O futuro é fur-free?
Em outubro passado, a Gucci anunciou que o pelo verdadeiro deixaria de figurar nas suas coleções. A decisão seguiu as pisadas já dadas por outras marcas de peso, como a Armani, a Cholé ou a Ralph Lauren. O futuro adivinha-se consciente ou trata-se, apenas, de estratégia? A “F word” voltou a estar no centro da discussão e as opiniões dividem-se. Adeus à imagem glamorosa de divas a arrastarem casacos de pele pelo chão…

Imagine uma revista de moda dedicar uma edição inteira à defesa dos animais. Vislumbre uma capa e uma produção, nas quais seres peludos e apetitosos são as estrelas. Acrescente à imaginação uma modelo dada às grandes causas, como a gaúcha Gisele Bündchen, abraçada aos indefesos bichos - coelhos, raposas e cangurus bebés -, enquanto o seu corpo se deixa cobrir pelos mais variados pelos falsos.
Imaginou? Pois foi o que fez a Vogue Paris, na sua edição de agosto de 2017, sob o mote de que "usar pelo verdadeiro nunca é uma opção". "A moda sempre foi acerca de tendências e de emoções, assim como a antecipação dos desejos do consumidor."

As palavras são de Marco Bizzarri, CEO da Gucci, numa entrevista ao site Business Of Fashion (BOF), dada no dia 11 de outubro de 2017, data em que a Casa italiana anunciou que iria deixar de usar pelo verdadeiro nas suas coleções: "Não é moderno e está fora de moda", alegou Bizzarri, que já havia anunciado a decisão durante uma palestra no London College of Fashion. O empresário anunciou também que as peles que ainda estão na posse da Gucci serão leiloadas, revertendo o lucro para as organizações de defesa dos direitos dos animais Humane Society International e LAV (Lega Anti Vivisezione).
Sabendo-se que os produtos de pele rendiam à Gucci cerca de €10 milhões por ano (informação avançada pelo BOF), a questão da consciência pareceu sobressair. Mas um motivo nunca vem só. A empresa de consultoria Deloitte descreveu os millennials como sendo uma geração com uma ética acima da média. Acontece que cerca de metade dos compradores Gucci são millennials, o que, de certa forma, justifica a decisão. Nas palavras do CEO da Gucci, "trata-se da moda e da modernidade a caminharem juntas".
A realidade é que a polémica em torno do tema pelo verdadeiro versus pelo falso há muito que faz correr tinta. Recorde-se quando, em 1994, as supermodelos Naomi Campbell, Kate Moss, Christy Turlington, Cindy Crawford e Elle Macpherson posaram nuas "vestindo" apenas o slogan "We’d rather go naked than wear fur", no âmbito de uma campanha para a PETA (People for the Ethical Treatment of Animals).

O sucesso foi inominável e a imagem nunca mais saiu do subconsciente dos fashionistas mais conscientes. Apesar de tudo, Naomi Campbell foi posteriormente vista a usar pelo verdadeiro. A modelo, que acabou por considerar a campanha para a PETA "um erro", brilhou, em 2009, na campanha do designer de casacos de pelo verdadeiro Dennis Basso e, em novembro de 2017, ousou surgir na festa do Calendário Pirelli, em Nova Iorque, com um casaco de pelo colorido até aos pés, esquecendo por completo que um dia havia dado a cara - e o corpo - pela PETA. Mas a divisão de opiniões não se fica por aqui.
À semelhança de Naomi, outros nomes de peso defendem que o pelo verdadeiro é uma opção, senão a opção. Referimo-nos à todo-poderosa Anna Wintour (Vogue americana) que inclusive ganhou o cognome de fur hag, ou seja, bruxa do pelo. Num determinado editorial da revista, a diretora da "bíblia da Moda" fez a seguinte revelação: "Este é o momento certo para fazer uma confissão - Sim, eu uso pelo. E também como suculentos bifes."
Em resposta à sua declaração, um grupo de celebridades – que incluía Kim Basinger, Sarah Bernhard, Alec Baldwin ou a supermodelo e covergirl Tatjana Patitz – fez chegar àquela publicação, em Nova Iorque, uma carta que suplicava que Anna Wintour parasse de incluir pelo na revista. Na carta podia ler-se: "Não há nada de moderno em matar animais por um produto de luxo. Por causa desses pelos, os animais são gaseados, eletrocutados, afogados e estrangulados. Pedimos à Vogue que seja mais amiga dos animais, concordando em pôr fim a esta insensível promoção." A carta não surtiu efeito.

Conta-se que certo dia, durante um almoço no Four Seasons, na Big Apple, uma apoiante da PETA aproximou-se de Anna Wintour e colocou no seu prato um guaxinim congelado, ao mesmo tempo que esbracejava e gritava: "Isto é pelos animais! Tem vergonha na cara! És uma bruxa do pelo!" Anna reagiu como mandam as regras de uma "lenda" da Vogue americana: pousou o guardanapo por cima do animal morto e pediu um café.
Apesar do sucesso dos loafers com pelo no interior, que vingaram nas últimas temporadas frias, a Gucci, do designer de moda Alessandro Michelle, tomou a decisão pública de não voltar a colocar pelo verdadeiro nos seus artigos.
Com estreia realizada na coleção primavera/verão 2018, a medida tomada pela Maison passou, assim, a seguir as pisadas de nomes tão fortes como Calvin Klein, cujo passo pioneiro foi dado em 1994, Ralph Lauren (em 2006), Tommy Hilfiger (em 2017), Stella McCartney (2001) e, mais recentemente, Giorgio Armani (2017) e, já pós-Gucci, Michael Kors.

Quem ainda não recusou o pelo verdadeiro, e até o destaca, é Karl Lagerfeld. O homem-forte da Chanel vai na terceira coleção de Haute Fourrure (ou High Fur), da Fendi. Trata-se, como o nome indica, de uma colecção composta por 30 looks feitos a partir de pelo verdadeiro. Um casaco que figurou numa das coleções foi avaliado pelo The Financial Times como valendo a módica quantia de um milhão de dólares. Naturalmente, a primeira coleção Haute Fourrure, da Fendi, reacendeu a fúria por parte de alguns grupos ativistas defensores de animais, em particular a PETA. Ao que Lagerfeld ripostou, com sarcasmo: "O pelo é cada vez mais raro. Não precisam de estar tão irritados. Há cada vez menos [pelo] e os preços são cada vez mais elevados."
Efetivamente, nem tudo são rosas no universo da fake fur. Muitas das peles falsas são feitas à base de materiais não biodegradáveis de origem sintética – como o nylon e o poliéster –, sendo ainda provenientes do petróleo.
Segundo um artigo científico publicado em 2011 no jornal Environmental Science & Technology, o processo de lavagem e coloração do pelo e da pele deteriora o meio ambiente, libertando cerca de um milhão e 900 mil pequenas partículas plásticas que são, através dos esgotos, enviadas para rios, para lagos e para o mar.
A fronteira entre o certo e o errado continua demasiado ténue no que respeita à questão do pelo. O certo é que se continua a utilizar peles de animais e que suculentos bifes continuam a ter o seu lugar em menus de restaurantes. Talvez um apelo à consciência individual seja o mais fundamental. Pelo sim, pelo não.
