Crónica de uma yogi frustrada em Menorca
36 horas na capital de uma das ilhas Baleares para o festival Yoga Gallery Menorca.

O nome funciona como um postal visual automático, uma miragem que se adivinha já perto, uma promessa de que há um paraíso numa ilha a duas horas de Lisboa, sobretudo depois de um verão sem férias: Menorca. Maó, mais precisamente, a capital da ilha, para onde nos convidam a ir durante três dias, com o intuito de experimentar um festival de Yoga. Yoga é a segunda palavra mágica que lemos depois de Menorca, e, juntando as duas, digo que sim, sem dificuldade, apesar de não ser expert na modalidade. A ilha, vista ainda de cima, ainda dentro do avião, promete aquilo que imaginamos que seja um destino nas Baleares: águas cristalinas e a perder de vista, e, já mais perto da cidade, moradias branquinhas com invariáveis retângulos azuis vibrantes - rodeados de verdes de vários tons - que correspondem, sem surpresas, às piscinas privadas de cada casa. Do aeroporto à cidade são cerca de 7 minutos de carro, uma distância simpática, para dar tempo de contemplar as primeiras ruas, rotundas, entroncamentos deste destino de férias, mesmo que o anoitecer já esteja perto.
(Há uma dinâmica no festival que aceito, não sem reservas, mas que se revelará a melhor experiência, que é ser "adotada" por uma yogi - Concha é a minha anfitriã, uma mulher de 60 anos, que me recebe com pompa e circunstância no seu apartamento cheio de quadros pintados por si e pósters do filho pianista, e que se prontifica a explicar-me tudo sobre a cidade; que me mostra a vista da varanda, que me conta sobre os filhos e que ainda me oferece mexilhões para jantar - convite que me arrependo sobejamente de ter declinado.)
Passeio-me pela cidade, mas não me demoro, atacando com fome um prato de biqueirões e um copo de vinho branco da região da Galiza. Tudo, até aqui, me parece encaminhar para a experiência zen que espero ter no dia seguinte: nada como uma chegada sem intercorrências. Pela manhã, na ilha, o tempo está ameno, a época do turismo parece ter amainado, mas ainda tem força. As ruas são arejadas e as paredes brancas pintadas de cal, irregulares, a fazer lembrar o Sul de Portugal. Deixo-me contagiar por essa familiaridade, que se confirma mais tarde na recepção no mercado de peixe na primeira noite - perde-se tempo a explicar os pratos, a identificar as iguarias da região, e há variedade nas tapas e porções -, e nos restaurantes e lojas onde entro no dia seguinte. Há lojas do famoso "queso de Mahón", vinhos espanhóis escolhidos com elegância, lojas de menorquinas em cada canto, coloridas, a lembrar que o calor ainda não deixou a ilha, palmeiras sobreviventes bem firmes no meio nas praças, pássaros nos jardins infantis, que provam que a cidade ainda está bem verde. É aprazível e fácil passear aqui, as ruas conduzem-nos com facilidade até às praças - até as inclinações mais exigentes nos oferecem sossego com a existência de elevadores verticais. Sem dificuldade, chego ao ponto de encontro do festival à hora marcada, Es Claustro, que descubro por acaso. As aulas desenrolam-se com fluidez, os professores, vindos um pouco de todo o lado, vão tomando os lugares do palco com um ritual natural. Noto que os tapetes são usados por todas as pessoas, dispostos uns ao sol, outros à sombra das sombrinhas dispostas pela área. O sítio, esse, carece de infraestruturas à altura de um festival que se vende como mais exclusivo e premium - afinal, estamos a falar de um passe geral de €250. As únicas casas de banho existentes são as públicas, que não têm sabão nem toalhetes de papel para secar as mãos, e estão num estado inenarrável. Durante as aulas os turistas assomam do primeiro piso, voyeurs, alguns deles falando alto, sem filtros, sobre o que vêm. Estes detalhes, que não o são, pois fazem parte da envolvência, são das primeiras incoerências que causam estranheza (um festival luxo ou premium não correspondem a esta solução). Mas tento fixar os pés no chão, conseguir as melhores posturas, ajustar a respiração, pedir um desejo na aula dedicada à lua (o desejo é um dia sereno, um jantar com o bom vinho que bebi ontem - ou correspondente -, um rejuvenescimento qualquer que me dê forças no regresso ao trabalho em Lisboa, um desejo que na altura me pareceu de simples execução).
Consultando previamente - mas, admito, vagamente - o website do Yoga Gallery Menorca, nome deste festival que se apresenta como sendo "internacionalmente reconhecido" embora só tenha 1965 seguidores na rede social Instagram à data deste artigo (um barómetro a considerar?), tenho as condições reunidas para pensar que esta é uma experiência excepcional. Pela sua segunda edição, de 28 de setembro a 1 de outubro, o festival decorre em duas localizações: El Claustre, já introduzido, que fica dentro do mercado de Maó, destino de eventos culturais e gastronómicos inserido efetivamente num claustro; e a ilha de Lazareto, acessível de barco. A espiral de desencantamento começa, penso, no momento em que entendo que o jantar será servido no mesmo sítio onde as aulas decorrem (talvez o desencantamento tenha começado no aperitivo, quando conversava com duas jornalistas internacionais, tomando uma água aromatizada, e me narravam como se deslocariam, a seguir, para os respetivos hotéis) e se acentua com a consistência do mesmo: uma taça de courgette e raviolis congelados de vegetais. Vinho, nem vê-lo (desculpe leitor que não aprecia vinho, mas para mim tem poderes relaxantes na medida certa).

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O primeiro dia chega ao fim e dizem-me que o meu acompanhamento à ilha, no dia seguinte, tem afinal de ser feito por mim, à mercê de pontos de encontro que não conheço, horários que não me são fornecidos com rigor. Não, não se faz um programa de yoga que se diz de luxo com base em alinhamentos de horários com aulas diversas, há que pensar na logística e na envolvência, nos pormenores, esses, que fazem a diferença. Caminho até à casa da minha simpática anfitriã pensando como será a aula de Hatha Yoga com Surinder Singh, que não chegarei a fazer, passando pelo imponente Convento del Carme de Maó (ou Església del Carme) que data de finais do século XVII, e sua estátua de três cavalos - que está mesmo em frente frente ao El Claustro; contorno a praça até Santa Maria de Maó, levantada sobre as ruínas de uma igreja gótica que data da mesma altura, por fim passando por debaixo da Pont de Sant Roc, resquícios das muralhas desta cidade. O encanto de Menorca é evidente, o ar mediterrânico convida, com facilidade, a longos passeios noturnos sem vento e sem sinais de agitação. A cidade é naturalmente pacífica, e o silêncio da noite só é interrompido por gracejos de rapazes que ainda jogam à bola e por senhoras de chinelos a passear os seus cães de água andaluzes. No dia seguinte soarão "oms" de agradecimento por toda a ilha de Lazareto, e eu estarei sentada num café da cidade a refletir sobre o que é a tranquilidade, a paz interior, a meditação, e como é bom neste momento não estar, entre a pose do gato e a da cobra, numa reflexão angustiante sobre se chegarei à outra margem a tempo do voo que me levará de volta à minha Lisboa.

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