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Chega de tabus. Musex, o novo museu do sexo dedicado ao prazer feminino

"Amor Veneris - Viagem ao Prazer Sexual Feminino" é a primeira exposição do MUSEX - Museu Pedagógico do Sexo. Com curadoria da séxologa Marta Crawford e da arquiteta e curadora de arte Fabrícia Valente, está patente até 30 de dezembro no Palácio dos Anjos.

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23 de junho de 2022 Rita Silva Avelar

Há um novo museu do sexo em Portugal, instalado no Palácio dos Anjos, em Algés, o primeiro a reiterar que é pedagógico e aberto à discussão, para que toda a família o possa visitar. Com curadoria de Marta Crawford, psicoterapeuta e terapeuta sexual, e Fabrícia Valente, curadora e arquiteta, a primeira exposição que aqui se instala chama-se Amor Veneris - Viagem ao Prazer Sexual Feminino e inaugura esta sexta, 24 de junho. 

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"Em 2010, quando surgiu esta ideia, tive uma espécie de epifania depois de uma talk em que falei sobre sexualidade e sobre prazer sexual feminino. Logo após essa talk, sur a ideia de criar um museu pedagógico do sexo, onde pudessem estar crianças, jovens e adultos no mesmo espaço. De lá para cá muito aconteceu, e nos últimos anos apresentei o projeto à Câmara Municipal de Oeiras, que o achou interessante" conta Marta Crawford, mentora desta ideia que agora encontrou um espaço físico.

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Ao entrar na exposição, são-nos apresentados dois caminhos: com consentimento e sem consentimento. "Se entramos pelo caminho sem consentimento, se fizermos essa escolha, vamos encontrar uma série de obras relacionadas com o sofrimento, a violência sexual contra as mulheres, a mutilação genital feminina, a violação, o abuso sexual. Há uma série de artistas que representam todas essas questões, como a Ana Rocha de Sousa, que fez um site specific", explica a sexóloga. Trata-se de uma sala que reúne um vídeo original da cineasta, vozes de angústia que ecoam pelo espaço e ainda um manifesto. De notar a série de Paula Rego sobre o aborto, mas também a banda desenhada de Alice Geirinhas, que se debruça sobre o abuso sexual de menores. Obras que nos agitam, alertam e questionam estas realidades.

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Se escolhermos o caminho da direita, o do consentimento, embarcamos numa viagem pelo cérebro, pela pele, e pelo clitóris, todos domínios da sexualidade, terminando com uma interpretação do que é um orgasmo. Há uma literacidade subjacente a toda a mostra, que foi pensada ao detalhe. "Não queremos que esta exposição tenha uma narrativa fechada, mas que tenha muitas camadas, possibilidades de interpretação. Trabalhar com arte contemporânea é permitir ao leitor que tenha, também ele, um papel ativo, e é por isso que a exposição começa com uma escolha. O desafio espacial foi grande e, graças aos espacialistas, conseguimos visualizar um corpo como um todo, que é espaço, que é visitável, que é habitável, percorrível e conhecível. Viajar por estes mundos todos - da pele ao clitóris - requereu uma leitura espacial minuciosa", explica, por sua vez Fabrícia Valente. "A minha linguagem é a da Arte e da Arquitetura, a da Marta é mais a da Sexologia, da Psicologia, da Ciência, e essa dualidade e sobreposição de saberes e vontades nota-se na riqueza desta exposição."

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Ao longo de várias salas e recantos, há site specifics, experiências imersivas e olfativas, livros de orações, obras em escultura, pintura ou pano, entre outros formatos. Amor Veneris reúne obras de artistas nacionais como Paula Rego, Julião Sarmento, Álvaro Leite Siza, Sara Maia, Lourdes Castro, Ernesto de Sousa, Inês Norton, Maria Beatriz, Maria Souto de Moura, Ana Rito, Alice Geirinhas, Fátima Mendonça, Fernanda Fragateiro, Susana Mendes da Silva, Teresa Crawford Cabral ou a dupla Gang du clito. Também estão representados nomes internacionais: Jamie McCartney, Ana Mendieta, Annette Messager, Clara Menéres, Isabel Baraona, Janine Antoni, Julia Pietri, Laure Prouvost, Louise Bourgeois, Marta María Pérez, Noé Sendas, Polly Nor, Sophia Wallace e Sue Williams. 

Todos os detalhes foram pensados, e a dupla d'Os Espacialistas, Luís Batista e Diogo Castro, evidenciam, por exemplo, o tom amarelo numa das divisões, antes da obra de Julião Sarmento. "A Sala da Pele é um corpo feminino vestido de amarelo extraído simbolicamente do barro rico em ocre, uma cor-objecto capaz de colocar o corpo em movimento e elevá-lo física e imaginariamente no espaço e na memória (de Julião Sarmento)" explicam. "A cor amarela é (a) pele, que esconde todas as suas camadas de corpo é o meio de transporte, o táxi que nos e/leva ao "piso de cima", ao êxtase da experiência coreográfica construída e nos coloca em comunicação com o prazer feminino pretendido." 

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Destaque ainda para as obras de Cláudia Camacho, perfumista, que desenvolveu quatro olfatos baseados em mulheres e obras ligadas à paixão, da Cleópatra ao Kamasutra, para cheirar em pequenos frascos. Mas também para o mural de Jamie McCartney, que demorou cinco anos a fazer, com pequenas esculturas de 400 vulvas diferentes. "O propósito é mostrar a diversidade de vulvas, porque muitas mulheres têm ansiedade por causa da aparência das suas vulvas, ao ponto de fazerem cirurgias. Comecei esta "campanha" para produzir uma biblioteca do que é normal. Não é preciso mudar nada. Tenho um historial de obras politico-sociais, e esta é a de que me orgulho mais", conta o artista, durante a apresentação à imprensa. 

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Marta Crawford volta a mencionar a ideia de que esta é uma exposição que pretende deixar reflexões no ar. "Em 2022 continuamos a ter de falar sobre a importância do prazer sexual feminino, que tem sido sempre renegado para segundo plano. Há muita informação científica acerca da sexualidade masculina, mas muito pouco foi feito, sobretudo nos livros, sobre o clitóris, por exemplo." É por isso que os visitantes não vão encontrar os clichés habituais que retratam a vagina, aberta, em forma ovular. Tudo vai muito além da noção que se construiu acerca da sexualidade feminina, em direções mais ambíguas, discutíveis, alteráveis e realistas. Para ver no Palácio dos Anjos, de 25 de junho a 30 de dezembro. 

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