O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre
Moda / Tendências

Casacos da Mango a €699,99 e vestidos da Zara a €350? Como a fast-fashion se está a reinventar

Vestidos que custam centenas de euros, colaborações com designers e peças feitas com materiais autenticamente luxuosos - é uma nova fase de lojas como a H&M, a Mango ou a Zara.

Foto: Mango
12 de janeiro de 2024 às 13:02 Joana Rodrigues Stumpo

Já lá vão os dias em que era fácil e barato renovar o guarda-roupa. O que, por um lado, tem as suas vantagens - é sinal que a mão-de-obra e todos os envolvidos no longo processo de fabrico estão a ser (muito) lentamente mais valorizados. Poderia, também, ser sinal de que os materiais são de melhor qualidade, mas infelizmente o recheio da maioria dos centros comerciais são peças de fibras de plástico (leia-se, sintéticas) que não aguentam muitas lavagens até se começarem a desfazer ao fim de algumas estações. Parece que, há uns tempos, a Inditex e o grupo H&M, entre muitos, disseram: "Basta! Somos capazes de produzir roupa de qualidade que vale muito mais do que €25,99 e vamos provar isso ao mundo!" Foi o início de algo novo no ciclo de vida da low fashion.

Há uma característica que distingue uma loja de fast fashion: tem uma quantidade absurda de produtos disponíveis. E quanto, exatamente, é um número absurdo? Na H&M online, em dezembro de 2023, havia 747 calças de mulher - sem incluir calças de ganga, que são 208 só por si -, 638 malhas e 1159 vestidos. Alguns destes produtos só podem ser comprados pelo site porque não há qualquer loja física que consiga albergar tanta mercadoria, muitas vezes em 10 tamanhos diferentes. De tanta oferta há um resultado óbvio: moda para todos os gostos. Esta estratégia pode facilmente tornar-se num ciclo vicioso, porque quanto mais público uma marca tem, mais público quer ter. Afinal, o lucro como um incentivo é um dos cinco princípios básicos do desenvolvimento capitalista. E, assim, nascem os vestidos de €350 da Mango.

Foto:

Enquanto há uns anos era preciso encher um carrinho de compras para chegar às centenas de euros nos sites destas lojas, hoje facilmente se ultrapassa o budget com um ou dois itens. É um fenómeno: é possível gastar €169 num casaco de ski corta-vento e à prova de água (o verdadeiro XPTO) na Zara, ou €299 numa saia de malha metálica da H&M. São produtos muito mais caros do que o preço normalmente praticado pelas marcas e, por vezes, lançados de forma em edição limitada. Só podem ser comprados online ou fazem parte de uma coleção exclusiva, também rotulada como premium, e há até as que surgem de colaborações com grandes nomes do design de moda. É o caso da H&M, que, nos últimos anos, se tem tornado na porta de entrada no mercado da fast fashion: lançou coleções em colaboração com a Versace, Maison Margiela, Stella McCartney, Mugler e, mais recentemente, com Paco Rabanne. É a verdadeira adaptação ao consumo rápido, já que pega no estilo associado a cada Maison e o transforma em peças apelativas ao consumidor comum - há gorros, t-shirts e carteiras, por exemplo. Para Carolina Afonso, professora de Gestão Estratégica no ISEG, com as colaborações "acaba por haver duas novas audiências que se cruzam e isso pode ser benéfico para ambas as marcas". A low fashion "vai beneficiar do status, da exclusividade e dos seguidores" da Maison. O mesmo se pode dizer sobre as casas de luxo, que poderão estar a pôr em prática uma estratégia para alcançar um público diferente. Estas "vão beneficiar do volume, ou seja, da massificação" dos seus produtos.

Foto:

Esperemos, contudo, que o mercado da Moda não esteja de tal forma que seja necessário recorrer a parcerias com marcas polarmente opostas. Assumindo o ponto de vista mais positivo, em que estamos todos felizes e financeiramente de barriga cheia, há, ainda, uma outra explicação: ao fornecer uma gama de produtos esteticamente semelhante à imagem de uma casa de moda e que seja largamente mais acessível, o negócio pode estar a precaver-se contra o mercado de dupes. Embora não seja exatamente o vestido que passou na passerelle há uns meses, é uma peça parecida o suficiente e - por vezes mais importante - tem o nome na etiqueta.

Outra justificação dada para os preços exorbitantes de determinadas peças é a qualidade. A indústria da fast fashion tem (pelo menos alguma) consciência do dano que provoca ao ambiente com o uso de fibras sintéticas e de que há maneiras de controlar os estragos. Uma dessas formas é optar por materiais mais sustentáveis que, por sua vez, são mais caros - o fabrico de um casaco de cabedal pode ser menos poluente do que um de poliéster, mas o processo é mais dispendioso, tal como a própria pele. Carolina Afonso explica que "os consumidores questionam as marcas sobre onde os produtos são feitos, porque isto tem um impacto ambiental, como é que são feitos, de que são feitos". Portanto, é legítimo que a Mango cobre apenas €39,99 por uma peça feita 100% de poliéster, mas €249,99 por um casaco de pele de bovino com uma gola de lã de ovelha. O mesmo acontece com outros tecidos naturais: o algodão, a caxemira e a lã são materiais mais caros, o que justifica, de certa forma, o aumento de preço. Ainda assim, a escolha de uma fibra natural não significa sempre que o produto é de melhor qualidade, já que isso depende, também, do fabrico e do cuidado a ter com as peças.

Foto:
Foto:

Certo, há várias razões que explicam os preços mais altos em determinados produtos ou linhas de marcas de low fashion. Ainda assim, a pergunta original mantém-se: porquê? Porquê desviar-se das próprias condições que tornam uma marca apetecível a milhões de pessoas em todo o mundo? Porquê renegar aos preços baixos e qualidade medíocre que é tão característica destes grupos? Talvez seja exatamente esta descrição pouco elogiosa que pode fazer com que os donos de milhares de lojas de roupa aspirem a mais. Só compra um par de calças de ganga da Pull&Bear ou da Bershka quem está em paz com a probabilidade de a peça durar um par de anos, talvez menos. E onde vai às compras quem quer algo melhor? Quem está disposto a pagar por isso? Ao lançar coleções de produtos premium, grupos que detêm estas lojas provam que conseguem alcançar outros públicos. Segundo a professora do ISEG: "[é uma estratégia que] tem a ver com a era em que vivemos, uma era digital, de plataformas, de afetos sociais, em que as audiências contam. Na verdade, falamos da possibilidade da marca poder inovar e chegar a diferentes públicos". No fundo, é pagar pela qualidade e não pelo selo de status que é o nome de uma Maison (isto é, até ao dia em que a própria H&M se tornar na go to loja de luxo).

"Diria que é um projeto bastante arrojado para estas marcas, em que a cadeia de valor muitas vezes levanta questões éticas de como é que os produtos são feitos", admite Carolina Afonso. Nesse sentido, as colaborações, por exemplo, "ajudam no posicionamento das marcas mainstream, que passam a ser vistas pelos consumidores como mais sustentáveis." Tendemos a ficar de pé atrás com o objetivo destas estratégias (captar ainda mais público? Limpar um registo de peças pobres e de má qualidade? Alertar o mundo para a oferta de produtos mais sustentáveis? Greenwashing!?), mas, para já, pode dizer-se que esta colocação parece funcionar - muitas peças ficam sem stock em alguns tamanhos e chegam mesmo a esgotar. Por aqui, aguardamos ansiosamente que a H&M colabore com a Miu Miu - será o dia em que levaremos uma autêntica micro saia para casa.

Leia também

Adereços utilizados na série The Crown estarão à venda num leilão

De vestidos usados por Claire Foy, na primeira temporada, até aos de Elizabeth Debicki, o leilão, que acontecerá em Londres na Bonhams Auction House, apresentará uma seleção de peças mas, antes, será possível ter acesso aos artigos a partir de uma exposição criada. Veja o vídeo.

As Mais Lidas