Moda / Tendências

De Portugal para o mundo. Como as marcas de luxo vêm produzir nas nossas fábricas

Trabalham para marcas como Speedo, Dior ou Balenciaga, entre milhares de clientes muito exigentes. No Norte de Portugal, onde está concentrada grande parte da indústria têxtil portuguesa, aposta-se na qualidade, na inovação tecnológica mas também na consciência de que os recursos naturais não são ilimitados.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística relativos ao ano de 2021, 76,1% das empresas têxteis portuguesas estão concentradas no Norte do país e 10,6% no Centro.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística relativos ao ano de 2021, 76,1% das empresas têxteis portuguesas estão concentradas no Norte do país e 10,6% no Centro. Foto: Moda Portugal
01 de fevereiro de 2023 Maria João Martins

Combinam impressoras 3D e bibliotecas digitais de tecidos com segredos passados de geração em geração, cuja origem se perde em épocas em que as senhoras usavam espartilho e os homens enceravam os bigodes. Para várias empresas têxteis, sediadas maioritariamente no Norte de Portugal, esta combinação vencedora entre modernidade e tradição é o segredo que lhes permite triunfar no segmento mais exigente do mercado global da Moda e do luxo. Não admira, por isso, que, no âmbito da Fashion Design Competition, a Moda Portugal tenha levado os 18 concorrentes (provenientes de seis países e de oito das melhores escolas de moda do mundo) a visitar algumas das grandes empresas do setor sediadas no Norte de Portugal. E foi assim que, numa delas, usámos uns óculos de realidade virtual para ter uma preview de como ficarão as peças depois de finalizadas e entregues ao cliente.

No âmbito da Fashion Design Competition, a Moda Portugal levou os 18 concorrentes (provenientes de seis países e de oito das melhores escolas de moda do mundo) a visitar algumas das grandes empresas do setor sediadas no Norte de Portugal.
No âmbito da Fashion Design Competition, a Moda Portugal levou os 18 concorrentes (provenientes de seis países e de oito das melhores escolas de moda do mundo) a visitar algumas das grandes empresas do setor sediadas no Norte de Portugal. Foto: PRETONUBRANCO

Comecemos esta "viagem" pela Calvelex, com sede em Lousada, fundada por dois irmãos bisnetos e netos de alfaiates. Hoje, um desses irmãos, César Araújo, é o CEO e apresenta como um dos grandes trunfos o facto desta empresa ter "a maior biblioteca de padrões do mundo." Com cerca de 600 funcionários e exportações (sobretudo de vestuário feminino) para 50 países (com os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido a liderar), vê no apoio aos jovens designers, mesmo os que ainda não fazem grandes ou mesmo médias encomendas, um investimento. "Estou certo de que estes jovens vão lembrar-se de quem os apoiou quando chegarem às grandes marcas e tiverem de tomar decisões. De resto, ter contacto com as suas ideias permite-nos perceber como a Moda vai evoluir e isso é muito importante para nós." Frisando que é ponto de honra da Calvelex não trabalhar com empresas de fast fashion, César Araújo está consciente da "importância social do setor porque gera muito emprego" mas também do facto da concentração na mesma região do região do país gerar "complementaridades que podem ser muito interessantes para todos."

Um dos grandes trunfos da Calvelex é ter
Um dos grandes trunfos da Calvelex é ter "a maior biblioteca de padrões do mundo." Foto: Moda Portugal

Com efeito, as estatísticas falam por si: segundo dados do Instituto Nacional de Estatística relativos ao ano de 2021, 76,1% das empresas têxteis portuguesas estão concentradas no Norte do país e 10,6% no Centro. No total, empregavam 121 724 pessoas, sendo a maior parte deste tecido empresarial constituído por 60, 6% microempresas, com apenas 0,66% a entrar na tipologia das grandes empresas. 

César Araújo, CEO da Calvelex, com sede em Lousada, vê no apoio aos jovens designers, mesmo os que ainda não fazem grandes ou mesmo médias encomendas, um investimento.
César Araújo, CEO da Calvelex, com sede em Lousada, vê no apoio aos jovens designers, mesmo os que ainda não fazem grandes ou mesmo médias encomendas, um investimento. Foto: Moda Portugal

Neste último grupo, minoritário mas decisivo para a vitalidade do setor, entra a Petratex. Fundada em 1989 em Paços de Ferreira, trabalha para uma audiência global nos mercados da Moda, Desporto e Alta tecnologia, combinado tecnologia, investigação científica, serviço e design. Não admira, pois, que a sua carteira de clientes regulares inclua marcas como a Speedo (para quem a Petratex faz fatos de banho de competição em exclusivo), Alexander WangDior, Louis Vuitton ou Balenciaga. Ali trabalham mais de 2000 pessoas entre trabalhadores diretos e subcontratados (a Petratex tem mais de 60 empresas subcontratadas em Portugal e três companhias próprias na Tunísia). O número de clientes ultrapassa o milhar e o de fornecedores atinge os 3 mil. Sujeitos a uma política apertada de sigilo (nomeadamente na secção de protótipos) os trabalhadores confecionam peças de vestuário para homens, mulheres e crianças, com todo o tipo de matérias-primas, desde que obedeçam a elevados critérios de sustentabilidade e segurança. Com recurso a novas ferramentas como a realidade 3D (que, entre outras funções, permite ter acesso a um extenso catálogo online de tecidos, estampados, formas, texturas e cores), a Petratex faz questão de "trabalhar muito com os clientes no desenvolvimento das peças" ao mesmo tempo que "sujeita ao seu próprio controlo de qualidade tudo o que lhes chega das empresas subcontratadas." De resto, a direção frisa que a sua carteira de clientes tanto inclui a Balenciaga ou a Speedo como numerosas start ups

A carteira de clientes regulares da Petratex inclui marcas como a Speedo, Alexander Wang, Dior, Louis Vuitton ou Balenciaga.
A carteira de clientes regulares da Petratex inclui marcas como a Speedo, Alexander Wang, Dior, Louis Vuitton ou Balenciaga. Foto: Moda Portugal

Com um perfil diferente, mas igualmente determinante, é o CITEVE - Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário. Situado em Vila Nova de Famalicão, trata-se de um organização privada sem fins lucrativos, com delegações comerciais no Brasil, Tunísia, Argentina, Paquistão, Chile e México. O seu objetivo é disponibilizar às empresas do setor têxtil e do vestuário, principalmente PME (90%), um portfólio de serviços que inclui ensaios laboratoriais, certificação de produtos, consultoria técnica e tecnológica, I&D+inovação, formação e moda e design. Hoje é uma organização de referência em Portugal e no estrangeiro, em matéria de promoção da inovação e desenvolvimento da Indústria Têxtil e do Vestuário.

Ativo desde 1989, o CITEVE é essencialmente formado por empresas (630), na sua maioria PME com base na região Norte de Portugal. Com uma relação muito estreita com as empresas e um conhecimento profundo da realidade e do desempenho do setor, o CITEVE também assume um papel importante na definição e aplicação de políticas públicas. A sua prática assenta em quatro grandes pilares: estímulo ao recurso aos biomateriais, à economia circular, à sustentabilidade e à ligação com a comunidade. Neste momento, está a lançar um projeto de bioeconomia sustentável na ordem dos 138 milhões de euros. 

O objetivo da CITEVE é disponibilizar às empresas do Setor Têxtil e do Vestuário um portfólio de serviços que inclui ensaios laboratoriais, certificação de produtos, consultoria técnica e tecnológica, I&D+inovação, formação e moda e design.
O objetivo da CITEVE é disponibilizar às empresas do Setor Têxtil e do Vestuário um portfólio de serviços que inclui ensaios laboratoriais, certificação de produtos, consultoria técnica e tecnológica, I&D+inovação, formação e moda e design. Foto: Moda Portugal

A 16 de Fevereiro próximo, o CITEVE, em colaboração como BSCD Portugal, Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, apresentará publicamente o programa Beat by be@t (inscrições aqui), dedicado a designers e pequenas e médias empresas na promoção da sustentabilidade e da bioeconomia na indústria têxtil e da moda. O evento será na Modtissimo, na Exponor. Quem aceita o desafio?

Saiba mais
Moda, Tendências, Indústria Têxtil Portuguesa, Fashion Design Competition, Moda Portugal
Leia também

Paco Rabanne (1934-2023). O legado de um visionário da moda

Ainda não se falava em empoderamento das mulheres e já o basco Paco Rabanne envolvia as suas modelos em cotas de malha à maneira dos guerreiros medievais. Conquistou o mundo da Alta Costura com as suas ideias arrojadas e um sentido empresarial único. Morreu esta 6ª feira, aos 88 anos.

As Mais Lidas