Roteiro. A outra Ibiza, a que queremos visitar
Longe das discotecas e dos clubes, há toda uma ilha que respira e que se reinventa. Fiel às tradições e alinhada com a sua essência natural, Ibiza ainda é um reduto de paz e um paraíso de liberdade.

Já passa das onze da manhã quando Tamara entra no recinto da Ibizaloe, uma empresa local que se dedica à produção de aloé vera e ao desenvolvimento e venda de produtos vários que tiram partido das propriedades da planta. É neste pequeno oásis de muitos catos e poucas sombras que esta ibicenca se prepara para conduzir aquela que será uma entre as muitas práticas de ioga que faz ao longo do dia. Chega com uma braçada de colchões e uma frescura que contrasta com o calor que, àquela hora da manhã, já se instalou na ilha. Rapidamente, olha para o grupo que tem pela frente (claramente pouco preparado para a aula) e improvisa uma solução. Com a mesma flexibilidade que viria a revelar nos minutos seguintes, tira proveito da disposição das árvores e da brisa suave e inicia uma prática plena de simplicidade. A sensação é mesmo boa e o resultado tão contagiante como o sorriso dela.
Criada entre Ibiza e a Argentina, Tamara cresceu a ver a ilha mudar. Hoje diz que não imagina qual seria a reação dos avós perante uma paisagem tão transformada (por vezes desgastada), mas prefere focar-se no que não mudou: as tradições campestres, as raízes tradicionais, a agricultura e a pesca e, no topo de tudo isso, a forma como os locais amam a vida. E, claro, a ilha. Tal como ela, que a certa altura trocou Ibiza por Barcelona para estudar "e sair da bolha", também César Mayol que, em 2014, fundou a Ibizaloe, sentiu essa necessidade de estudar e trabalhar fora. Mas, a determinada altura, ambos perceberam que era na ilha que queriam morar. Regressaram e investiram. De diferentes formas, fazem parte de uma nova geração comprometida com as raízes, mas também de uma comunidade com consciência global, apostada em mudar comportamentos e mentalidades. E construir um futuro de pés assentes no chão.
Nem sempre terá sido assim. Ainda hoje, sempre que se fala de Ibiza, é a ideia de uma alucinante vida noturna que mais depressa se alinha na lista de possíveis definições da ilha. O destino das festas de verão e das férias em iates privados, mas sobretudo das macrodiscotecas onde a diversão é sempre elevada ao expoente máximo. Falamos de espaços como a clássica Amnesia, inaugurada em 1976, ou a Privilege, que o Livro de Records do Guiness chegou a considerar a maior discoteca do mundo, com capacidade para 10 mil pessoas (encerrada desde a pandemia), a Ushuaia (ao ar livre) ou a incontornável Pacha, fundada em 1973. Ibiza ainda é isso. Mas se durante muito tempo o destino era óbvio apenas para celebridades internacionais, jogadores de futebol e party people em geral – o aeroporto de Ibiza é o terceiro com maior tráfego aéreo de voos privados na Europa - a verdade é que, hoje, a ilha se desmultiplica em talentos e encantos capazes de atrair a agradar aos públicos mais distintos.

Ponto de fuga

Comecemos pela história. A forma mais imediata de definir Ibiza é recuando até aos anos 1960 – década em que chegam muitos norte-americanos que aí encontravam uma escapatória à chamada para a Guerra do Vietname. Refúgio selvagem e paradisíaco, a ilha parecia desconectada do mundo, sendo o sítio certo para instalar e alimentar uma comunidade hippie que ali encontrava uma morada à medida. Antes disso, na década de 1930, já era muito procurada por artistas, nomeadamente pelos que escapavam ao regime nazi.
Mas convém não esquecer a vida que já por lá existia: Eivissa (nada como pronunciar a palavra em voz alta para esclarecer dúvidas), foi fundada pelos fenícios no século VII A.C., tendo sido habitada por cartaginenses, romanos, vândalos, bizantinos e árabes. É desse passado que nos fala Rocio, a guia que nos conduz pelas ruelas empedradas de Dalt Vila, o centro histórico situado numa zona elevada que, em 1999, foi reconhecido como Património Mundial pela Unesco. Porto incontornável nas rotas mediterrânicas, Ibiza rodeou a parte alta da cidade de muralhas e baluartes – ainda perfeitamente conservados. A Catedral do século XIV, construída no estilo gótico e mais tarde reformada segundo a estética barroca, é uma das paragens obrigatórias, mas quem quiser trocar o passado pelo presente, pode e deve assentar arraiais numa das muitas esplanadas da Plaça de la Vila que, ao final do dia, ficam banhadas de uma luz dourada que parece impregnar tudo e todos de uma energia lânguida e retemperadora.

É a mesma complacência que descobrimos nas ruas de Santa Eulària Des Riu onde – apesar de constituir o segundo maior núcleo urbano da ilha – as manhãs parecem ser vagarosas, a desdobrarem-se em passeios pelas ruas do centro ou até à Igreja Fortificada Puig de Missa, perto da qual descobrimos o museu etnográfico de Can Ros. Instalado numa típica casa payesa com mais de 300 anos, é uma espécie de passaporte para um passado rural, revelando como eram as vidas e os costumes campestres, e desvendando também um pouco da história de peças que se transformaram em ícones. É o caso das alpercatas, tantas vezes interpretadas e hoje muito valorizadas nas lojas de Dalt Vila e nas charmosas boutiques da mais pacata Santa Gertrudis de Fruitera, onde a moda ADLIB se reinventa a cada estação.

Conhecido com o estilo típico de Ibiza, assim designado a partir da expressão latina Ad Libitum, que significa "com liberdade", nasceu nos anos 1970 como um reflexo da forma de estar ibicenca. Consta que terá sido a princesa Smilja Mihailovitch a precursora deste "movimento" que libertava as mulheres de dress codes rígidos, incentivando-as a vestirem-se como quisessem, mas sempre com bom gosto. Silhuetas amplas, tecidos como o algodão e detalhes artesanais são algumas das características destas peças que, quase sempre, elegem o branco como cor principal. É o que comprovamos nas montras de lojas com a emblemática Charo, inaugurada em 1989.

Mar adentro
Por muitas voltas que se deem e muitos circuitos que se desenhem, a história de Ibiza escreve-se sempre à volta do mar. Ou dentro dele. Afinal, é a navegar que se descobrem as praias mais bonitas e os segredos mais bem guardados. Um dos guardiões desses mistérios chama-se Juan Carlos Costa – filho da terra e de pescadores, apaixonado pelo mar e com mais de 25 anos de experiência como guia turístico. É ele quem nos dá as boas-vindas a bordo do novíssimo Eclipse Eivissa, um barco tradicional a que os locais chamam gozzo. Depois de um dia a rodear os contornos da ilha, fica ainda mais fácil compreender o nome. Navegar ao longo da costa é mesmo um imenso gozo, neste caso potenciado pelo anfitrião que, além das competências náuticas, ainda dá um jeitinho na cozinha, preparando petiscos, queijos e saladas, mas também uma deliciosa sangria, que serviu gelada.



"Esta es una isla de fiesta, hay que buscar el camino /Esta é uma ilha de festa, há que encontrar o caminho", confidenciou a certa altura, como quem assegura que há sempre uma alternativa off the beaten track. Seguimos em direção ao norte, onde o nosso anfitrião considera estarem as praias mais selvagens e bonitas (bem como zonas de acesso mais difícil, por isso muito procuradas por nudistas, como Punta Galera), mas umas nuvens imprevistas obrigam-nos a descer em direção ao sol do sul. Avistamos as concorridas Platjes de Comte, Cala d’Hort, Platja Talamanca, Cala Llonga e cruzamo-nos com outras embarcações - em época alta, há inclusive um pequeno barco-bar ambulante que vende mojitos. Acabamos por ceder à vertigem azul-turquesa e mergulhar nas águas sempre cristalinas graças à ação da posidonia oceânica, a vegetação endémica declarada Património da Humanidade pela Unesco. Com a temperatura a variar entre os 18ºC de maio e os 26ºC de agosto, o mar torna-se no habitat perfeito para atividades como o mergulho e o snorkeling, mas também é possível andar de kayak, ou fazer stand up paddle e clif diving.

Simples prazeres
Os passeios de barco são sempre uma possibilidade a considerar para quem quer escapar às multidões, mas são vários os oásis de privacidade e tranquilidade espalhados por toda a ilha. Descobrimos um dos mais precisos em Sant Carles de Peralta. Instalado numa casa bicentenária, o Can Curreu Hotel Rural & Spa é uma bolha de tranquilidade e de luxo, conjugado na forma mais simples. Perfeitamente integrado na paisagem, conta com um pequeno rancho onde é possível dar passeios a cavalo e está equipado com um spa com circuito termal, para quem procura aquela dose extra de relaxamento. Ali não muito longe, a praia Aigües Blanques é uma das mais bonitas da zona, mas se a ideia for a de uma total imersão no hotel, será bom saber que nunca se perde de vista o espírito ibicenco, nem sequer no momento das refeições. A aposta faz-se nos sabores locais, com a cozinha tradicional a surgir reinventada no ponto certo, servida num espaço cuidado e perfumado pelas laranjeiras do jardim. Tudo leve, mas intenso, à semelhança do vinho que provamos na adega Can Rich.
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Fundada em 1997 e ampliada em 2007, é uma das maiores propriedades vinícolas da ilha e a única que não utiliza qualquer tipo de pesticida. Aos vinhos ecológicos, junta-se o famoso licor Hierbas Hibicencas, mas também os azeites de produção local e o famoso sal de Ibiza. Tudo para degustar numa sombra com vista para as vinhas.
Um brinde à vida
É ao final do dia que os copos se juntam e os olhares convergem. O mar e o sol aliam-se para aquele espetáculo diário, cuja beleza alguns restaurantes e bares potenciam ainda mais, numa espécie de ritual do qual todos querem fazer parte. É assim no Hostal La Torre, em Cap Negret. Muito concorrido durante a época alta (só funciona por reserva e com um consumo mínimo), fica situado num enclave natural com vista para o mar, sendo por isso perfeito para esticar o dia até à noite, desfrutando depois das propostas do restaurante, descontraído e animado. Mas porque Ibiza é mesmo a ilha (da) alternativa, é sempre possível descobrir outros espaços, como o chiringuito Cala Escondida.

Situado em Racó den Xic, numa das pequenas calas que formam o grupo de praias de Cala Comte, é integralmente ecológico, construído com materiais naturais reciclados, alinhado não só com a paisagem, mas também com a Ibiza dos anos 1990. Esse espírito continua lá, alimentando no perpétuo movimento das ondas, contempladas por alguns turistas, mas também por locais como Tamara, a professora de Ashtanga Vinyasa Yoga que elege este como um dos lugares especiais da sua Ibiza. É ela quem nos fala de outro dos mais bem guardados segredos da ilha: "a cidade perdida de Atlantis". Os mais céticos dirão que é apenas mais uma bela praia da costa oeste (As Pedrera), outros encontrarão nela uma paisagem plena de história e de misticismo. Ou mais um pretexto para voltar.
Dormir
Basta dizer que o Amare Beach Hotel Ibiza é só para adultos, para se ter uma ideia da atmosfera local. Convém é não esquecer que estamos em Ibiza, mais precisamente na baía de Sant Antoni (e a escassos quatro quilómetros da movida noturna), por isso, música, animação e cocktails à beira de uma das três piscinas viradas ao mar fazem sempre parte do cardápio. Quartos duplos (e bem insonorizados), a partir dos €176. Se a ideia de diversão assentar no extremo oposto, ou seja, silêncio e muito descanso, nada melhor que rumar a San Carlos, e descobrir o luxo descontraído do Can Curreu, um pequeno hotel rural a céu aberto. Existem várias possibilidades de alojamento, com preços a partir dos €247.

Comer e beber
No rooftop do UP, o restaurante do Hotel The Standard, serve-se não só uma bela panorâmica para o centro histórico, como uma boa fusão de sabores japoneses e mexicanos, fazendo desta uma das paragens obrigatórias. Num registo mais tradicional, mas nem por isso menos cuidadoso com os detalhes, o restaurante Can Berri Vell é a garantia de uma refeição memorável em Ibiza. Localizado no coração de Sant Agustí des Vedrà e instalado numa casa de família do século XVII, privilegia os produtos locais e uma autenticidade que brilha mais quando a noite cai. Ainda no roteiro dos "clássicos", não podemos deixar de referir o Bar Costa, em Santa Gertrudis, para os melhores bocadillos e tapas, e o Bar Anita, conhecido pelos locais como Ca N’Anneta. Fica em San Carlos e é um dos mais antigos da ilha.

Comprar
Falar de Ibiza é falar de mercados! O Hippy Market Punta Arabí, em Santa Eulària des Riu, realiza-se todas as quartas-feiras, entre abril e outubro, e é o mais antigo: celebra este ano o seu 50º aniversário com uma programação especial. A alternativa faz-se no concorrido Las Dalias, em Sant Carles de Peraltas. Funciona todos os sábados do ano, oferecendo uma programação complementar. As compras continuam na SLuiz, um espaço com 6000 metros quadrados onde é possível comprar roupa, mobiliário, decoração e ainda beber um copo naquele que se orgulha de ser o bar mais doido da ilha. Também vale a pena passar pela Ibizaloe e descobrir os produtos criados a partir do aloé vera produzido localmente de forma ecológica e sustentável: além de cuidados de corpo e rosto, estão disponíveis xaropes medicinais e cremes terapêuticos.

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