos ter marcar para a vida. São capítulos que enquanto houver memória ficam lá, mesmo que entretanto resolvidos."

Volta-se a acreditar no amor? "Claro que se volta a acreditar no amor, não da mesma forma que quando se tem 18 anos e não se tem tanta história… Equacionar vivenciar novamente o conceito de casal é mais difícil, habituamo-nos a outro estilo de vida, os filhos já têm a sua própria casa, o espaço e tempo passaram a ser só nossos e distribuídos de outras formas."

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Maria João tinha 50 anos quando se separou, e tem memórias semelhantes. "Ao fim de 30 anos de casamento, eu continuava apaixonada pelo pai dos meus filhos, a amá-lo incondicionalmente. Por isso, quando o meu casamento chegou ao fim fiquei sem chão, achei que a minha vida tinha acabado. E como neste caso houve uma terceira pessoa, eu pensei 'ela ficou com a minha vida', é a pior sensação do mundo," recorda. A dor tornou-se física. "Tinha dificuldade em respirar, doía-me a alma, o coração parecia estar literalmente partido em dois, doía-me o corpo, tantas eram as saudades dos abraços."

Foi difícil, mas havia que continuar, até porque também tinha dois filhos já adultos, mas ainda jovens. "Não podia ficar a chorar sobre o leite derramado, tinha que continuar a levantar-me todos os dias (apesar de só me apetecer ficar na cama a chorar), tinha um emprego que felizmente adorava, e que não podia perder, porque a vida continuava e com ela as despesas do dia a dia, uma vez que os meus filhos ainda estudavam e viviam comigo, por isso havia que continuar." 

A vida continuou e passaram dez anos. "Apesar da mágoa e da tristeza que estão sempre lá no fundo, não me sinto infeliz (para mim, a tristeza é diferente da infelicidade), penso que tenho aproveitado bem a vida e se tudo continuar a correr como até aqui, vou continuar a tentar aproveitar o mais possível", diz. Curiosamente, conta Maria João, tem aproveitado "muito mais a vida nestes últimos 10 anos, do que nos quase 30 em que fui casada."

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Esperança no reencontro do amor? Tal como Lúcia, a perspetiva de voltar a partilhar um espaço físico com alguém é difusa. "Acredito que não há idade para o amor, mas duvido que o venha a encontrar, depois de estar 10 anos sozinha seria difícil habituar-me a viver com outra pessoa, gostaria de ter um namorado, mas nunca viver na mesma casa. Gosto de ter o meu tempo e o meu espaço e de fazer o que me apetece com ele, gosto desta liberdade. Mas quem sabe? Tudo pode acontecer....ou não."

"Aquilo que eu senti na altura foi um enorme falhanço pessoal", diz Sofia sobre a sua separação. "Um falhanço para comigo, para aquilo que eu me tinha comprometido a fazer, que era criar uma família, o que eu achava que não seria assim tão difícil."

Sofreu com vergonha, em silêncio. "Sentia até uma certa vergonha, durante dias não disse a ninguém, sentia um sofrimento atroz, sentes-te a morrer aos poucos, numa morte lenta. Sentes a outra a pessoa a morrer dentro de ti, também. Eu não desejo que ninguém passe por isto, é devastador", afirma.  "Apesar de eu saber que o meu casamento estava com alguns problemas, eu não imaginava a separação. Sentes-te a cair num buraco escuro. Oito anos mais tarde, há coisas sobre as quais ainda me custa falar."

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"Eu levantava-me, ia trabalhar, não podia chorar na secretária nem na casa de banho, descia ao estacionamento, metia-me no carro e chorava, chorava, é a travessia do deserto. Não via no meu horizonte nada que me pudesse alegrar." 

Mãe de duas raparigas, Sofia sentiu o peso da situação também refletido nelas. "Quando tens filhos tens que os proteger. Por um lado, não podem ser eles a aliviar o teu sofrimento, mas também não podemos levar as coisas de ânimo leve. Dizia-lhes que estava triste, sim." Resume as coisas como "um luto em vida". Às filhas, explicou-lhe que tinha lutado muito. "Elas diziam-me: ‘mãe não chores sozinha’. Mas tens que saber que não podes usá-las como armas de arremesso. A primeira vez que elas foram de fim de semana com o pai, chorei de sexta-feira a domingo."

Alguns anos após o primeiro impacto, Sofia sentiu uma dupla traição. "Vinda de uma das minhas melhores amigas. Ela viu uma brecha e fez-se à vida. É a história dos casais muito amigos que passam férias na mesma casa. É terrível, porque fazemos muitas perguntas a nós mesmas, como é que confiámos? Como é que não vimos?", desabafa. "Eu acredito que nós sabemos quando nos vamos apaixonar. Há um momento. Ou se arranca ou se faz marcha atrás. Apaixonar-nos é uma escolha, sempre. Sobretudo as mulheres, sabemos sempre o que se vai passar a seguir."

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Sofia acredita no amor, mas não o sente no seu caminho. "É a tal travessia do deserto, não o vemos no horizonte. Quando eu chego a casa ao fim do dia, do que eu sinto falta é de ter um adulto com quem conversar, ir ao cinema, planear um fim de semana." Também no amor as coisas são mais difíceis para as mulheres do que para os homens da mesma idade. Às vezes, sente angústia. "Sinto um medo terrível do que me possa acontecer. De estar sozinha, de tomar decisões sozinha." 

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