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Prazeres

A arte de Esther Mahlangu, dos murais às tapeçarias

Aos 87 anos, a conceituada artista sul-africana vê o seu trabalho e a tradicional pintura mural da comunidade Ndebele eternizados em tapeçarias Dhurrie, numa união de duas artes em via de extinção. Em exposição no Tivoli Avenida da Liberdade.

Foto: Francisco Nogueira
10 de julho de 2023 às 10:10 Ana Filipa Damião

Construir uma escola onde possa ensinar a arte Ndebele de pintura de mural, património em extinção, é o grande sonho de Esther Mahlangu, artista que dá nome à exposição atualmente patente no lobby do Tivoli Avenida Liberdade, em Lisboa. É aqui que a arte Ndebele ganha uma nova vida em dez tapeçarias Dhurrie (técnica de tecelagem da Índia), imortalizando o legado artístico da artista sul-africana.

Trata-se, assim, de uma fusão de duas práticas e culturas distintas - africana e indiana - surgidas da preocupação e paixão de Eshter Mahlangu e de Alexandra de Cadaval - que facilitou o encontro multicultural - por duas tradições que estão a desaparecer a passos largos. Escolhi a tapeçaria "porque queria fazer um seguimento altamente geométrico dos desenhos da Esther", explica a portuguesa em entrevista à Máxima. "Dentro dos meus diferentes testes, descobri que o Dhurrie, esta técnica de tecelagem centenária [está um pouco por toda a Índia, mas também está presente no Afeganistão e no Paquistão] era o ideal, porque queria este encontro entre duas artes indígenas" e porque esta reflete os aspeto geracionais e ornamentais da pintura Ndebele.

Foto: D.R

Na comunidade de Esther são escassas as pessoas que ainda pintam. Apenas as mulheres tinham a oportunidade de aprender esta arte abstrata, por norma produzida nos murais das casas de cada família como um registo do que acontecia à sua volta, como o nascimento de um novo membro da aldeia, uma família feliz ou até a evolução da tecnologia. Em 1989, aos 55 anos, Esther foi a primeira mulher da sua tribo a ir para lá do continente africano e a levar a sua arte a um público mais vasto, exibindo-a - aqui ainda em canvas - na exposição Magiciens de la Terre, com a curadoria de André Magnin, no Centre Georges Pompidou, em França. 

Foto: D.R

As suas tapeçarias apresentam desenhos geométricos e cores fortes, imagem de marca da artista parte da família real da comunidade de Ndebele, porém tinham um problema de produção: os artesãos indianos não costumam tecer círculos, algo recorrente nos desenhos da sul-africana, porque usam um tear vertical para fazer as tapeçarias, o que dificulta a criação de formas circulares, conta Alexandra. Isto e o respeito pela perfeição dos motivos foram os maiores desafios da colaboração, uma vez que os artesãos tinham de fazer tudo a olho, não havia uma dimensão predefinida. Aqui não entram medições ou esboços. 

Também é importante referir que as obras de Esther Mahlangu já eram conhecidas internacionalmente, embora tenha sido após conhecer Alexandra que a mulher de 87 anos deu o "salto" para o tecido. "Ela foi super mente aberta em relação à ideia, porque sabe que isto é uma continuação dos desenhos dela. E com a tecelagem, independentemente do tempo em que ela está connosco, a arte dela pode continuar a existir."

Foto: Maryse Magnin.

Como se veio a formar esta especial amizade?

"Foi através da música que comecei a ter contacto com este caminho das culturas mundiais e a ter uma verdadeira sensibilidade com o mundo tradicional. Esta noção de que temos um património em vias de extinção, e que se nós não começarmos a ter uma responsabilidade muito séria perante ele, ele vai desaparecer", recorda Alexandra, formada em indústrias culturais e co-diretora do Sacred Spirit Festival, na Índia. Depois de 16 anos de festivais em Évora, trocou Portugal pelo continente asiático e ficou uma temporada no Rajastão, antes de seguir para Moçambique no âmbito de uma missão humanitária em 2007. 

Apaixonou-se pelo país e decidiu que era ali que queria ficar nos próximos tempos, tentando ao mesmo tempo trazer a informação que tinha adquirido na Índia para fazer um trabalho de pesquisa sobre a cultura local de Moçambique, trabalho que demorou sete anos a ser concluido. "Fizemos de Norte a Sul todas as diferentes etnias, percorremos rituais, instrumentos, danças. E também depois dentro desse âmbito do meu trabalho de pesquisa cultural, cruzo-me com a extrema pobreza, pelas zonas onde eu estava, e não consegui ficar indiferente. Portanto, também desenvolvi muitos anos de missões humanitárias em que a cultura foi o meu veículo de entrada", explica.

Foto: Francisco Nogueira

A atração pela ornamentação era apenas uma questão de tempo. "Começo a ter uma grande sensibilidade depois de ver mensagens absolutamente extraordinárias sobre as casas." Com poucos trabalhos do género em Moçambique, "pegou num avião e viajou para o local mais próximo" que tinha o que ela procurava, uma aldeia da comunidade Ndebele na África do Sul. "Toda a gente me disse que tinha de conhecer as pinturas da Esther" e é assim que a encontro em 2017.

"Em 2018 trago-a para Portugal, dentro do âmbito da minha exposição Paixão Africana, que foi um projeto sobre música, dança e arte contemporânea em Évora". Durante as quatro semanas que ela esteve em Portugal, pintou um mural no pátio do Palácio dos Duques de Cadaval [Alexandra esteve à frente da sua restauração], alguns pilares no interior do restaurante Cavalariça e um arco no exterior, um processo longo, uma vez que Esther pinta apenas com penas de galinha.

Foto: D.R

"O meu sonho é poder ajudá-la no sonho dela, que é a construção de uma escola na sua aldeia [onde ainda vive]. E dentro disso gostava de tentar ensinar a técnica de Dhurrie, trazendo os nossos mestres da Índia para a escola. Seria também um meio de subsistência para as mulheres, e também podíamos usar o algodão da África do Sul. Temos de ir passo a passo, mas a ideia é termos um lado filantrópico um bocadinho mais para a frente", declara. 

A exposição estará no lobby do Tivoli Avenida da Liberdade até 30 de setembro. Cada modelo de tapeçaria conta com vinte edições e está disponível para venda aqui

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